sábado, 23 de dezembro de 2017

Na vida como no cinema

 Eliud Silva Gonçalves: "Uma das alegrias do projecionista 
é ver uma fila comprida no cinema"

Último trabalho de Eliud Silva Gonçalves foi como projecionista 
do Cine Com -Tour, onde ficou desde 2007

Derle de Oliveira: outro projecionista que aprendeu
 a técnica de passar filmes em películas.
Fotos: Anderson Coelho.

Na vida como no cinema

Por Marian Trigueiros, da Reportagem Local

Eliud Silva Gonçalves é o último projecionista de filmes de películas em Londrina; ele repete, em nível local, a história de ‘Cinema Paradiso’

No filme "Cinema Paradiso", escrito e dirigido pelo italiano Giuseppe Tornatore, em 1988, o personagem Salvatore Di Vita, já um renomado cineasta, lembra da infância vivida em sua pequena cidade natal, na Itália. A história mostra a amizade construída com Alfredo, o projecionista do cinema, que fez o menino 'Toto' se encantar pela sétima arte. Nessa época, em meados da década de 40, o cinema era o refúgio do garoto para onde ele ia, sempre que possível, acompanhar as projeções atrás das cortinas e se encantar com as novidades das técnicas cinematográficas. Muitos anos depois, ao saber da morte do amigo, volta à cidade para ver de perto o local e sua própria história. Além da relação entre os dois, o filme destaca a beleza do cinema. "Cinema Paradiso" conquistou o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1990, o Globo de Ouro e o Festival de Cannes.

Se é verdade que a arte imita a vida, também é possível dizer que, muitas vezes, a vida imita a arte. Nos idos da década de 60, na cidade de Sertaneja (Norte do Paraná), assim como Toto, Eliud Silva Gonçalves, ainda bem menino, teve seu primeiro contato com projeções do cinema. Atrás das máquinas estava Seu Francisco (o Chicote), pai de Eliud e projecionista da pequena sala da cidade. "Naquele tempo, o cinema funcionava apenas aos sábados e domingos. A diversão dos meus fins de semana era ficar vendo meu pai colar as pontas dos filmes com acetona para, então, montar e exibir aos moradores. Foi assim que aprendi a técnica e me encantei", conta, lembrando que, nesta época, antes dos filmes, era comum os cinemas exibirem trechos de telejornais e reprises de jogos de futebol. "Não havia TV 'ao vivo', tudo era gravado. Muito engraçado pensar nisso hoje".

Em plena era digital, fica difícil mesmo imaginar como era o processo de "colar e montar o filme" que, até bem pouco tempo atrás, Eliud realizava quase que diariamente. Ele é o último projecionista de película de cinema em Londrina e há dois meses deixou o ofício devido à paralisação das atividades do Cine Com-Tour/UEL. A suspensão das exibições é porque, no local, há apenas um projetor analógico e, atualmente, as distribuidoras de filmes não produzem mais lançamentos em película 35 mm, apenas em formato digital. "Estou com 57 anos de idade e quase trinta deles dedicados ao cinema. Ao mesmo tempo em que fico triste e saudosista com o fim dos filmes em película, também estou ansioso pelo novo e por aprender uma outra técnica. Não vejo a hora de voltar a exibir, mas agora, os filmes digitais, principalmente os em 3-D. E não vou precisar rebobinar o filme, coisa que as crianças nem têm ideia do que seja, brinca.

História

Na vida de Eliud, o que era diversão virou profissão. E ele começou cedo. "Depois de aprender com meu pai, a vida profissional começou com quinze anos, quando vim para estudar em Londrina. Fui procurar emprego e me candidatei a uma vaga no antigo Cine Vila Rica. Lembro-me de ter dito: sei montar e passar filme. Deu certo, fui contratado", ri. Lá ficou durante três anos, até completar 18 anos e, então, ingressar na PM (Polícia Militar). "Haviam duas máquinas grandes, diferentes do cinema em que meu pai cuidava. Então, precisei aprender a manusear". Apesar do período curto, este foi essencial e determinante em sua vida. "Eu adorava trabalhar no cinema, que estava sempre lotado de gente. As pessoas realmente se emocionavam e aplaudiam ao final da exibição. Era mágico. São várias cenas da vida real e dos filmes gravadas em minha memória".

Como todo adolescente ávido por novidades, com Eliud não era diferente: trabalhar em um dos maiores cinemas da região era uma diversão. Além de duas salas de exibição, Eliud lembra que o cinema tinha espaços reservados aos funcionários, como cozinha, banheiro e sala. "Eu morava numa pensão e teve uma época em que saí de lá para 'morar' um tempo no cinema. Acordava praticamente já na sala de exibição". Terminado o Ensino Médio, antigo colegial, começou a trabalhar em tempo integral. Eram várias sessões, incluindo da meia noite. "Teve uma semana que exibi uma atrás da outra que fiquei sem ver o sol por dias. Descia só para comer um cachorro quente do carrinho", lembra. Apesar da correria, o tempo que passava na cabine de projeção garantiu boas risadas. "No fundo da sala era onde o clima esquentava entre os namorados. Já os da frente eram da bagunça. Mas sempre tinha um lanterninha para acabar com a festa", recorda.

O recomeço

Depois de ingressar na PM, onde ficou por alguns anos até sofrer um acidente e ser afastado da corporação, Eliud passou em um novo concurso para ingressar na equipe de técnicos do Cine Teatro Ouro Verde, no início da década de 90. "Foi quando recomecei o meu ofício de sempre". O local, que foi cedido à UEL (Universidade Estadual de Londrina) na década de 70, conta ele, já tinha o perfil menos comercial, exibindo mais filmes independentes. "O Carlos Eduardo Lourenço Jorge sempre teve uma preocupação grande em trazer bons filmes fora do circuito comercial; abri meus horizontes com ele. Hoje, meus filmes preferidos são os europeus, principalmente da região Leste do continente, e, também, do Sudeste asiático, como os iranianos. Tem muita coisa boa além dos Estados Unidos, mas sei que não é a preferência da maioria", diz, relembrando que, nos últimos tempos, chegou a exibir sessões no Cine Com-Tour para duas pessoas na plateia. "Uma das maiores alegrias de um projecionista é ver uma fila comprida".

Conhecimento

Ele, que, desde 2007 – quando as sessões passaram a ser exibidas no Com-Tour - está na expectativa de um novo projetor digital. No entanto, não hesitou em passar os conhecimentos aos amigos de trabalho, como Derle de Oliveira, técnico do Ouro Verde. "Quando o teatro pegou fogo, em 2012, alguns deles ficaram aqui no Com-Tour. Ensinei para eles todas as técnicas de como passar e montar um filme de película. Não repassei aos meus filhos, que seguiram outras carreiras, mas ensinei alguns amigos pela vida". Agora, na possibilidade de voltar a trabalhar no Cine Vila Rica (a contratação do local ainda depende do término das reformas e autorização do Corpo de Bombeiros, bem como a compra do equipamento), ele aguarda o novo tempo da era digital, enquanto trabalha na Divisão de Artes Cênicas da UEL na iluminação e som. "Eu também gosto de teatro, é bem dinâmico. Mas nada como uma projeção na tela grande do cinema. Enquanto o novo projetor não chega, eu sigo 'viajando' nas histórias".

Texto e imagens reproduzidos do site: folhadelondrina.com.br

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