segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Zagati - Uma declaração de amor ao cinema


Matéria do Jornal Diário de São Paulo de 1º de março de 2004 

Zagati - Uma declaração de amor ao cinema.
Por Luciana Ackermann.

Ex-catador de papel construiu com as próprias mãos sala para a exibição de filmes na periferia de Taboão da Serra. Sessões e pipocas são gratuitas Foi em uma rua de terra na periferia de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, que o ex-catador de papel José Luiz Zagati, de 53 anos, ergueu com as próprias mãos o MiniCine Tupy. O nome é uma homenagem ao Cine Tupy, no centro da cidade, que fechou há cerca de 30 anos. Em um local humilde e sem o conforto das atuais salas multiplex dos shoppings centers, Zagati promove sessões todos os domingos, com direito até a sacos de pipoca. Tudo é de graça. Ontem foi exibido o filme brasileiro "Cidade de Deus", que disputava o Oscar em quatro categorias. A sala é de tijolos aparentes, o piso, de cimento, e a tela é uma lona branca, encontrada nas andanças de Zagati como catador. São 53 lugares. Há poltronas antigas e cadeiras de plástico, todas doadas por pessoas que admiram o trabalho do projecionista. Nas paredes, cartazes de filmes. Para decorar a parte externa do MiniCine Tupy " que fica na Rua Andradina, 29 ", Zagati contratou um letrista, que desenhou estrelas amarelas com nomes de astros como Frank Sinatra, Mazzaropi, Lima Duarte e Stênio Garcia. Em dezembro, Zagati festejou a colocação da última telha para cobrir o espaço. "Fiz uma festa de inauguração com palhaços, pipoca e cachorro-quente. Agora tem filme mesmo com chuva", diz ele. Primeiro projetor A trajetória até o MiniCine não foi muito fácil: "É o trabalho de uma vida. Deus me deu a incumbência de levar a cultura para a periferia. Sempre sonhei em fazer as projeções". Em 1998, Zagati conseguiu comprar seu primeiro projetor: ele tinha R$ 30 guardados e ganhou mais R$ 50 de presente de aniversário do filho. As apresentações aconteciam em ruas da periferia de Taboão. Enquanto catava papelão, perguntava se as pessoas gostariam de assistir a um filme. Mais tarde, Zagati então voltava ao local, esticava um lençol, pegava emprestada uma tomada de luz, cadeiras e iniciava a sessão. Pai de nove filhos, ele contou que é fascinado pela sétima arte desde os cinco anos, quando entrou em um cinema pela primeira vez, em Guariba, Interior de São Paulo. "Lembro como se fosse hoje. Minha irmã mais velha me levou no colo, vi aquele foco de luz, ouvi o "trrrrr" do projetor e fiquei encantado. Era um bangue-bangue. Foi maravilhoso." Ainda criança, Zagati mudou-se com a família para Taboão. Ele conta que, enquanto o pai bebericava na padaria, ficava deslumbrado na porta do Cine Tupy. "Só fui assistir a um filme lá depois dos 10 anos. Aí passei a ir todos os sábados. Conseguia dinheiro enchendo caixa d"água das vizinhas. Eu mesmo passava a roupa para ir às sessões. Andava uns 6 km." Zagati ganhou boa parte dos 30 filmes que possui da Associação de Colecionadores de Filmes de 16mm. Todos têm mais de 20 anos. O astro caipira Mazzaropi está entre os campeões de audiência. Os filmes mais novos são exibidos em vídeo, como aconteceu com "Cidade de Deus". Ele tem hoje cerca de 20 fitas, mas, atendendo a pedidos, às vezes recorre às locadoras. O cinéfilo recebe apoio da Secretaria Estadual da Cultura, de quem recebe como promotor de eventos. Mas o dinheiro é pouco " menos de R$ 500 por mês. Por isso, sua mulher ainda trabalha como catadora para ajudar no sustento da família. Ex-catador ganhou prêmio A vida de