Fotos simplesmente ilustrativas, postadas pelo blog Máquina de CINEMA.
Blog Máquina de CINEMA - Post com registro de uma época.
Publicado originalmente no site JCnet, em 16/03/2014.
Digitalização ameaça os pequenos cinemas
Por Bruna Dias
No Brasil existem atualmente 2.530 salas de cinema, sendo
750 dessas atualizadas com projeção digital segundo a Agência Nacional do
Cinema (Ancine), do Ministério da Cultura. De acordo com a lei 12.599, de 23 de
março de 2012, que institui o Programa Cinema Perto de Você, a expectativa é
que até o fim de 2014 todas as salas de cinema sejam digitais. Quem não aderir
a nova tecnologia só exibirá antigos filmes de película 35 milímetros, já que
os novos não estão mais sendo produzidos desta maneira.
Na região de Bauru possuem cinemas municipais e
independentes as cidades: Lençóis Paulista (43 quilômetros de Bauru), São
Manuel (72 quilômetros de Bauru), Jaú (47 quilômetros de Bauru), Bariri (56
quilômetros de Bauru), Dois Córregos (73 quilômetros de Bauru) e Santa Cruz do
Rio Pardo (90 quilômetros de Bauru).
Esses cinemas, principalmente os independentes como o Cine
Belluzzo, de Bariri, estão vivendo a história de um filme referência da “sétima
arte” que traz o fim de uma famosa sala italiana, o Cinema Paradiso. O longa
conta sobre a vida de um garotinho que cresceu dentro do cinema e depois de
aprender a profissão de projecionista ficou famoso, mas viu o fim do Cinema
Paradiso, por falta de investimento e público.
Fala-se em “the end” para os pequenos cinemas porque os
equipamentos principais para essa transição digital custam, entre R$ 100 mil e
R$ 250 mil. No entanto, não é preciso apenas comprar outro projetor, toda a
estrutura de som deve ser adaptada. Extraoficialmente o JC apurou que pode ser
um investimento de até R$ 1 milhão.
Extinção
De acordo com a Ancine, a criação do Programa Cinema Perto
de Você veio de encontro com uma necessidade mundial. As grandes produtoras
internacionais já estão parando de fazer cópias em película de 35 milímetros e
enviando apenas réplicas digitais. Os cinemas que possuem o equipamento exibem
o filme, e os que não têm ficam atrasados à espera da “sobra” de uma película.
Para auxiliar os pequenos cinemas e tentar evitar o
fechamento de suas portas, a agência disponibilizou o Recine (desoneração
tributária) e um financiamento no Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).
Cineastras e operadores cinematográficos vivem a transição
em meio a tristeza de perder o contato direto com o maquinário que faz parte de
vidas inteiras e com o público, que tende a sumir.
Cine de Bariri pode fechar suas portas
Quando falamos em cinemas de pequenas cidades, logo vem à
cabeça um prédio antigo, restaurado e material em deterioração. Mas essa não é
a realidade do Cine Belluzzo, de Bariri, localizado no Centro da cidade. A
história começou há 100 anos e hoje, totalmente reformado, o cinema se equipara
aos grandes da região. No entanto, a digitalização está colocando em risco a
bela história de amor à sétima arte.
O Cine Belluzzo foi criado por Jacinto Belluzzo, bisavô de
Orlando Belluzzo Neto, que é casado com Rosângela Belluzzo a atual proprietária
do belo cinema. No início, o espaço chamava-se Cine Teatro Carlos Gomes, onde
também aconteciam bailes que movimentavam toda a cidade.
Por décadas, este cinema de Bariri foi referência na região.
“Eu cresci dentro do cinema, criado pelo meu bisavô, Jacinto Belluzzo, que
depois passou a ser do meu avô Orlando Belluzzo. O meu avô adoeceu e quem
assumiu depois foi o meu pai, Orlando Kronka Belluzzo. Eu assumi o cinema com
16 anos, estudei jornalismo. É a minha paixão”, contou Orlando Belluzzo Neto,
que também é dono de duas emissoras de rádio na cidade.
Nesta primeira fase, o Cine Teatro Carlos Gomes tinha uma
capacidade para 1.000 lugares e público para ocupar todas essas cadeiras.
