domingo, 13 de agosto de 2017

Entrevista com o crítico de Cinema Rubens Ewald Filho

 Foto de Francisco Ucha.



 “No universo de imaginação que construí na infância, o cinema tornou-se uma âncora para minha vida”

Um dos mais prestigiados críticos cinematográficos do País, Rubens fala sobre seus quarenta anos de carreira*, jornalismo, cinema, e também sobre outra paixão: a literatura.

Entrevista concedida a Francisco Ucha.

Publicada originalmente no Jornal da ABI 341, de maio de 2009

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Como foi sua infância e como surgiu sua paixão pelo cinema?
Rubens Ewald Filho – Venho de uma família razoavelmente abastada de Santos, litoral paulista. Lá, éramos fazendeiros e, entre outras coisas, cultivávamos banana. Porém, na década de 1970 houve muitas enchentes. Dois anos seguidos de muitos prejuízos foram suficientes para perder tudo o que tínhamos. Minha família era rica, mas eu não sabia, pois tudo era muito controlado em casa, eles eram bastante austeros. A ironia é que meus pais não aceitavam que eu trabalhasse com cinema e, de repente, foi esse trabalho que os sustentou durante muito tempo. Não que pensasse apenas em trabalhar com crítica. Cheguei até a fazer pós-graduação em Administração, com o objetivo de lidar com os negócios da família e não jogar dinheiro fora. Não sei se foi por causa da estrutura extremamente conservadora lá de casa, com minha avó controlando tudo e todos ao extremo, mas as minhas memórias de infância foram bloqueadas. Minha vida praticamente começa depois dos nove anos. Antes disso, algumas das poucas lembranças que tenho são justamente dos filmes a que assisti. Desde pequeno, sou uma pessoa solitária. Moro sozinho e sou meio obsessivo com trabalho. Acredito que a dedicação é a fórmula para se vencer. Isso vem desde cedo. Para minha geração, o cinema era uma válvula de escape, um sonho, uma droga. Não fumávamos maconha, mas tínhamos os filmes. Costumo brincar e digo que sou um pouco como no filme A Rosa Púrpura do Cairo, aquela personagem da Mia Farrow, que sai para realizar seus sonhos. Minha outra paixão é a literatura. Por isso, sou um pouco como aquele menino de História Sem Fim, que lendo, tinha coragem de enfrentar o mundo. A natação, que pratiquei até os 18 anos, deu-me a disciplina. No universo de imaginação que construí na infância, o cinema tornou-se outra paixão, uma âncora para minha vida.

Comenta-se que você já tenha assistido a mais de 20 mil filmes. Afinal, quantos filmes você já viu?
Comecei a contar com onze anos. Nessa época, comprei um caderninho e comecei a fazer anotações sobre cada filme a que assistia. Colocava a data, o nome do filme, o cinema em que o vi, o nome dos atores e, eventualmente, também o do diretor. Não parei mais e, desde então, fui aprimorando esse trabalho e a escrever críticas. As primeiras que saíram eram meio bobinhas, de acordo com a cabeça que tinha naquele tempo. Mas guardo todos os caderninhos, por isso, sei a quantos filmes já assisti. Estou na casa dos 30 mil e pretendo fazer uma festa junto com o lançamento da nova edição do Guia de DVD. Por que fazer isso? Um dos críticos do mais importante jornal de Londres decidiu se aposentar quando completou 70 anos e declarou que chegava nesse momento satisfeito, afinal, já tinha assistido uns 16 mil filmes. Eu já vi quase o dobro! Tudo anotado, sem contar reprises. Em outro caderno, eu fazia a votação dos melhores de cada ano. Era o meu Oscar particular. Num terceiro caderno, comecei a fazer uma espécie de dicionário de cineastas, pois não havia nada igual ainda.