José Luiz Zagati é tema de dois documentários de curta-metragem: "MiniCine Tupy", de Sérgio Block, e "Zagati", de Edu Felistoque e Nereu Cerdeira. Os dois trabalhos narram o cotidiano do projecionista e mostram seu carinho e sua paixão pela sétima arte. Os curtas foram premiados e participaram de diversos festivais. O próprio Zagati já ganhou um prêmio muito especial " um Kikito no Festival de Gramado, como "personalidade do cinema". Os diretores Felistoque e Cerdeira planejam para o ano que vem um longa-metragem sobre Zagati " seria uma ficção, mas baseada na vida do ex-catador de papelão. O projeto já está concluído e foi inscrito no concurso da Petrobras e no programa de incentivo do Ministério da Cultura. "Zagati é um brasileiro sofrido que correu atrás do seu sonho. É o 'Cinema Paradiso' tupiniquim", comenta Cerdeira. Exemplo Para Block, que fez o "MiniCine Tupy", a história de Zagati é um exemplo. Ele descobriu o ex-catador quando fazia uma pesquisa para um filme sobre pessoas que produzem coisas a partir do lixo. O curta foi rodado em quatro dias. Eu não via um filme há 20 anos", diz espectador Crianças, adolescentes e adultos da periferia de Taboão da Serra deslumbram-se com a iniciativa de José Luiz Zagati. Alguns nunca estiveram nas grandes e modernas salas de cinema. O serralheiro Givaldo da Silva, de 44 anos, por exemplo, disse que fazia mais de 20 anos que não assistia a um filme na telona. "Aqui todo mundo gosta. Nunca tinha assistido a um filme do Mazzaropi e do Charles Chaplin, que são maravilhosos", diz ele. Para Silva, a prefeitura de Taboão " além do Governo estadual " deveria oferecer algum tipo de apoio ao ex-catador, porque considera que Zagati faz um trabalho importante para a comunidade local. Valter da Cruz Souza, de 6 anos, contou que o único cinema que conhece é o MiniCine Tupy. "Sempre que tem desenho eu venho. É muito legal. Fica cheio de crianças e a gente ainda ganha pipoca", conta. Gustavo Gomes de Oliveira, de 5 anos, também não conhece outra sala além do MiniCine Tupy. "Gosto porque ele passa um monte de desenho. Assisti o filme do Nemo ('Procurando Nemo') lá", lembra o menino. Para o marceneiro Eroilton Novais de Sousa, de 38 anos, muitos moradores da região não têm condições financeiras de levar os filhos ao cinema " por isso o trabalho de Zagati é elogiável. "Toda vez que meus filhos escutam o barulho do projetor já pedem para que eu os leve ao minicine, mas nem sempre dá tempo", lamenta. O estudante Lucas Rocha França, de 12 anos, disse que passou a gostar mais de cinema a partir das projeções de Zagati. "Só tinha ido duas vezes ao cinema, e já faz muito tempo", afirma o adolescente. Saiba mais Fita italiana rendeu o Oscar Em 1989, "Cinema Paradiso", do italiano Giuseppe Tornatore, recebeu o Oscar de melhor filme estrangeiro. A película retrata a paixão do garoto Salvatore, conhecido como Totó, pela sétima arte. O garoto também guardava pedaços de películas " assim como Zagati. A história, ambientada numa pequena cidade da Sicília, se passa no final do anos 1940, após a Segunda Guerra. Totó torna-se amigo do projecionista Alfredo e descobre a magia do filmes, as histórias de aventuras e de amor. A infância e a adolescência de Totó se desenvolvem como se estivesse em um cinema. Salvatore muda-se para Roma, torna-se um famoso produtor e cineasta e, ao saber da morte de seu amigo, retorna à cidade natal para render-lhe a última homenagem. Então, recorda-se dos mágicos anos de seu passado.

Texto reproduzido do site: zagati.jex.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário