sexta-feira, 13 de outubro de 2023

A voz do cinema

Publicação compartilhada do site CINEMAESCRITO, de 27 de dezembro de 2013

A voz do cinema

Reportagem (2006): Ivan Soares, trajetória

Por Luiz Joaquim 

Leitura Zen

Todos gostam de falar sobre cinema. Mas muito poucos têm o que dizer com propriedade sobre o assunto. Pernambuco ficou um pouco pobre neste aspecto, quando, nesta quarta-feira de natal (25/12/2013) se foi Ivan Soares, aos 81 anos.

Tive a oportunidade de, em 2006, ficar por uma manhã inteira (e foi pouco) conversando com o radialista, crítico de cinema, a respeito de sua trajetória profissional e, sobretudo, sua paixão pelo cinema.

Ivan, sempre elegante e discreto, falava com aquela voz que emoldurou por tantas décadas o programa “Sétima Arte”. Marcado pela humildade, o senhor sério e concentrado e de memória impressionante, deixava claro que o mais importante naquilo tudo que ele construiu era mesmo o cinema.

Por alguma razão nunca postei esta reportagem no CinemaEscrito.

Ela foi originalmente publicada no jornal Folha de Pernambuco, em agosto de 2006.

Que vocês possam, com o texto abaixo, aproximar-se um pouco mais de Ivan Soares, como eu me aproximei há sete anos.

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01 de agosto de 2006

LUIZ JOAQUIM

São muito poucos os profissionais com autoridade para

dizer que estão a frente de um trabalho de reconhecida

importância há mais de 50 anos. Em se tratando de

radialismo, tais profissionais são mais raros ainda.

Em Pernambuco, Ivan Soares, 73 anos, criador, produtor

e locutor do programa “Sétima Arte”, levado ao ar pela

99.9 FM, a Rádio Universitária, é um desses

profissionais.

O programa – que hoje é transmitido semanalmente,

sempre aos sábados, às 14h30, com reprise no domingo

às 11h30 – acontece há impressionantes e ininterruptos

41 anos. Talvez seja um recorde em termos de programa

de cinema no rádio. Curioso é o desinteresse de outras

emissoras pelo tema – não só cultural mais também

lucrativo. Quando o assunto é cinema, o padrão nos

outros veículos é divulgar a programação semanal,

discutir os concorrentes do Oscar e, mais

recentemente, cobrir o Cine-PE.

A importância que Ivan Soares dá, e sempre deu, ao

assunto é a de um apaixonado e estudioso. A paixão

nasceu ainda em Caruaru – onde nasceu – e ia às

sessões para conferir os títulos de Hollywood. “Desde

de pequeno, ficava por ali após a sessões para pegar

as sobras de película, as quais guardava com carinho”,

recorda.

À medida em que crescia, procurava aprender mais

comprando os melhores periódicos da época, como a

revista “A Cena Muda” dos anos 1940/50. E com a

chegada de títulos europeus ao circuito pernambucano,

o que era um entretenimento passou também a ser objeto

para reflexão. “Lembro que saí atordoado da sessão de

Torturas de Uma Paixão (Hetz, 1944), de Alf

Sjörberg. Foi o primeiro roteiro de Ingmar Bergman”,

relembra com sua memória sentimental.

Na tentativa de prolongar a boa sensação que os filmes

lhe proporcionavam, Ivan costumava viajar ao Recife

para comprar discos de trilha sonora. Por esses anos,

quando já escrevia para o Jornal Vanguarda, no

Agreste, procurou a Rádio Difusora de Caruaru (onde em

breve irá funcionar o Shopping e Empresarial Difusora)

e apresentou o projeto para um programa sobre cinema.

Aprovado e levando o programa ao ar no domingo, às

12h30, antes das concorridas sessões da cidade, a

audiência era garantida.

Anos mais tarde, já trabalhando no Recife, voltaria a

Rádio Difusora à convite de Anastácio Rodrigues,

prefeito de Caruaru de então. Mas Ivan voltava como

curador de um mostra de filmes franceses. “No mesmo

auditório da rádio, também funcionava um cinema. Eles

baixavam uma tela e se podia projetar filmes em 16mm.

A mostra repercutiu bem. A programação foi muito

ousada, em particular a sessão de Hiroshima Mon

Amour (1959), de Alain Resnais”, conta.

NO RECIFE

Em julho de 1958, por sugestão de um amigo, Ivan veio

morar no Recife para trabalhar numa agência

publicitária. Foi quando também procurou a Rádio

Jornal do Commercio e lá criou o “Cine Fã” no qual já

veiculava notícias e trilhas sonoras de filmes. O

programa ia ao ar três vezes por semana. Com dez

minutos de duração, complementava o “Cinelândia”, o

programa titular sobre o assunto na emissora. “Era

apresentado pelo José de Souza Alencar, o hoje

colunista Alex. Até que o gerente da rádio, Luís

Vieira, me convidou para assumir o Cinelândia, pois

o Alex ia migrar para a TV Jornal”, rememora. “Era um

sucesso. Alcançávamos toda o Grande Recife falando

sobre cinema”.