Chegou a passar por uma reforma, mas acabou fechando.
A 12 anos, Neto resolveu reabrir o cinema com o nome Cine
Belluzzo. Em 2009, foram investidos quase R$ 200 mil para uma nova modificação.
O filme de inauguração foi o lançamento “Homem Aranha 2”: sucesso total de
público.
O Cine Belluzzo não “perde” em nada para os grandes da
região. Tudo está novo como no primeiro dia da sua última reinauguração:
poltronas vermelhas almofadadas com porta-copos, carpete novo e bilheteria com
muitas guloseimas.
História
A única coisa que é antiga no Cine Belluzzo, além de sua
bela e emocionante história, é o projetor a carvão, que tem 100 anos e
atualmente foi adaptado para exibir as películas 35 milímetros atuais.
“Quando nós reinauguramos, o Cine Belluzzo tinha 147
lugares, com a troca das poltronas passou para 129. Nós, do cinema de rua,
praça pequena, temos muita dificuldade com as distribuidoras porque as praças
maiores têm preferência. Nós conseguimos as cópias depois de 20 dias de
lançamento. Se quisermos lançar o filme, o custo é a partir de R$ 10 mil. Este
valor está subindo a cada ano, e está muito difícil para nós”, explicou
Rosângela com olhar de tristeza.
A proprietária do Cine Belluzzo justifica ainda que, quando
o filme é lançamento, exemplo a trilogia “Crepúsculo”, “Lua Nova” e
“Amanhecer”, geralmente o público dá preferência para os cinemas maiores, que
acabam fazendo o lançamento antes dos pequenos.
“Além disso temos a concorrência com a pirataria, o DVD, a
Internet. Não está fácil. Eu pedi um orçamento. Hoje, a digitalização fica
entre R$ 126 mil e R$ 226 mil. Com nossa realidade atual, não dá para
digitalizar, porque eu não sei o retorno que eu vou ter”.
Exigências
Atualmente, Rosângela
Belluzzo está entre o amor pelo cinema e as exigências das
distribuidoras das produtoras. “Por exemplo, em um lançamento, eles exigem uma
taxa alta, de cerca de R$ 10 mil, e ainda que o filme seja exibido durante três
semanas seguidas. Para os grandes cinemas, que têm várias salas isso é normal,
mas, para os pequenos, é difícil manter o público com um único filme durante
três semanas. Quando eu for pegar outro lançamento, já perdi três ou quatro que
lançaram junto a este, na mesma semana. Então eu tenho perda de público porque
estarei sempre atrasada, porque tenho uma sala só. Como vou assumir um
financiamento sem saber se conseguirei pagar parcelas altíssimas? É triste
termos que fechar, mas a realidade hoje é essa”, desabafou.
Com o fechamento do Cine Belluzzo, uma história de 100 anos
se encerraria. A família também perderia dois funcionários do cinema, o
projetista e uma faxineira.
Independente
O município de São Manuel também conta com um cinema
municipal, o Cine Teatro. Criado há 12 anos, o espaço conta com uma sala de 125
lugares e transmite filmes lançamentos e atuais para o público de São Manuel e
região. O responsável pela sala do Cine Teatro, Fabrício Casquel Gil, 30 anos,
conta que o cinema atua ainda com película 35 milímetros e ainda está estudando
a viabilidade da digitalização. “Nós ainda estamos estudando se vamos
digitalizar ou não. Ainda não há uma definição sobre isso”.
Bocaina está com cine fechado
No início de 1950 negociantes e fazendeiros, frequentadores
do antigo Clube União, em Bocaina, tiveram a ideia de construir um novo cinema
para a cidade, com plateia maior, mais arejada, confortável, novos aparelhos,
com técnicas modernas, tudo diferente daquele que já existia.
O Cine Jequitibá foi vendido para a prefeitura, passou por
várias gestões, foi fechado e aberto duas vezes, mas não resistiu ao tempo.
Jaú já estuda a digitalização
O município de Jaú já decidiu pela digitalização e estuda o
processo, conforme explica o secretário de Cultura, Hamilton Chaves. O prazo
para licitação é até o mês de junho e a previsão de conclusão da obra para o
fim deste ano. A cidade também conta com salas de cinema particulares
localizadas em um shopping.