Você falou sobre literatura naquela fase. Alguma publicação contribuiu nesse seu envolvimento com o cinema?
Duas revistas alimentaram essa minha paixão, a Filmelândia e a Cinelândia, publicadas pela Rio Gráfica, da Globo [atual Editora Globo]. Ambas não têm nada equivalente hoje. A Cinelândia era a versão nacional de uma revista norte-americana chamada Modern Screen e trazia fofocas, matérias com dicas sobre como lidar com problemas cotidianos, assinadas por atores, reportagens sobre importantes nomes do cinema como John Ford e grandes diretores, colunas assinadas por Louella Parsons, Ida Hoppern e Sheilah Graham, as grandes fofoqueiras da época, reunidas numa única publicação. Apesar de muito material bem traduzido, não se limitava a isso. Tinha muita coisa produzida por aqui. Ela conseguia transmitir o fascínio, mas a que realmente fez a cabeça foi a Filmelândia, adaptação da Screen Stories. Ela pegava os filmes e, a partir do roteiro original, produzia um grande conto, uma verdadeira novela. Nada a ver com telenovelas. Ela trazia todos os filmes do mês, que eram uns oito, e fazia uma cotação de 1 a 5, sistema que até hoje eu uso. A única coisa que lamento é não ter visto todos aqueles filmes. Uns eram proibidos para menores de 18 anos, outros, para menores de 14, e eu não conseguia entrar. Escola e horários também me brecavam muitas vezes. Estou correndo atrás do “filme perdido” até hoje. Até pouco tempo, dificilmente eram lançados em dvd, mas já vi alguns dos anos 50 no site do Internet Movie DataBase-IMDb, nos Estados Unidos. A Filmelândia também me deu toda uma estrutura que usei quando fui escrever novela com o Silvio de Abreu. Ele me pedia certas cenas específicas, de discussão ou de brigas, e eu tinha várias estruturas já armadas na cabeça. Porém, com isso, também tornou-se muito comum para mim encontrar filmes editados e com trechos cortados e finais inteiros mudados, como aconteceu com O Passado Não Perdoa, do John Houston.

Trechos cortados? Como assim?
A revista trabalhava em cima do roteiro original e não da versão editada final. Há filmes incrivelmente danificados na edição final dos estúdios. De certa forma, tudo isso despertou em mim o autodidatismo, facilitado porque dominava bem o inglês e o francês.

Como você avalia aquele período do cinema, final dos anos 50 e anos 60?
Para mim, foi o melhor momento do cinema. A Itália tinha o melhor cinema, mas também surgia a Nouvelle Vague, na França, e nos Estados Unidos, Hollywood morria no começo da década para ressurgir no final dela. Eu tenho críticas do primeiro Spielberg, do primeiro Copolla, do primeiro Brian de Palma. É com essa qualidade que vou. Toda essa geração e mais os franceses. A geração que surgia ali e ainda hoje está por aí é também a minha. As coisas foram mudando. No cinema brasileiro, a mesma coisa. Eu via chanchada e passei para o Cinema Novo. Eu adorei o Glauber Rocha. Até ele enlouquecer. Por que as pessoas não falaram que isso tinha acontecido? Isso costuma acontecer com muitos gênios. O poeta Rimbaud, por exemplo, termina como traficante de escravos. Depois dos 21 anos, não escreve mais nada. Bem, o final é perfeitamente coerente, mas as pessoas não entendem e não perdoam.

Você gostou de tudo o que o Glauber dirigiu?
Adoro Terra em Transe, mas detesto Idade da Terra, por exemplo. Nesse último, ele já estava pirado. Aliás, não gosto nem de Cabeças Cortadas. A verdade é que ele parou em Terra em Transe. A partir daí, personagens como Antônio das Mortes já se tornavam esquisitos, mas possíveis. Aí o Glauber vai para a Europa e fica deslumbrado demais.

Tão fascinado pelo cinema, como foi parar no jornalismo?
Santos até tinha um bom cineclube, mas mesmo assim muitos filmes não passavam lá. Então, eu ficava limitado. No último ano da escola, o meu científico, ainda não sabia o que fazer da vida. Decidi passar por um teste vocacional, algo que a maioria ainda não conhecia bem naquele tempo. E ele apontou as áreas em que tinha aptidão: diplomacia, direito, jornalismo e medicina. O teste estava certo, afinal, procuro ser sempre diplomático (risos). Para fazer o curso do Itamarati, não precisava ter cursado uma faculdade, mas a idade mínima era 21 anos. E eu estava com 17. Parti para as outras opções. Chegou um tempo em que estava cursando Direito, pela manhã, História e Geografia, à tarde, e Jornalismo, à noite. Apesar de ter me formado em Direito, ter carteirinha de advogado e até estar aposentado, pois paguei à Caixa dos Advogados a vida inteira, nunca gostei da área. Gostava de Jornalismo, até porque lá estavam meus amigos. Mas ainda naqueles tempos de faculdade participei do movimento estudantil e de um grupo de teatro da faculdade, ao lado de Ney Latorraca, Jandira Martini, Neide Veneziano e Carlos Roberto Sofredini. Eles e mais gente como Bete Mendes e Bruno Del Maia é que formavam a minha turma. Mesmo com tanta coisa, ainda dava aula nos momentos vagos.

De cinema, naturalmente…
É. Uma das coisas que fiz no período em que estudei Jornalismo foi dar aula de cinema para os colegas que pediam. Mesmo sem receber nada. O curso foi muito elogiado e logo comecei a dar aula também nas melhores escolas da cidade. Não era remunerado, mas foi uma ótima experiência que, inclusive, me encorajou a dar aulas mais tarde sobre História do cinema em uma faculdade, a São Luiz, em São Paulo. Além disso, conheci muita gente talentosa, como o Carlos Monforte, hoje na Globo. Fui eu quem o lançou na Tribuna de Santos.

E como foi o começo de sua carreira?
Além das amizades, uma experiência me impulsionou para o mundo do jornalismo. No último ano da faculdade, a Folha de S.Paulo resolveu lançar um novo jornal na cidade para concorrer com a Tribuna de Santos. Era o jornal Cidade de Santos, que seria o primeiro com sistema ofsete colorido do Brasil e, por isso, provocou muita ansiedade. Fizeram um teste com os estudantes e eu fui reprovado. Foi um golpe para um jovem de 21 anos que se achava o tal, mas necessário como experiência de vida. Por outro lado, depois de muito pensar, decidi que deveria mostrar meu valor e que era capaz de ser um bom jornalista. Eles tinham cometido uma injustiça e eu provaria isso. Devido a falhas na administração, o jornal não se transformou no sucesso esperado. Eu, porém, tive como professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, hoje Universidade Católica de Santos, o Juarez Bahia, um dos grandes jornalistas da História do País. Ele trabalhou no Jornal do Brasil, na Folha de S.Paulo, no Estadão e em outros importantes veículos, foi correspondente internacional, escreveu obras teóricas e referenciais no ensino do jornalismo. Lutou contra a ditadura e acabou sendo perseguido e preso. Ele tinha sido o homem de confiança do Prefeito de Santos, José Gomes, cassado posteriormente pelo regime militar. Quando passou a chefiar a Secretaria da Tribuna, ele iniciou uma reforma do jornal e me convidou a trabalhar lá.

Você foi trabalhar na Redação do jornal?
Em 1967, o Bahia convidou-me para começar um departamento de pesquisas no jornal. Por causa do JB, que foi pioneiro nisso, era um sonho para qualquer jornalista trabalhar com esse tipo de coisa. Mas também escrevia algumas críticas, mais como um plus. Depois, passei a escrever com freqüência. Lá também conheci o Chico Santa Rita, criador do marketing político no Brasil, um cara altamente criativo. Ele diagramava e criou uma página inteira chamada de O Jornal da Praia. O trabalho serviu de passaporte para o Jornal da Tarde, novo veículo do maior do jornal do País na época, o Estadão. A revolução do JB já tinha terminado e estava começando agora a do JT. Quando ele saiu, eu, que era seu colaborador direto, assumi a seção. Fizemos naquela época coisas que ninguém tinha feito, inovando e experimentando.

