Foto de Francisco Ucha.
“No universo de imaginação que construí na infância, o cinema
tornou-se uma âncora para minha vida”
Um dos mais prestigiados críticos cinematográficos do País,
Rubens fala sobre seus quarenta anos de carreira*, jornalismo, cinema, e também
sobre outra paixão: a literatura.
Entrevista concedida a Francisco Ucha.
Publicada originalmente no Jornal da ABI 341, de maio de 2009
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Como foi sua infância e como surgiu sua paixão pelo cinema?
Rubens Ewald Filho – Venho de uma família razoavelmente
abastada de Santos, litoral paulista. Lá, éramos fazendeiros e, entre outras
coisas, cultivávamos banana. Porém, na década de 1970 houve muitas enchentes.
Dois anos seguidos de muitos prejuízos foram suficientes para perder tudo o que
tínhamos. Minha família era rica, mas eu não sabia, pois tudo era muito
controlado em casa, eles eram bastante austeros. A ironia é que meus pais não
aceitavam que eu trabalhasse com cinema e, de repente, foi esse trabalho que os
sustentou durante muito tempo. Não que pensasse apenas em trabalhar com
crítica. Cheguei até a fazer pós-graduação em Administração, com o objetivo de
lidar com os negócios da família e não jogar dinheiro fora. Não sei se foi por
causa da estrutura extremamente conservadora lá de casa, com minha avó
controlando tudo e todos ao extremo, mas as minhas memórias de infância foram
bloqueadas. Minha vida praticamente começa depois dos nove anos. Antes disso,
algumas das poucas lembranças que tenho são justamente dos filmes a que
assisti. Desde pequeno, sou uma pessoa solitária. Moro sozinho e sou meio
obsessivo com trabalho. Acredito que a dedicação é a fórmula para se vencer.
Isso vem desde cedo. Para minha geração, o cinema era uma válvula de escape, um
sonho, uma droga. Não fumávamos maconha, mas tínhamos os filmes. Costumo
brincar e digo que sou um pouco como no filme A Rosa Púrpura do Cairo, aquela
personagem da Mia Farrow, que sai para realizar seus sonhos. Minha outra paixão
é a literatura. Por isso, sou um pouco como aquele menino de História Sem Fim,
que lendo, tinha coragem de enfrentar o mundo. A natação, que pratiquei até os
18 anos, deu-me a disciplina. No universo de imaginação que construí na
infância, o cinema tornou-se outra paixão, uma âncora para minha vida.
Comenta-se que você já tenha assistido a mais de 20 mil filmes.
Afinal, quantos filmes você já viu?
Comecei a contar com onze anos. Nessa época, comprei um
caderninho e comecei a fazer anotações sobre cada filme a que assistia.
Colocava a data, o nome do filme, o cinema em que o vi, o nome dos atores e,
eventualmente, também o do diretor. Não parei mais e, desde então, fui
aprimorando esse trabalho e a escrever críticas. As primeiras que saíram eram
meio bobinhas, de acordo com a cabeça que tinha naquele tempo. Mas guardo todos
os caderninhos, por isso, sei a quantos filmes já assisti. Estou na casa dos 30
mil e pretendo fazer uma festa junto com o lançamento da nova edição do Guia de
DVD. Por que fazer isso? Um dos críticos do mais importante jornal de Londres
decidiu se aposentar quando completou 70 anos e declarou que chegava nesse
momento satisfeito, afinal, já tinha assistido uns 16 mil filmes. Eu já vi
quase o dobro! Tudo anotado, sem contar reprises. Em outro caderno, eu fazia a
votação dos melhores de cada ano. Era o meu Oscar particular. Num terceiro
caderno, comecei a fazer uma espécie de dicionário de cineastas, pois não havia
nada igual ainda.
Você falou sobre literatura naquela fase. Alguma publicação
contribuiu nesse seu envolvimento com o cinema?
Duas revistas alimentaram essa minha paixão, a Filmelândia e
a Cinelândia, publicadas pela Rio Gráfica, da Globo [atual Editora Globo].
Ambas não têm nada equivalente hoje. A Cinelândia era a versão nacional de uma
revista norte-americana chamada Modern Screen e trazia fofocas, matérias com
dicas sobre como lidar com problemas cotidianos, assinadas por atores,
reportagens sobre importantes nomes do cinema como John Ford e grandes
diretores, colunas assinadas por Louella Parsons, Ida Hoppern e Sheilah Graham,
as grandes fofoqueiras da época, reunidas numa única publicação. Apesar de
muito material bem traduzido, não se limitava a isso. Tinha muita coisa
produzida por aqui. Ela conseguia transmitir o fascínio, mas a que
realmente fez a cabeça foi a
Filmelândia, adaptação da Screen Stories. Ela pegava os filmes e, a partir do
roteiro original, produzia um grande conto, uma verdadeira novela. Nada a ver
com telenovelas. Ela trazia todos os filmes do mês, que eram uns oito, e fazia
uma cotação de 1 a 5, sistema que até hoje eu uso. A única coisa que lamento é
não ter visto todos aqueles filmes. Uns eram proibidos para menores de 18 anos,
outros, para menores de 14, e eu não conseguia entrar. Escola e horários também
me brecavam muitas vezes. Estou correndo atrás do “filme perdido” até hoje. Até
pouco tempo, dificilmente eram lançados em dvd, mas já vi alguns dos anos 50 no
site do Internet Movie DataBase-IMDb, nos Estados Unidos. A Filmelândia também
me deu toda uma estrutura que usei quando fui escrever novela com o Silvio de
Abreu. Ele me pedia certas cenas específicas, de discussão ou de brigas, e eu
tinha várias estruturas já armadas na cabeça. Porém, com isso, também tornou-se
muito comum para mim encontrar filmes editados e com trechos cortados e finais
inteiros mudados, como aconteceu com O Passado Não Perdoa, do John Houston.
Trechos cortados? Como assim?
A revista trabalhava em cima do roteiro original e não da
versão editada final. Há filmes incrivelmente danificados na edição final dos
estúdios. De certa forma, tudo isso despertou em mim o autodidatismo,
facilitado porque dominava bem o inglês e o francês.
