Publicado originalmente no site UAI, em 23/12/2011.
Projecionistas revelam paixão pelo cinema e apontam seus
filmes preferidos.
Profissionais são responsáveis pela qualidade do som e da
imagem de quem frequenta as salas de exibição de BH.
Por Thaís Pacheco.
Marcelo Amâncio tem 54 anos, cinco filhos e está casado com
a segunda mulher. Nascido e criado em Belo Horizonte, estudou até o 6º ano do
ensino fundamental e tem um dom para eletrônica – conserta aparelhos do gênero
para amigos e clientes. Também tem um sistema de som, com caixas e picape, para
aluguel ou para que ele mesmo toque em festas.
Valdir Guimarães, de 62, é casado, tem dois filhos e um
hobby: cuidar das plantas que ficam na sua casa, um de seus lugares preferidos.
Chegou a BH vindo do município de Rio Vermelho, região do Serro, para tentar
uma vida melhor na capital como vendedor ambulante.
Edson Teixeira tem 39 e nasceu em Ferros, Minas Gerais.
Solteiro, quando não está no trabalho fica em sua casa no Bairro Riacho, em
Contagem, e gosta de ver TV e jogos de futebol.
Essas vidas completamente distintas se unem por uma paixão
em comum: o trabalho de projecionista de cinema. O mais novato dos três é
Edson, na profissão há 22 anos. Marcelo Amâncio está no ramo há 36 e Valdir há
34.
O motivo que os faz ficar tanto tempo no ofício é o mesmo, o
prazer do trabalho no cinema em função solitária, silenciosa e que requer
responsabilidade com a diversão alheia. Ofício, inclusive, pouco lembrado.
“Eles só se lembram que existimos quando nós menos queremos”, brinca Valdir,
com o fato de o público só olhar para a cabine de projeção quando há problemas
na tela.
Mas os motivos que os fizeram chegar até essa profissão são
distintos e curiosos. Marcelo é um apaixonado pela sétima arte. “Ali na Rua
Aarão Reis tinha o Edifício Central, com as companhias de filmes. Lá ficavam
Metro, Fox e outras, que faziam sessão para revisar filmes”, lembra o técnico,
sobre a necessidade de revisar filmes para cortar e consertar trechos
danificados. “Ficava catando aqueles pedacinhos e levava para casa para fazer
slide na parede, com lâmpada e lente de aumento. Até conhecer o Joaquim, um
amigo do bairro que me levou para aprender a fazer projeção no Cine Acaiaca”,
conta Marcelo, que entrou no cinema aos 18 anos e nunca mais saiu.
Edson, de geração mais nova, começou a carreira numa sala de
shopping, o Del Rey. Quem o ensinou foi Zé Vieira, outro projecionista da velha
guarda, até hoje na ativa, na rede Cineart do Boulevard Shopping. Ele não se
lembra ao certo de qual foi o primeiro filme que operou a projeção, mas um dos
mais marcantes do início da carreira e que ele gosta até hoje foi Meu primeiro
amor, (de 1991, com Macaulay Culkin). Antes de iniciar a carreira, aos 22 anos,
tinha sido balconista. Quando conseguiu uma vaga de porteiro no cinema, pediu
para cobrir férias dos projecionistas. Assim como Marcelo, desde então nunca
cogitou outra profissão.
Valdir chegou em Belo Horizonte para ser vendedor ambulante.
Aprendeu o ofício de alfaiate e passou a confeccionar calças. Um dia, um amigo
lhe disse: “Venha ser projecionista à noite. Você ganha mais dinheiro e não
precisa deixar de ser alfaiate”. Lá foi ele para seu primeiro emprego de
carteira assinada, aos 28 anos, no Cine Santa Efigênia, sem imaginar que
ficaria na empresa pelo resto de sua vida. “A Cinema e Teatro Minas Gerais
fechou em 31 de janeiro e eles fizeram o acerto com todo mundo. No dia 1º de
fevereiro, a Cineart, que comprou a empresa, me contratou. Faz 34 anos que
estou com esse pessoal”, conta ele, que, assim como Edson, sempre trabalhou em
dois cinemas. Atualmente, ao lado de Marcelo e Edson, integra o quadro do
Usiminas Belas Artes, além do Shopping Cidade.
NOITE E DIA Casos para contar não faltam para Valdir. “Se
tivesse anotado todos os filmes que já passei na vida, hoje dava uma história.
Mas não o fiz porque jamais pensei que ia ficar tanto tempo nesse negócio”,
diz. Um dos primeiros filmes que lembra de tê-lo marcado ao projetar foi Dona
flor e seus dois maridos.
Cada um deles tem olhares diferentes sobre o cinema. Edson
não quer nem saber de filmes quando sai do trabalho. “Sem chance de assistir em
casa. Pesadelo”, brinca. Marcelo é um árduo defensor do 35 milímetros: “Podem
melhorar o áudio, mas não há nada na imagem que supere o 35. Você nunca vai
ver, por exemplo, uma legenda branca se confundir com uma camisa branca num 35
milímetros”. A Valdir coube a responsabilidade de lembrar o lado ruim da
profissão: “Perdi aniversários de filhos, formatura e casamentos, porque o
horário é complicado”.
De fato, projecionista não tem Natal, ano-novo, feriado,
férias, tampouco horário. Edson e Valdir trabalham das 12h às 18h no Belas
Artes e às 18h30 vão para os shoppings, onde ficam até cerca de 23h40. Marcelo
é folguista no Belas.
“Conheço projecionista que não conseguiu ir a velório de
parente por não encontrar um folguista”, conta Edilson Fernandes, de 40 anos.
Frequentador de cinema e cabines de projeção desde os 15 anos, começou a
carreira no Cine São Francisco, em Sabará, onde nasceu e mora até hoje.
Trabalhou na área por mais de 20 anos, durante a noite, e manteve a profissão
de mecânico de dia.
Entre vários cinemas e filmes, um em especial o marcou.
“Nunca vou me esquecer de quando entrei no Palladium e passei Voltar a morrer.
Uma sala de 70 lugares é bom, mas sair de lá para trabalhar numa sala de mil
lugares, cartão-postal de BH, rodando cinco sessões por dia, todas lotadas, é
um marco”, lembra.
Há dois anos, Sebastião tomou a difícil decisão de dar um
tempo no ofício em prol de um pouco mais de tempo livre e vida social, mas será
sempre grato à sétima arte. “Posso dizer que conheço um pouquinho do mundo
inteiro. É o que vou sentir mais falta do cinema, desse intercâmbio. Rodava
filmes que vinham do Iraque, Rússia, Índia, lugares aonde nunca irei. É uma
janelinha para o mundo, que mostra coisas lindas, lugares, situações,
pensamentos e coisas que a gente nem imaginava que existia. Ajudou-me
emocionalmente e a compreender o mundo. Sou uma pessoa mais completa por conta
do cinema”, conclui.
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