Matéria do Jornal Diário de São Paulo de 1º de março de 2004
Zagati - Uma declaração de amor ao cinema.
Por Luciana Ackermann.
Por Luciana Ackermann.
Ex-catador de
papel construiu com as próprias mãos sala para a exibição de filmes na
periferia de Taboão da Serra. Sessões e pipocas são gratuitas Foi em uma rua de
terra na periferia de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, que o ex-catador de
papel José Luiz Zagati, de 53 anos, ergueu com as próprias mãos o MiniCine
Tupy. O nome é uma homenagem ao Cine Tupy, no centro da cidade, que fechou há
cerca de 30 anos. Em um local humilde e sem o conforto das atuais salas
multiplex dos shoppings centers, Zagati promove sessões todos os domingos, com
direito até a sacos de pipoca. Tudo é de graça. Ontem foi exibido o filme
brasileiro "Cidade de Deus", que disputava o Oscar em quatro
categorias. A sala é de tijolos aparentes, o piso, de cimento, e a tela é uma
lona branca, encontrada nas andanças de Zagati como catador. São 53 lugares. Há
poltronas antigas e cadeiras de plástico, todas doadas por pessoas que admiram
o trabalho do projecionista. Nas paredes, cartazes de filmes. Para decorar a
parte externa do MiniCine Tupy " que fica na Rua Andradina, 29 ",
Zagati contratou um letrista, que desenhou estrelas amarelas com nomes de
astros como Frank Sinatra, Mazzaropi, Lima Duarte e Stênio Garcia. Em dezembro,
Zagati festejou a colocação da última telha para cobrir o espaço. "Fiz uma
festa de inauguração com palhaços, pipoca e cachorro-quente. Agora tem filme
mesmo com chuva", diz ele. Primeiro projetor A trajetória até o MiniCine
não foi muito fácil: "É o trabalho de uma vida. Deus me deu a incumbência
de levar a cultura para a periferia. Sempre sonhei em fazer as projeções".
Em 1998, Zagati conseguiu comprar seu primeiro projetor: ele tinha R$ 30
guardados e ganhou mais R$ 50 de presente de aniversário do filho. As
apresentações aconteciam em ruas da periferia de Taboão. Enquanto catava papelão,
perguntava se as pessoas gostariam de assistir a um filme. Mais tarde, Zagati
então voltava ao local, esticava um lençol, pegava emprestada uma tomada de
luz, cadeiras e iniciava a sessão. Pai de nove filhos, ele contou que é
fascinado pela sétima arte desde os cinco anos, quando entrou em um cinema pela
primeira vez, em Guariba, Interior de São Paulo. "Lembro como se fosse
hoje. Minha irmã mais velha me levou no colo, vi aquele foco de luz, ouvi o
"trrrrr" do projetor e fiquei encantado. Era um bangue-bangue. Foi
maravilhoso." Ainda criança, Zagati mudou-se com a família para Taboão.
Ele conta que, enquanto o pai bebericava na padaria, ficava deslumbrado na
porta do Cine Tupy. "Só fui assistir a um filme lá depois dos 10 anos. Aí
passei a ir todos os sábados. Conseguia dinheiro enchendo caixa d"água das
vizinhas. Eu mesmo passava a roupa para ir às sessões. Andava uns 6 km."