Como você avalia aquele período do cinema, final dos anos 50
e anos 60?
Para mim, foi o melhor momento do cinema. A Itália tinha o
melhor cinema, mas também surgia a Nouvelle Vague, na França, e nos Estados
Unidos, Hollywood morria no começo da década para ressurgir no final dela. Eu
tenho críticas do primeiro Spielberg, do primeiro Copolla, do primeiro Brian de
Palma. É com essa qualidade que vou. Toda essa geração e mais os franceses. A
geração que surgia ali e ainda hoje está por aí é também a minha. As coisas
foram mudando. No cinema brasileiro, a mesma coisa. Eu via chanchada e passei
para o Cinema Novo. Eu adorei o Glauber Rocha. Até ele enlouquecer. Por que as
pessoas não falaram que isso tinha acontecido? Isso costuma acontecer com
muitos gênios. O poeta Rimbaud, por exemplo, termina como traficante de
escravos. Depois dos 21 anos, não escreve mais nada. Bem, o final é
perfeitamente coerente, mas as pessoas não entendem e não perdoam.
Você gostou de tudo o que o Glauber dirigiu?
Adoro Terra em Transe, mas detesto Idade da Terra, por
exemplo. Nesse último, ele já estava pirado. Aliás, não gosto nem de Cabeças
Cortadas. A verdade é que ele parou em Terra em Transe. A partir daí,
personagens como Antônio das Mortes já se tornavam esquisitos, mas possíveis.
Aí o Glauber vai para a Europa e fica deslumbrado demais.
Tão fascinado pelo cinema, como foi parar no jornalismo?
Santos até tinha um bom cineclube, mas mesmo assim muitos
filmes não passavam lá. Então, eu ficava limitado. No último ano da escola, o
meu científico, ainda não sabia o que fazer da vida. Decidi passar por um teste
vocacional, algo que a maioria ainda não conhecia bem naquele tempo. E ele
apontou as áreas em que tinha aptidão: diplomacia, direito, jornalismo e
medicina. O teste estava certo, afinal, procuro ser sempre diplomático (risos).
Para fazer o curso do Itamarati, não precisava ter cursado uma faculdade, mas a
idade mínima era 21 anos. E eu estava com 17. Parti para as outras opções.
Chegou um tempo em que estava cursando Direito, pela manhã, História e
Geografia, à tarde, e Jornalismo, à noite. Apesar de ter me formado em Direito,
ter carteirinha de advogado e até estar aposentado, pois paguei à Caixa dos
Advogados a vida inteira, nunca gostei da área. Gostava de Jornalismo, até
porque lá estavam meus amigos. Mas ainda naqueles tempos de faculdade
participei do movimento estudantil e de um grupo de teatro da faculdade, ao
lado de Ney Latorraca, Jandira Martini, Neide Veneziano e Carlos Roberto
Sofredini. Eles e mais gente como Bete Mendes e Bruno Del Maia é que formavam a
minha turma. Mesmo com tanta coisa, ainda dava aula nos momentos vagos.
De cinema, naturalmente…
É. Uma das coisas que fiz no período em que estudei
Jornalismo foi dar aula de cinema para os colegas que pediam. Mesmo sem receber
nada. O curso foi muito elogiado e logo comecei a dar aula também nas melhores
escolas da cidade. Não era remunerado, mas foi uma ótima experiência que,
inclusive, me encorajou a dar aulas mais tarde sobre História do cinema em uma
faculdade, a São Luiz, em São Paulo. Além disso, conheci muita gente talentosa,
como o Carlos Monforte, hoje na Globo. Fui eu quem o lançou na
Tribuna de Santos.
E como foi o começo de sua carreira?
Além das amizades, uma experiência me impulsionou para o
mundo do jornalismo. No último ano da faculdade, a Folha de S.Paulo resolveu
lançar um novo jornal na cidade para concorrer com a Tribuna de Santos. Era o
jornal Cidade de Santos, que seria o primeiro com sistema ofsete colorido do
Brasil e, por isso, provocou muita ansiedade. Fizeram um teste com os
estudantes e eu fui reprovado. Foi um golpe para um jovem de 21 anos que se
achava o tal, mas necessário como experiência de vida. Por outro lado, depois
de muito pensar, decidi que deveria mostrar meu valor e que era capaz de ser um
bom jornalista. Eles tinham cometido uma injustiça e eu provaria isso. Devido a
falhas na administração, o jornal não se transformou no sucesso esperado. Eu,
porém, tive como professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, hoje
Universidade Católica de Santos, o Juarez Bahia, um dos grandes jornalistas da
História do País. Ele trabalhou no Jornal do Brasil, na Folha de S.Paulo, no
Estadão e em outros importantes veículos, foi correspondente internacional,
escreveu obras teóricas e referenciais no ensino do jornalismo. Lutou contra a
ditadura e acabou sendo perseguido e preso. Ele tinha sido o homem de confiança
do Prefeito de Santos, José Gomes, cassado posteriormente pelo regime militar.
Quando passou a chefiar a Secretaria da Tribuna, ele iniciou uma reforma do
jornal e me convidou a trabalhar lá.
Você foi trabalhar na Redação do jornal?
Em 1967, o Bahia convidou-me para começar um departamento de
pesquisas no jornal. Por causa do JB, que foi pioneiro nisso, era um sonho para
qualquer jornalista trabalhar com esse tipo de coisa. Mas também escrevia
algumas críticas, mais como um plus. Depois, passei a escrever com freqüência.
Lá também conheci o Chico Santa Rita, criador do marketing político no Brasil,
um cara altamente criativo. Ele diagramava e criou uma página inteira chamada
de O Jornal da Praia. O trabalho serviu de passaporte para o Jornal da Tarde,
novo veículo do maior do jornal do País na época, o Estadão. A revolução do JB
já tinha terminado e estava começando agora a do JT. Quando ele saiu, eu, que
era seu colaborador direto, assumi a seção. Fizemos naquela época coisas que
ninguém tinha feito, inovando e experimentando.
“Certo momento, vou ao Festival de Brasília e lá falo mal do
filme do Rogério Sganzerla, que me dá um tapa nas costas e outro na cara.
Saímos rolando no chão.”
Escrever críticas de filmes trouxe problemas para você?
O dono de uma grande distribuidora – a Paris Filmes –
durante anos foi paranóico, chegando ao ponto de mandar investigar a minha
vida. Eu não sabia de nada. Só fiquei sabendo no dia em que concluíram que eu
era honesto e não tinha nada a esconder. Então vieram falar comigo. Puxa, por
que não me perguntaram antes? Eu teria dito que era honesto para eles. (risos)
O pior é que eu gostava de muitos desses exibidores, achava que eram
empreendedores, estavam valorizando o cinema, trazendo coisas novas para o
Brasil, inovando no marketing. Jamais discriminaria algum distribuidor
boicotando filmes ou prejudicando deliberadamente em minhas críticas. Mas
muitos não viam a crítica com simpatia. A gente não tinha noção de quem trouxe
o filme, porque não nos envolvíamos nesse tipo de coisa. Na época de Santos, já
comecei a ser perseguido pelo exibidor local. Evidentemente, por ser uma cidade
pequena, quando falava que o filme era ruim, acabava com o filme. Depois, vim
para São Paulo, trabalhar no Jornal da Tarde, e assumi a crítica de cinema.
Certo momento, vou ao Festival de Brasília e lá falo mal do filme do Rogério
Sganzerla, que me dá um tapa nas costas e outro na cara. Saímos rolando no
chão. Quando estréia o filme em São Paulo, o jornal me prestigia e publica a
mesma crítica. Nisso, eu estou num restaurante, de frente para o Chico Santa
Rita, mas de costas para a porta. De repente, ele fala: “Você não sabe quem
está entrando”. Só vi uma mão e depois todos nós rolando outra vez, desta
feita, por cima das mesas: o Sganzerla, eu e o Santa Rita. As revistas não
tinham site como hoje, nem sequer a fofoca e as celebridades não eram tão
prestigiadas como agora, mas esse tipo de incidentes me tornou conhecido: virei
o cara, o crítico que provoca briga. Mas sou o oposto, um diplomata.
Vocês conseguiram resolver a pendenga?
Quando fui para a Globo, o Sganzerla me procurou e pediu
para publicar uma matéria. Publiquei, editei e fiquei amigo dele. Hoje estou
publicando o livro da Helena Inês, da Coleção Aplauso (Imprensa Oficial).
Também publiquei o roteiro de O Bandido da Luz Vermelha, uma obra-prima. O fato
é que a vida é mesmo assim: cheia de idas e voltas.
Foi no Jornal da Tarde que surgiram aquelas pequenas
críticas aos filmes exibidos na televisão?
Sim. A gente tinha criado uma coluna inédita chamada Filmes
de Hoje na TV. O título quem deu foi o Maurício Kubrusly, que era uma espécie
de editor de criação, mas o projeto é meu. Antes dessa coluna, não existia nada
na imprensa. E a coluna criou, por tabela, a assessoria de imprensa. Essa
coluna deve ter durado uns 33 anos, até 2002. É muito tempo na imprensa
brasileira e influenciou todas as outras publicações. Filmes na TV era página
inteira de críticas e não meros releases. Até hoje, muita gente me diz que
aprendeu a gostar de cinema por causa daquelas páginas. Naquela altura, no
Jornal da Tarde, a gente trabalhava a noite inteira, porque o jornal era
vespertino, saía ao meio-dia. Ás vezes, ficávamos procurando um título até as
seis da manhã. Eu mesmo vivia em função do jornal.
“Daquele momento em diante entro para o mundo da televisão.
Não sei como consegui, pois era extremamente tímido. Aliás, sou até hoje. Se eu
puder evitar de ir a algum lugar, evito. Você não me vê em coquetel,
lançamento…”
Mas você não permaneceu por muito tempo nessa rotina de
Redação…
Em 1972, o Murilo Felizberto, já falecido, que na época era
o editor do Jornal da Tarde, resolve me mandar embora. Eu nunca soube direito
as razões, mas ele me deixou como colaborador por causa da coluna. Aí passo a
diversificar minhas atividades: dou aulas em Santos, na Faap, faço testes para
a televisão, a Irene Ravache me leva para conhecer algumas pessoas, tenho
contato com o pessoal da TV Cultura. Certo dia, a própria Cultura faz um teste
para apresentador de um programa chamado Cinema de Estrelas. Eu participo e
eles dizem que é para lançamento de filmes da Metro, como O Retrato de Dorian
Gray. Disse na hora: “Legal, então vamos gravar”. “Ah mas você não precisa ir
para sua casa para se preparar?”, perguntaram, surpresos. “Não”, completei,
“sei de cor o assunto” (risos). A Lídia Lícia, diretora da emissora e hoje uma
grande amiga, estranhou. Mas resolveu apostar. Hoje, ela também escreve para a
Coleção Aplauso. Mas daquele momento em diante entro para o mundo da televisão:
fazendo testes. Não sei como consegui, pois era extremamente tímido. Aliás, sou
até hoje. Se eu puder evitar de ir a algum lugar, evito. Você não me vê em
coquetel, lançamento etc.
Parece contraditório essa timidez em alguém com sua
exposição.
Eu me fecho em tudo, porém faço questão de ser muito
atencioso com os fãs, com a pessoa que está me prestigiando. Eu levanto,
cumprimento e me torno fácil, fácil, amigo da pessoa. Mas aparecer por
aparecer, já é outra história. Eu acabei de ter um convite para fazer uma peça
de teatro, mas uma coisa que não quero ser é ator. Mesmo que seja um papel
importante. No fundo, criamos uma persona, técnicas de apresentação. É obvio
que eu sei, mas não quero porque não sinto dentro de mim essa necessidade.
Certo tempo, eu tinha ainda um pouco do sonho de fazer cinema, e esse sonho
quem me ajudou a realizar foi o Rubem Biáfora, o crítico mais importante do
Estado na época. Fiz uma crítica acabando com o filme dele, mas ele não deu
bola e acabamos nos aproximando. Nossa relação sempre foi muito conturbada, mas
aprendi muito também. É engraçado que eu não era discípulo, mas amigo mesmo.
O Biáfora não acabou influenciando seu modo de fazer
crítica?
Ele tinha algumas coisas muito certas, legais e tinha outras
muito ruins. Propositalmente, eu não o lia, para não ser influenciado; afinal,
éramos colegas e trabalhávamos paralelamente. Eu era influenciado, sim, por
outros tipos de crítica, às vezes americanas, pelos livros que li e pela
crítica americana intelectual, não o tipo de crítica de todos os dias. Mas para
ser justo, o Moniz Viana, que morreu recentemente, acabou exercendo alguma
influência sobre mim. Quando garoto, lia o Correio da Manhã e gostava muito do
que ele escrevia. Não lia o Estado, nem o Biáfora. Só muito mais tarde passei a
ler algumas coisas que ele escreveu. Naquele tempo, não fui, mas hoje sou
influenciado por elas.
Você lê algum crítico do Brasil?
Eu não leio crítica nenhuma, para dizer a verdade. Isso não
quer dizer que eu não goste de alguns. Acho interessante o padrão do Estado e,
em especial, adoro o Merten [Luiz Carlos Merten]. Posso discordar do que ele
escreve, mas isso não tem importância nenhuma. Acho que o Estado faz uma grande
cobertura de cinema. O Sérgio Augusto, do Rio, é uma pessoa maravilhosa também,
uma cabeça ótima. Fora esses, lamento a situação da crítica. Vejo a crítica
hoje como algo abominável, as pessoas estão ficando cada vez mais burras.
Cada vez mais influenciadas pelo marketing, não?
Sim. Lamento a situação, ainda mais porque fui um dos
pioneiros na área.
Mas nem para fazer os guias você costuma ler críticas?
Leio críticas no IMDb, quando faço guias de dvd, mas para
ver informações. Primeiro, eu não gosto de saber das histórias antes de ver
qualquer filme, eu quero que o filme me surpreenda. Aí eu vou me informar,
saber como, quando foi feito, por quem, essas coisas, depois de ter visto.
Quando digo que não leio, obviamente não estou querendo dizer que em hipótese
alguma. Teria que viver numa gruta para não saber o que está acontecendo.
Então, acabo sabendo algo por meio das notícias que aparecem. Isso acontece
muito com textos do pessoal lá de fora. Particularmente, gosto do Roger Ebbert,
acho que é um cara que escreve bem, sensato, inteligente, culto, muito além do
padrão. E gosto também do Leonard Maltin, que tem muito a ver comigo dentro do
trabalho de pesquisa, conhecimento.
Você foi o primeiro crítico a escrever sobre os lançamentos
de cinema em vídeo, não?
Sim, fui a primeira pessoa a escrever sobre vídeo. A cada
semana, ia numa locadora e fazia de graça, noticiando o que tinha, no começo do
mercado de vídeo. Até por isso eles ficaram meus amigos depois. Por fim, fui o
primeiro a produzir guias e críticas de dvd, que estão na moda hoje. Fui também
o primeiro crítico na tv por assinatura. O Paulo Autran foi o primeiro a
aparecer, inaugurando o canal Showtime, mas o primeiro programa foi meu, de
1990 para 91. Trabalhei 12 anos na Globo, fiz novelas lá e no SBT. Quando
precisaram de alguém para comentar o Oscar, chamaram-me. Comento isso no livro
O Oscar e Eu. Todo ano vinha um repórter aqui e fazia a festa do Oscar em casa,
e durante os três ou quatro anos eu acertava tudo. Então, passamos a fazer a
transmissão. Deu tão certo, que passo a fazer jornalismo cotidiano também.
Estou falando de 1979 e de toda década de 80. Saio quando entra o Fernando
Collor de Melo na Presidência.
Como foi essa nova transição?
Foi boa, até porque tive liberdade como ninguém. Se você
parar para pensar na TV Globo, principalmente nos anos 80, ela não falava mal
de nada. A única pessoa que falava mal de alguma coisa era eu. Eu podia falar
mal do Stallone, do Schwarzenegger, de Sete Gatinhos (o filme). O Nélson
Rodrigues quase morreu quando eu falei. Ou seja, eles me davam liberdade e
queriam que fosse ponta-de-lança contra a censura, mostrar que a censura não se
metia com o cinema. Hoje, a Globo se retraiu novamente. Ninguém critica nada. O
Jabor, por exemplo, fala de tudo. Fica difícil dar opinião assim.
Por causa dessas posições, você teve algum problema com a
censura na ditadura?
Na época em que entrei no Jornal da Tarde, ele estava sendo
duramente censurado. Eu participei de muitas ações, desde o primeiro dia em que
entrou o censor. Num desses protestos, uma a uma, as pessoas iam se levantando,
iam embora e deixando-o sozinho na Redação. Mas ele não percebeu, porque nunca
tinha entrado numa Redação (risos). Mesmo assim, nos achamos os grandes heróis
contra a censura. Em meu trabalho, especificamente, nunca tive problemas. Era a
área em que você podia falar, porque o censor não lia. Muitas vezes, a gente se
permitia fazer algumas críticas sutis ao regime.
Por que você decidiu fazer cinema nos anos 70?
Na verdade, fiz um curta-metragem, que acabou perseguido e
tentei fazer um longa, com a Marília Pêra, chamado O Cordão Umbilical,
adaptação de uma peça do Mário Prata. Mas não deu muito certo, porque a pessoa
encarregada de levantar dinheiro sumiu com tudo. Essas coisas que só acontecem
no cinema… No fim, o Prata cedeu os direitos a outra pessoa e o filme nunca
saiu. A partir daí, o Biáfora começou a me chamar para fazer filmes como ator.