“Certo momento, vou ao Festival de Brasília e lá falo mal do filme do Rogério Sganzerla, que me dá um tapa nas costas e outro na cara. Saímos rolando no chão.”

Escrever críticas de filmes trouxe problemas para você?
O dono de uma grande distribuidora – a Paris Filmes – durante anos foi paranóico, chegando ao ponto de mandar investigar a minha vida. Eu não sabia de nada. Só fiquei sabendo no dia em que concluíram que eu era honesto e não tinha nada a esconder. Então vieram falar comigo. Puxa, por que não me perguntaram antes? Eu teria dito que era honesto para eles. (risos) O pior é que eu gostava de muitos desses exibidores, achava que eram empreendedores, estavam valorizando o cinema, trazendo coisas novas para o Brasil, inovando no marketing. Jamais discriminaria algum distribuidor boicotando filmes ou prejudicando deliberadamente em minhas críticas. Mas muitos não viam a crítica com simpatia. A gente não tinha noção de quem trouxe o filme, porque não nos envolvíamos nesse tipo de coisa. Na época de Santos, já comecei a ser perseguido pelo exibidor local. Evidentemente, por ser uma cidade pequena, quando falava que o filme era ruim, acabava com o filme. Depois, vim para São Paulo, trabalhar no Jornal da Tarde, e assumi a crítica de cinema. Certo momento, vou ao Festival de Brasília e lá falo mal do filme do Rogério Sganzerla, que me dá um tapa nas costas e outro na cara. Saímos rolando no chão. Quando estréia o filme em São Paulo, o jornal me prestigia e publica a mesma crítica. Nisso, eu estou num restaurante, de frente para o Chico Santa Rita, mas de costas para a porta. De repente, ele fala: “Você não sabe quem está entrando”. Só vi uma mão e depois todos nós rolando outra vez, desta feita, por cima das mesas: o Sganzerla, eu e o Santa Rita. As revistas não tinham site como hoje, nem sequer a fofoca e as celebridades não eram tão prestigiadas como agora, mas esse tipo de incidentes me tornou conhecido: virei o cara, o crítico que provoca briga. Mas sou o oposto, um diplomata.

Vocês conseguiram resolver a pendenga?
Quando fui para a Globo, o Sganzerla me procurou e pediu para publicar uma matéria. Publiquei, editei e fiquei amigo dele. Hoje estou publicando o livro da Helena Inês, da Coleção Aplauso (Imprensa Oficial). Também publiquei o roteiro de O Bandido da Luz Vermelha, uma obra-prima. O fato é que a vida é mesmo assim: cheia de idas e voltas.

Foi no Jornal da Tarde que surgiram aquelas pequenas críticas aos filmes exibidos na televisão?
Sim. A gente tinha criado uma coluna inédita chamada Filmes de Hoje na TV. O título quem deu foi o Maurício Kubrusly, que era uma espécie de editor de criação, mas o projeto é meu. Antes dessa coluna, não existia nada na imprensa. E a coluna criou, por tabela, a assessoria de imprensa. Essa coluna deve ter durado uns 33 anos, até 2002. É muito tempo na imprensa brasileira e influenciou todas as outras publicações. Filmes na TV era página inteira de críticas e não meros releases. Até hoje, muita gente me diz que aprendeu a gostar de cinema por causa daquelas páginas. Naquela altura, no Jornal da Tarde, a gente trabalhava a noite inteira, porque o jornal era vespertino, saía ao meio-dia. Ás vezes, ficávamos procurando um título até as seis da manhã. Eu mesmo vivia em função do jornal.