Zagati ganhou boa parte dos 30 filmes que possui da Associação de
Colecionadores de Filmes de 16mm. Todos têm mais de 20 anos. O astro caipira
Mazzaropi está entre os campeões de audiência. Os filmes mais novos são
exibidos em vídeo, como aconteceu com "Cidade de Deus". Ele tem hoje
cerca de 20 fitas, mas, atendendo a pedidos, às vezes recorre às locadoras. O
cinéfilo recebe apoio da Secretaria Estadual da Cultura, de quem recebe como
promotor de eventos. Mas o dinheiro é pouco " menos de R$ 500 por mês. Por
isso, sua mulher ainda trabalha como catadora para ajudar no sustento da
família. Ex-catador ganhou prêmio A vida de José Luiz Zagati é tema de dois
documentários de curta-metragem: "MiniCine Tupy", de Sérgio Block, e
"Zagati", de Edu Felistoque e Nereu Cerdeira. Os dois trabalhos
narram o cotidiano do projecionista e mostram seu carinho e sua paixão pela
sétima arte. Os curtas foram premiados e participaram de diversos festivais. O
próprio Zagati já ganhou um prêmio muito especial " um Kikito no Festival
de Gramado, como "personalidade do cinema". Os diretores Felistoque e
Cerdeira planejam para o ano que vem um longa-metragem sobre Zagati "
seria uma ficção, mas baseada na vida do ex-catador de papelão. O projeto já
está concluído e foi inscrito no concurso da Petrobras e no programa de
incentivo do Ministério da Cultura. "Zagati é um brasileiro sofrido que
correu atrás do seu sonho. É o 'Cinema Paradiso' tupiniquim", comenta
Cerdeira. Exemplo Para Block, que fez o "MiniCine Tupy", a história
de Zagati é um exemplo. Ele descobriu o ex-catador quando fazia uma pesquisa
para um filme sobre pessoas que produzem coisas a partir do lixo. O curta foi
rodado em quatro dias. Eu não via um filme há 20 anos", diz espectador
Crianças, adolescentes e adultos da periferia de Taboão da Serra deslumbram-se
com a iniciativa de José Luiz Zagati. Alguns nunca estiveram nas grandes e
modernas salas de cinema. O serralheiro Givaldo da Silva, de 44 anos, por
exemplo, disse que fazia mais de 20 anos que não assistia a um filme na telona.
"Aqui todo mundo gosta. Nunca tinha assistido a um filme do Mazzaropi e do
Charles Chaplin, que são maravilhosos", diz ele. Para Silva, a prefeitura
de Taboão " além do Governo estadual " deveria oferecer algum tipo de
apoio ao ex-catador, porque considera que Zagati faz um trabalho importante
para a comunidade local. Valter da Cruz Souza, de 6 anos, contou que o único
cinema que conhece é o MiniCine Tupy. "Sempre que tem desenho eu venho. É
muito legal. Fica cheio de crianças e a gente ainda ganha pipoca", conta.
Gustavo Gomes de Oliveira, de 5 anos, também não conhece outra sala além do
MiniCine Tupy. "Gosto porque ele passa um monte de desenho. Assisti o
filme do Nemo ('Procurando Nemo') lá", lembra o menino. Para o marceneiro
Eroilton Novais de Sousa, de 38 anos, muitos moradores da região não têm
condições financeiras de levar os filhos ao cinema " por isso o trabalho
de Zagati é elogiável. "Toda vez que meus filhos escutam o barulho do
projetor já pedem para que eu os leve ao minicine, mas nem sempre dá
tempo", lamenta. O estudante Lucas Rocha França, de 12 anos, disse que
passou a gostar mais de cinema a partir das projeções de Zagati. "Só tinha
ido duas vezes ao cinema, e já faz muito tempo", afirma o adolescente.
Saiba mais Fita italiana rendeu o Oscar Em 1989, "Cinema Paradiso",
do italiano Giuseppe Tornatore, recebeu o Oscar de melhor filme estrangeiro. A
película retrata a paixão do garoto Salvatore, conhecido como Totó, pela sétima
arte. O garoto também guardava pedaços de películas " assim como Zagati. A
história, ambientada numa pequena cidade da Sicília, se passa no final do anos
1940, após a Segunda Guerra. Totó torna-se amigo do projecionista Alfredo e
descobre a magia do filmes, as histórias de aventuras e de amor. A infância e a
adolescência de Totó se desenvolvem como se estivesse em um cinema. Salvatore
muda-se para Roma, torna-se um famoso produtor e cineasta e, ao saber da morte
de seu amigo, retorna à cidade natal para render-lhe a última homenagem. Então,
recorda-se dos mágicos anos de seu passado.
Texto reproduzido do site: zagati.jex.com.br
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