O último foi o do Khouri (Walter Hugo Khouri), Amor, Estranho Amor. Fiz para
aprender o que é um set, para saber como dublar e como se faz um filme. Essa
experiência também me ajudou no trabalho de roteirista. Continuo não querendo
ser ator. Só atuo em circunstâncias especiais, como uma que surgiu
recentemente. Participei do Manual Para Atropelar Cachorro, O Filme. Nele, faço
uma única participação como eu mesmo, tirando sarro do Rubens Ewald Filho. Na
Globo, já fiz A Vida Como Ela É, com o Luis Fernando Guimarães e o Pedro
Cardoso. O Luis Fernando interpretava o ator brasileiro que concorria ao Oscar.
Eu falava: “Não, ele não vai ganhar de jeito nenhum”. Cortava e ele aparecia
recebendo o Oscar. Esse tipo de coisa é legal, o norte-americano faz muito e
acho legal fazer também, para mostrar que você não se leva tão a sério.
“Tornei-me um crítico e sou reconhecido assim. Não quero
mudar minha cara. Estou envelhecendo com o meu público. Se fosse uma coisa que
eu quisesse, faria na boa. Mas acho a profissão de ator miserável; ele sofre, é
rejeitado o tempo inteiro.”
Nesse caso a timidez não atrapalhou…
Não. Depois de fazer Amor, Estranho Amor, filme de resultado
muito bom até, algumas pessoas chegaram a mim e me disseram: “Eu vi você, você
está legal no filme mas o problema é que eu não consigo acreditar em você. Sua
cara está muito marcada. É você, tentando fazer outra pessoa”. A revista Veja
já tirou sarro de mim, porque estou com a mesma cara há trinta anos. De fato,
esse é meu estilo. Tornei-me um crítico e sou reconhecido assim. Não quero
mudar minha cara. Estou envelhecendo com o meu público. Se fosse uma coisa que
eu quisesse, faria na boa. Mas acho a profissão de ator miserável; ele sofre, é
rejeitado o tempo inteiro. Eu prefiro dirigir ator a ser ator.
O que você pensa sobre as ações na justiça da Xuxa contra
Amor, Estranho Amor?
Absurdas. Ela afirma que era inocente, que não sabia que a
trama estava sendo produzida daquela maneira. Mas no making-of que fizemos,
quase um documentário que também serviria como trailer, ela própria apresenta a
produção em detalhes. Mas em qualquer lugar justiça é muito relativa, aqui no
Brasil mais ainda. Então é um absurdo proibir, coisa de fascismo, absurdo.
Assim como comprar os direitos e mandar recolher todas as cópias das locadoras
e lojas do País.
E as suas experiências com novelas?
A Irene Ravache apresentou-me ao Sílvio Abreu dizendo que
tínhamos muito em comum. Ele precisou de alguém, chamou-me e escrevemos quatro
roteiros, dois foram filmados. No segundo, os produtores fizeram tantas
concessões, que a obra virou uma pornochanchada. Por isso, o Silvio decidiu
rumar para as novelas. Ele já estava filmando quando a Irene novamente me levou
para a TV Tupi. O Roberto Talma disse que queria sangue novo e pediu para
levarmos um projeto. A gente levou um na semana seguinte, ele aprovou,
contratou e a novela nunca saiu porque a Tupi foi muito pressionada pelo
Governo. O nome da novela é O Acidente, uma espécie de Lost em dois tempos, mas
sem as pirações da série norte-americana, porque isso já é coisa contemporânea.
Se fizéssemos tais coisas naquele tempo, seríamos presos. A história tratava da
queda de um avião e da sobrevivência das pessoas na selva. Só quando entrou um
novo diretor, o Henrique Martins, fizemos Éramos Seis, que foi um grande
sucesso.
Por que você decidiu desbravar a área de livros?
Realmente, entrei numa área bastante complicada, já que na
época em que comecei a escrever não havia muitos livros sobre cinema. Acabei me
tornando uma referência, mas não tive esse objetivo. Apenas escrevi os livros
que eu gostaria de ter para consultar. O primeiro a sair foi Filmes de Hoje na
TV, em 1975. Em 1978, sai o Dicionário de Cineastas, que é um livro importante,
tanto que agora vou lançar uma nova edição. Para fazê-lo, passei dois anos
vasculhando o arquivo do Estado, procurando nos jornais, porque não havia
informação nenhuma. O Biáfora me ajudou muito, com a memória dele, mas também
não tinha anotações, era só pela memória. E o livro é dedicado a ele, e é o
único livro brasileiro assim, não há outro. Eu acho que o fã de cinema gosta de
ter um guia anual para ficar sabendo sobre os filmes, anotar, comparar
cotações, discordar ou não das críticas. É para esse tipo de pessoa que eu faço
os guias de dvd. Dinheiro não dá. Ás vezes, preciso colocar do bolso, mas dá
prestígio e supre um espaço vazio.
E quando surgiu a história de que
você assistia a vários filmes ao mesmo tempo?
Era uma época áurea do mercado de vídeo e, de certa maneira,
é verdadeira. Trabalhava em casa e formei uma pequena equipe que me ajudava
composta por pessoas como o Roberto Rios, atualmente Vice-Presidente da HBO, o
Maneco, que se tornou assessor de imprensa, e o Cléber Eduardo, que foi crítico
da revista Época, entre outros. Aí começou a lenda. Aqui, tínhamos duas
televisões, uma ao lado da outra e eu assistia às duas. Naquele tempo
trabalhávamos com cópias de serviço, realmente muito ruins. Então, na da
esquerda, eu via uma primeira vez, sempre legendado. Na outra, da direita,
apenas revia cópias, algumas vezes dubladas. Mas já aumentaram, dizendo que acompanhava
quatro ou mais filmes ao mesmo tempo. Quem me dera. Isso é perfeitamente
possível quando se pensa que hoje a pessoa trabalha, assiste à televisão,
escuta música, tudo ao mesmo tempo. Claro, vai se concentrar mais em alguma
delas. Outros, com os recursos da tv digital, assistem a mais de um programa ao
mesmo tempo. A atenção é seletiva e, com o tempo, você aprende a render.
Busquei essa forma para acompanhar os filmes do começo ao fim e mais de uma
vez.