Ali, trabalhou por quatro anos. Daquele período,

relembra de entrevistas históricas com Anselmo Duarte,

“muito badalado na época por conta do prêmio de O

Pagador de Promessas (1962) em Cannes”, e com Nelson

Pereira dos Santos, “a quem fui pessoalmente trazer de

seu hotel até à rádio”.

Tímido, o radialista lembra de seu medo do microfone

no início, quando preparava todo o roteiro do programa

para um repórter gravar. Aos poucos o medo deu lugar a

uma coragem profissional de não só noticiar sobre

cinema mas também de compor criticas e crônicas

valorativas que marcaram época. E não só na rádio.

Ivan acumulava funções também como crítico, primeiro

com uma coluna dominical sobre cinema e teatro no

jornal “Diário da Noite” e depois, colaborando com

Fernando Spencer no “Diário de Pernambuco”, quando

fazia uma retrospectiva do mês.

Eram anos agitados e, junto aos amigos Spencer e Celso

Marconi (o então crítico do Jornal do Commercio), Ivan

foi o responsável por sessões de arte do extinto Cine

Coliseu, em Casa Amarela, um dos maiores cinemas de

bairro do Recife. “Marcou época, mas chegou um momento

em que as distribuidoras começaram a nos boicotar as

fitas e passamos a fazer mostras temáticas com cópias

de cinematecas”.

Ivan ainda chegou a acumular uma função na Empresa de

Turismo de Pernambuco – Empetur. Entre várias

colaborações para o acervo cultura da instituição, o

jornalista lembra da entrevista que fez com Alberto

Cavalcanti (1897-1982). Ainda nos anos 1960, procurou

aprimorar o conhecimento sobre publicidade indo fazer

um curso na Universidade Federal de Pernambuco, além

de ter cursado aulas de teatro na Escola de Belas

Artes.

Além de jornalista, radialista, publicitário, Ivan

estava para iniciar uma carreira atuando nos palcos.

Por meio de Hermílo Borba Filho, trabalhou no Teatro

Popular do Nordeste (TPN), quando lembra de duas peças

com carinho: “Galileu, Galilei”, de Bertolt Brecht, e

“A Resistência”, de Maria Adelaide Antunes.

QUATRO DÉCADAS NO AR

Ivan Soares transitava por vários meios de expressão,

mas sua primeira paixão continuava sendo o cinema. Foi

uma questão de (pouco) tempo até voltar ao radio.

Aconteceu quando Edmir Regis, diretor da Rádio

Universitária AM nos anos 1960, procurou Ivan para

tocar o programa “Sétima Arte”. A sede da emissora

ainda funcionava na rua do Hospício, e o radialista

já imprimiu um ritmo dinâmico ao programa.

Além de críticas, entrevistas e informativos Ivan

promovia algumas coberturas exclusivas, como as que

fez nos anos 1980, das edições 2 a 5 do internacional

FestRio – hoje Festival do Rio, o maior da América

Latina. O ritmo do programa era pontuado por trilhas

sonoras saídas de sua coleção particular. Coleção que

começou a formar ainda na adolescência em Caruaru,

quando viajava ao Recife para comprar discos.

Já adulto, as viagens eram para a Europa, para onde

foi por quatro vezes. “Lá, assisti os filmes que eram

proibidos no Brasil pela ditadura como -Z- (1969), de

Costa-Gavras, que vi na Alemanha; e O Último Tango em

Paris (1972), de Bertolucci, que vi em Londres”. As

viagens também serviam para abastecer a discoteca de

Ivan com discos raros, com os quais ele agraciava seus

ouvintes reproduzindo-os no programa; assim como

também abastecia o Recife, em primeira mão, com

novidades cinematográficas da Europa.

Para a pergunta se sua discoteca de trilha sonora é a

maior da cidade, Ivan, com sincera despretensão

responde: “Acho que não, tem muito fanático espalhado

por aí”. Hoje, o crítico lamenta não poder frequentar

os cinemas com a mesma assiduidade de antes. “Tenho

essa dívida hoje com meus ouvintes”, lamenta. Mas nem

por isso o “Sétimo Arte” é um programa fora de seu

tempo. No sábado 22, por exemplo, o programa foi

dedicado à memória de Raul Cortez, no qual Ivan

apresentava a bela trilha sonora de “Lavoura Arcaica”,

de Luiz Fernando Carvalho.

Nos últimos anos, a voz que era comum nas ondas do

rádio, pôde ser ouvida nas salas de cinema, em várias

partes do mundo, através do curta-metragem “Vinil

Verde”, de Kleber Mendonça Filho, no qual Ivan faz a

narração e empresta alma e dignidade no ato de contar

uma história.

Texto e imagem reproduzidos do site: cinemaescrito com

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