“Ainda estamos levantando os equipamentos necessários para
que possamos fazer um processo licitatório. Estamos aguardando as determinações
corretas da parte técnica, de quais equipamentos deveremos comprar, para então
iniciarmos o processo de licitação. Uma vez feito o processo, vamos adquirir o novo equipamento que possa
atender as novas mídias digitais”, disse Hamilton.
O projecionista Gilberto Justino dos Santos, 59 anos,
trabalha há 30 anos no cinema municipal de Jaú e já prestou serviços nas
cidades de Bocaina e Bariri. “Eu comecei em cinema com 9 anos, fazia cinema
mambembe no interior do nordeste, trabalhava com a película 16 milímetros. Tudo
isso em troca de abacaxi, jerimum, mandioca. Sou de Alagoas, Maceió e, com 14
anos, entrei na empresa cinematográfica Triunfo e lá aprendi tudo sobre cinema:
projetor, máquinas e também a parte burocrática. A minha vida toda girou em
torno disso”, contou.
O projecionista lamenta a atual situação do cinema e estima
que a sétima arte deve acabar em dez anos. “Acredito que daqui a 10 anos não
terá mais cinema. A tecnologia está cada vez mais avançada e muitas pessoas
preferem o aconchego do lar. Dos cinemas pequenos, ficam as histórias,
romances, amizades. É triste, mas é a realidade”, finalizou. Gilberto deve
aposentar-se em três anos.
Ancine vai dispor de financiamentos
É fato que a tecnologia está avançando para tudo e, como
presenciamos nas últimas décadas, muitos aparelhos eletrônicos mudaram, e
muito. Alguns exemplos são: o videocassete, as filmadoras (hoje perderam espaço
para os celulares), as câmeras fotográficas com filme. Com o cinema não poderia
ser diferente. Para que essa transição não seja tão “dolorosa” aos pequenos
cinemas, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) disponibiliza linhas de crédito
e isenção tributária.
A reportagem tentou entrevistar um porta-voz da Ancine
durante três dias, mas a solicitação não obteve sucesso. Isso porque todos os
representantes de cinemas entrevistados afirmaram não conhecer os programas da
agência. A Ancine alega que tem planos de ajudar os pequenos cinemas, que
representam a maioria das 1.780 salas ainda não digitalizadas no país.
Conforme apurado pelo JC em um projeto da Ancine disponível
na web, para a agência, a digitalização proporcionaria um aumento expressivo
das receitas desses cinemas, já que “a projeção digital permite mais filmes,
mais cinemas, mais expectadores”.
Custo-benefício
Segundo a Ancine, deste total de salas não-digitais, entre
500 e 600 não conseguem cópias no lançamento. Isso acontece porque, como foi
relatado pelos entrevistados, as distribuidoras cobram taxas altas a partir de
R$ 10 mil.
Para tentar evitar o processo “doloroso” disponibilizou duas
possibilidades de auxílio: o Recine e o financiamento do Banco Nacional do
Desenvolvimento. O Recine suspende a exigência de todos os tributos federais
incidentes na importação ou no comércio interno de equipamentos. Já para o
financiamento no BNDES estão disponíveis R$ 140 milhões em crédito.
Ponto MIS
Lençóis Paulista e Dois Córregos também possuem cinemas
municipais, mas estes são parceiros do Museu da Imagem e do Som através do
programa Ponto MIS, que cede os filmes.
O secretário da Cultura de Lençóis Paulista, Nilseo
Bernardo, explica que a cidade ainda não pensa na digitalização.
Chico Telles, morador de Dois Córregos e dono do cinema do
Centro Cultural Nilson Prado Telles, existente há 100 anos, lamenta a digitalização.
“O cinema é da minha família. As cópias em 35 milímetros estão acabando. A
solução é ter um projetor digital comum, como já tem no nosso cinema, esperar
sair em DVD e exibir os filmes mais antigos. A situação já não estava muito
fácil, porque o aluguel da película era R$ 1 mil. Nós fazemos parte do Ponto
MIS, que fornece filmes, então dá para continuar a atividade do cinema”,
finaliza.
Texto reproduzido do site: jcnet.com.br
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