Você costuma dizer que o público está passando por uma
enorme transformação e as publicações especializadas em cinema continuam como
há muito tempo. Como assim?
A primeira coisa é a crise do jornal, que hoje não tem
dinheiro para pagar bem aos seus jornalistas. As novas tecnologias e a internet
crescem, enquanto a circulação dos jornais diminui cada vez mais. Por outro
lado, as pessoas não se deram conta de que o público da televisão aberta está
envelhecendo. O jovem vê muito pouco tv aberta. Prefere séries de televisão e
internet; fica no computador ou no laptop, ouvindo música, baixando arquivos,
entrando em sites de relacionamento, assistindo a vídeos e achando novelas
totalmente caretas. A ausência desse público provoca um círculo vicioso: as
novelas ficam cada vez piores, perdem audiência, buscam fórmulas extravagantes.
As emissoras ainda não perceberam que esse é um caminho sem volta. O novo
público, que gosta de cinema, precisa ser educado para entender cinema. Há
muita gente perdida, cheia de opiniões. Vou dar um exemplo: todo mundo sabe que
o Mickey Rourke é um grande ator porque fez um papel recente em O Lutador. Todo
mundo, inclusive críticos, o colocaram no topo dos favoritos ao Oscar. Fui o
único a falar em uma matéria para o Uol que ele não ganharia o prêmio. E
expliquei por quê. Experiência os outros até poderiam ter para dizer, mas não
tinham a tranqüilidade de observar isso. Não adianta, é necessário conhecer a
regra do jogo. Não entro no mérito se é justo ou injusto.
Você ficou surpreso por ele ter ganho o Globo de Ouro?
Mas isso não quer dizer muita coisa também. Na verdade, eu
preferia o Frank Langella, que para mim é ator, não é parecido, ele construiu
um personagem ali. O Oscar preferiu Sean Penn, que é filho da indústria: o pai
era perseguido, diretor; o irmão morreu; ele estava defendendo os gays, que era
uma forma de também limparem a barra da bobagem que a Academia fez em O Segredo
de Brokeback Mountain. Ou seja, a Academia é o “country club” de Beverly Hills,
nada mais.
Há várias adaptações dos quadrinhos para o cinema. O que você
acha das histórias em quadrinhos?
Eu acho que os quadrinhos são a grande moda, até para o
cinema. Você vai à banca e não encontra nenhuma revista de cinema que vai bem.
A Set está cambaleando, nunca teve um apogeu porque só sobrevive com a ajuda de
alguém que gosta de cinema. A Revista de Cinema do Brasil também vive de força
de vontade. Quadrinhos hoje são mais importantes para essa geração do que
cinema. É assustador isso, mas é bom que se explique também, porque há
quadrinhos e quadrinhos; quadrinhos que dão certo e os que não prestam.
Como está o projeto de se criar um pólo do cinema nacional
em Paulínia, no interior de São Paulo?
Rubens Ewald Filho – Estou bastante animado com esse projeto
e as coisas estão indo muito bem. Tudo começou há uns quatro anos, quando o
Prefeito Edson Moura, de Paulínia, procurou-me para fazer lá um festival de
cinema. Eu falei para ele que já havia muitos festivais de cinema. Mas a
proposta que ele me apresentou era muito maior: transformar a cidade num pólo
de cinema, que também seria turístico, um tipo de turismo cultural. A cidade
tem um problema grave: vive só da indústria do petróleo, que é uma indústria
com data de falecimento. Se morrer o petróleo morre a cidade, então eles
queriam transformar a cidade atraindo para lá o audiovisual, a indústria do
entretenimento, que no mundo inteiro é muito forte. A minha parte foi pôr os
pés no chão. Na Europa e nos Estados Unidos, visitamos os estúdios para
escolher o melhor modelo. Fomos a Cannes conhecer o festival e mostrar a ele
como fazia. Em Curitiba, fomos ver como é organizado o festival de teatro,
visitar o Guiarão. Hoje, Paulínia tem o melhor teatro do interior. A cidade tem
dinheiro e isso é um diferencial. Mas só isso não basta. É preciso vontade de
trabalhar aquilo culturalmente, e foi o que ele fez. Ficamos uns três anos lá,
fizemos o Primeiro Festival de Paulínia, e houve eleição. Seu sucessor não quis
me liberar e continuo lá como consultor do pólo e curador do festival. A cidade
tem um estúdio e está construindo mais três, um bem grande e dois pequenos,
para produção de televisão. Tem teatro funcionando, escola de cinema que é
muito legal, vai ter um museu que será chamado Museu da Imaginação, coisa do
futuro – o Marcelo Dantas fez, é sensacional. O pólo deve disponibilizar neste
ano uns R$ 8 milhões para a produção, dois milhões para séries e programas de
televisão, e seis para longas-metragens. A gente não interfere no conteúdo, mas
exige que 25% do filme sejam feitos na cidade, e sejam contratados estagiários
de lá, assim como outras despesas sejam realizadas lá também. Não interferimos
no trabalho, apenas leio o roteiro e avalio os projetos.
O que achou de O Menino da Porteira, feito por lá?
Achei que seria um filme interessante comercialmente, até
acompanhei parte das filmagens. Infelizmente, ficou insosso, sem graça e bobo.
Mas outros já foram rodados lá, uns oito ou dez e há patrocínio para uns 30.
Agora vamos fazer outro pacote. Não tenho números ainda, mas vamos começar as
inscrições de projetos.
A revista Veja o chamou de “o homem do Oscar”, por causa das
tantas vezes em que participou da apresentação do prêmio e pelo seu
conhecimento. Como você se sente com relação a isso?
A ligação é tanta que até escrevi um livro para falar sobre
ela: O Oscar e Eu. Em todos os meus livros, sou extremamente objetivo e
discreto, eu não me coloco muito. Acho que o único em que eu me coloquei foi o
do Oscar, a pedido da editora, que queria dessa forma. Fiz o livro em tempo
recorde; terminei de madrugada, vomitando e passando mal.
Quando você entrevista algum ator de quem gosta, como faz
para evitar a tentação da tietagem? Uma de suas entrevistas, com o Ed Harris,
você fez muitos elogios a ele.
É muito difícil para o brasileiro entrevistar um ator
estrangeiro. Primeiro porque o tempo é curto demais, até para aprofundar ou
criar qualquer relacionamento. A única coisa que você pode falar é sobre o
Brasil e se a pessoa tem alguma relação com o País. Você pode entrevistá-los
durante dez anos e, mesmo assim, eles não o reconhecem. De alguma forma, se a
pessoa estava realmente bem no papel você tem que encontrar alguma coisa boa
para puxar assunto. Por acaso, sou fã do Ed Harris. E era um caso muito
especial, em que ele herdou um papel que era do Dennis Hopper. Então era também
uma forma de deixá-lo aberto pra responder o que eu queria ouvir. Minha técnica
de entrevista é fazer um bate-papo. Eu não venho preparado demais, eu dou uma
olhada na carreira da pessoa, e tento ouvir tudo aquilo que ela tem a dizer. O
que me incomoda mais em qualquer pessoa que me entrevista, particularmente em
televisão, é isso. Se a pessoa preparou a entrevista antes, ela está com um
papelzinho e ela não me ouve. Acho que quem cumpre tarefa burocrática dessa
maneira deveria repensar porque escolheu essa área para trabalhar, pois é muito
ruim ser exibido ou demonstrar que sabe mais que o entrevistado. E o Ed Harris
é tradicionalmente uma pessoa fechada. Daquela maneira, deu samba e ficou
maravilhoso. Outra vez, entrevistei o ator John Savage, que fez Hair. Enquanto
conversamos, ele me diz que está morando num sítio, numa fazenda, e que costuma
passear sozinho. Resolvi perguntar se ele era uma pessoa espiritual. Ele disse
que sim, e acabamos conversando sobre deus, o que era deus para ele, como ele
se sentia, sem dogmatismo. E virou uma entrevista maravilhosa. O homem é muito
inteligente, mas entrei também na dele, com a pergunta e o assunto certos. Ele
não agüentava falar mais de filme, de violência; queria falar um pouco sobre
sua experiência. O jornalista seguinte veio me indagar o que tinha dito a ele,
pois ele só falava de mim, dizendo que foi a melhor entrevista que já havia
concedido. Apenas deixei-o falar. Não é todo dia que eu vou encontrar um ator
falando sobre como encontrar deus num rancho em Nevada.
O que é mais difícil: fazer uma entrevista, uma crítica ou
interpretar?
Sabe que há muito em comum entre esses ofícios? Fazendo,
você aprende a estrutura de cada uma e aprendendo uma ajuda a outra. Ao
elaborar uma entrevista ou uma crítica, você deve saber conduzir o que está
fazendo, de forma a uma coisa levar a outra. É importante chegar até o hoje. Os
anos em que fiquei fazendo entrevistas foram para mim como fazer outra
pós-graduação de interpretação, não de técnica de entrevista. De como aprender
o que é a arte de interpretar. Hoje, essa experiência me ajuda muito na hora de
lidar com o ator, dirigir ator. De respeitá-lo, respeitar o tempo deles, o
processo de criação, porque eu discuti isso com muita gente, de todos os
lugares possíveis. Já conversei com cineastas do mundo inteiro sobre processo
de criação. A mim não interessava a fofoca; então eu acho que também aprendi
muito artisticamente.
Trabalhar com atores, dirigir, entrevistar, assistir a um
filme. Tudo bem. Mas como você lida com a crítica a seu trabalho?
Ainda bem que existem as pré-estréias (risos). Mas, para ter
mais isenção, costumo convidar pessoas, se possível não amigas, para dar
opinião. E acredito no que elas dizem. Não quero que riam ou reajam para me
agradar, quero que sejam autênticos e sem idéias pré-concebidas. O bom crítico
é aquele que aponta saídas, funções. Eu sempre conto a história do Inácio
Araújo. Dizem até que virou crítico por minha causa, mas o fato é que tinha
virado montador de cinema, quando eu fiz meu primeiro curta. Foi ele quem
percebeu e me alertou que a primeira parte não combinava com a segunda. Era
verdade, eu não tinha percebido, mas não dava mais tempo de arrumar. No teatro,
você concerta no dia seguinte; no cinema, não. Respeito o crítico que me dá a
dica; por outro lado, o crítico que fala por falar me deixa enlouquecido. Não
consigo ver isenção. Mas serve para mim também, porque quando você lê a crítica
avalia o crítico também. A boa crítica aponta soluções, mostra onde a pessoa
errou ou acertou, discute as soluções sejam formais ou de idéia mesmo.
E como andam as críticas a seu trabalho no teatro?
Acho que estou até dando sorte com a crítica. Fui para o
Festival de Teatro de Curitiba e estou com duas peças em cartaz: O Querido
Mundo, há três anos, o que não é nada mal e também um sinal de que acertamos; e
Lady Chatterley, que lançamos no festival. Ela teve uma crítica média, mas um
dos críticos reclamou que não tiro a roupa das personagens e não mostro o sexo
mais explícito. Desculpe, mas eu não estou ali para apresentar sacanagem; quer
dizer, acho que o crítico nem tem consciência de que ficou excitado em ver a
peça, que era exatamente o que queríamos. O fato de despertar a curiosidade, de
querer mais da montagem era o nosso alvo. Isso não me aborreceu porque a pessoa
soube avaliar uma série de outras coisas. Também serve como advertência aos
críticos: é muito difícil fazer boas críticas em espaço curto e quase
impossível fugir à superficialidade, pois você acaba falando muita bobagem.
“Gostei” ou “não gostei” me dá sono e não é essa a questão. Frases pela metade,
do tipo “é chato”, também não são boas para se avaliar uma obra de arte.
Como foi sua experiência dirigindo a HBO no Brasil?
Quando fui convidado para assumir o trabalho lá, estava no
canal Showtime, na Abril. O Showtime foi um caso muito curioso e eu dizia na
época que era o melhor canal de televisão por assinatura do mundo. Porque tinha
todos os estúdios, tinha cinema francês, cinema nacional, absolutamente tudo.
Tinha mais filmes bons do que horários para exibi-los. A HBO foi o autêntico
herdeiro do Showtime. Praticamente o que havia de bom no Showtime foi levado
para a HBO. Quando fui para lá, fizemos uma revolução. Eu era diretor de tudo,
de produção e de programação. Fizemos tudo, a chamada, o tipo de letra, o tipo
de apresentador, a roupa, como era apresentado um filme. O canal Cinemax foi
criado do zero. Aliás, a marca já veio dos Estados Unidos, mas só.
Infelizmente, a HBO foi vítima, primeiro, da falência da TVA; ficou sem o sócio
brasileiro. Segundo, da ganância da Venezuela: o pessoal de lá veio aqui e
detonou o canal, queriam mandar, achando que eles eram melhores que a gente. Acabaram
com o canal e fomos obrigados a fechar o canal e mandar embora um monte de
gente. Foi a coisa mais difícil pela qual passei, criar um grupo, montar uma
equipe, treiná-la e mandar embora sem razão. Eu fui o último, apaguei a luz e
fechei a porta.
Se soubesse desse final, você teria aceitado a missão?
Com toda certeza. Além da lição de vida, mesmo passados
quase dez anos – tudo aconteceu em 2000 e 2001 –, as amizades e experiências
permanecem para futuros desafios. Acho que é uma história que precisa ser
contada, junto com a da tv por assinatura.
Qual é sua opinião sobre o jornalismo praticado hoje no
Brasil?
Eu sempre fui um pouco adepto da teoria de que o sapateiro
deve falar do sapato que concerta. Por isso, prefiro falar do jornalismo do
cinema. Quando eu comecei a fazer crítica de cinema, sabia-se que no JT quem
fazia crítica de cinema é porque estava ganhando pouco na sua área, então
ganhava um pouquinho mais como forma de compensar o salário. Ou seja, não havia
a preocupação de pegar uma pessoa da área. Eu entrei meio por acaso, como
copidesque. Passei a subeditor de Variedades e, por acaso, entendia de cinema.
Então essa falta de preocupação de pegar especialistas da área era uma coisa
que o jornalismo sempre teve, porque ele sempre achou que a cultura não era uma
coisa importante. E estou falando de um jornal com tradição e caderno
específico sobre cultura. Para você ter uma idéia, o JT fez certa vez uma
exposição e não havia qualquer menção nem ao Divirta-se, nem à revolução que
fizemos na área. Não era um caderno só de reportagens, era um jornal meio
revista e nosso trabalho mostrava o making of, os bastidores. Era o prenúncio
do que pode se encontrar nos extras dos dvds, hoje. Há quarenta anos, já
apontávamos que o cinema seguiria por esse caminho e já mostrávamos esse
negócio do culto às celebridades, coisa que abomino por causa dos excessos, mas
nem o próprio veículo se deu conta. O jornalismo, hoje mais do que nunca, é uma
passagem, porque o jornalista vai trabalhar numa assessoria, no Governo,
arranja um galho não sei onde, e muitas vezes não consegue se dedicar ao seu
trabalho no jornal. Penso que é esse tipo de coisa que desprestigia. Aquele
jornalismo épico muitas vezes mostrado no cinema se perdeu. Não temos mais o
jornalismo investigativo por aqui. A gente tem revistas semanais que se seguram
mais ou menos, mas os jornais…
Quais jornais você costuma ler?
Há muito não compro jornais brasileiros. Leio o The New York
Times, dou uma passada no Uol e no Terra para ficar informado. Mas a internet
também tem problemas. A democracia que oferece é sua maior qualidade e também
seu maior defeito. Passe por lá e você verá que é tanto um fenômeno de crítica
quanto é arrasado por elas. Um caso ilustra bem isso: a Tina Fey, atriz que
ganhou o Globo de Ouro pela série 30 Rock e é a estrela do momento, deu uma
entrevista quando ganhou o prêmio e disse: “Quem se acha uma grande estrela
deve dar um pulinho na internet”. Se você está com problemas de ego, se achando
maravilhosa, vai na internet e você vai encontrar sempre alguém acabando com
você. Porque ninguém é ninguém, eu e o José da Silva temos o mesmo peso no
Google. Só que o jornalismo tem embarcado por esse caminho de efemeridade e de
falta de responsabilidade e compromisso com o que se escreve.
Apesar de seu nome aparecer mais de 220 mil vezes no Google…
Pode ser, mas não para o pesquisador casual, ou seja, a
maioria dos internautas. Esses dias, eu recebi um comentário pela internet:
“Gosto muito de você. Sempre defendo você quando dizem que não entende nada de
cinema” (risos). É a primeira vez que isso acontece. Graças à internet, que
popularizou a crítica. Mas devemos ter cuidado, pois a selva é verdadeira.
Muita gente quer “ser igual ao Rubens Ewald Filho”, porque o conhecem
superficialmente. “É o cara que entrevista celebridades, vai ao Oscar…”. Mas
não se preocupam em aprender, em conhecer. Se pego um filme e há uma atriz dos
anos 40 e não a conheço, fico absolutamente transtornado enquanto não for
investigar quem é, quando e como surgiu, o que aconteceu e por que não fez
sucesso? E quero saber também por que eu não a conheço! Isso não acontece com
ninguém. As pessoas não têm o menor interesse em descobrir nada. E a internet
hoje é uma arma de pesquisa sensacional, tem coisas incríveis e as pessoas não
usam e não sabem usar. Muitos jornais também sobrevivem praticando aquele
jornalismo enciclopédico, mas sem o estofo de um Ruy Castro ou um Marcelo
Correia, que são pessoas que tiveram uma formação filosófica e fizeram muito
mais do que publicar informação telegrafada. Mas eles são uma raça em extinção.
Temo que o jornalista à moda antiga acabe e não encontre um substituto, nem
mesmo na internet.
* Em 2014, Rubens Ewald comemora 45 anos de jornalismo. O
jornalista Marcos Stefano colaborou nesta entrevista.
Texto e imagens reproduzidos do site: doispontosblog.wordpress.com
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