“Daquele momento em diante entro para o mundo da televisão. Não sei como consegui, pois era extremamente tímido. Aliás, sou até hoje. Se eu puder evitar de ir a algum lugar, evito. Você não me vê em coquetel, lançamento…”

Mas você não permaneceu por muito tempo nessa rotina de Redação…
Em 1972, o Murilo Felizberto, já falecido, que na época era o editor do Jornal da Tarde, resolve me mandar embora. Eu nunca soube direito as razões, mas ele me deixou como colaborador por causa da coluna. Aí passo a diversificar minhas atividades: dou aulas em Santos, na Faap, faço testes para a televisão, a Irene Ravache me leva para conhecer algumas pessoas, tenho contato com o pessoal da TV Cultura. Certo dia, a própria Cultura faz um teste para apresentador de um programa chamado Cinema de Estrelas. Eu participo e eles dizem que é para lançamento de filmes da Metro, como O Retrato de Dorian Gray. Disse na hora: “Legal, então vamos gravar”. “Ah mas você não precisa ir para sua casa para se preparar?”, perguntaram, surpresos. “Não”, completei, “sei de cor o assunto” (risos). A Lídia Lícia, diretora da emissora e hoje uma grande amiga, estranhou. Mas resolveu apostar. Hoje, ela também escreve para a Coleção Aplauso. Mas daquele momento em diante entro para o mundo da televisão: fazendo testes. Não sei como consegui, pois era extremamente tímido. Aliás, sou até hoje. Se eu puder evitar de ir a algum lugar, evito. Você não me vê em coquetel, lançamento etc.

Parece contraditório essa timidez em alguém com sua exposição.
Eu me fecho em tudo, porém faço questão de ser muito atencioso com os fãs, com a pessoa que está me prestigiando. Eu levanto, cumprimento e me torno fácil, fácil, amigo da pessoa. Mas aparecer por aparecer, já é outra história. Eu acabei de ter um convite para fazer uma peça de teatro, mas uma coisa que não quero ser é ator. Mesmo que seja um papel importante. No fundo, criamos uma persona, técnicas de apresentação. É obvio que eu sei, mas não quero porque não sinto dentro de mim essa necessidade. Certo tempo, eu tinha ainda um pouco do sonho de fazer cinema, e esse sonho quem me ajudou a realizar foi o Rubem Biáfora, o crítico mais importante do Estado na época. Fiz uma crítica acabando com o filme dele, mas ele não deu bola e acabamos nos aproximando. Nossa relação sempre foi muito conturbada, mas aprendi muito também. É engraçado que eu não era discípulo, mas amigo mesmo.

O Biáfora não acabou influenciando seu modo de fazer crítica?
Ele tinha algumas coisas muito certas, legais e tinha outras muito ruins. Propositalmente, eu não o lia, para não ser influenciado; afinal, éramos colegas e trabalhávamos paralelamente. Eu era influenciado, sim, por outros tipos de crítica, às vezes americanas, pelos livros que li e pela crítica americana intelectual, não o tipo de crítica de todos os dias. Mas para ser justo, o Moniz Viana, que morreu recentemente, acabou exercendo alguma influência sobre mim. Quando garoto, lia o Correio da Manhã e gostava muito do que ele escrevia. Não lia o Estado, nem o Biáfora. Só muito mais tarde passei a ler algumas coisas que ele escreveu. Naquele tempo, não fui, mas hoje sou influenciado por elas.

Você lê algum crítico do Brasil?
Eu não leio crítica nenhuma, para dizer a verdade. Isso não quer dizer que eu não goste de alguns. Acho interessante o padrão do Estado e, em especial, adoro o Merten [Luiz Carlos Merten]. Posso discordar do que ele escreve, mas isso não tem importância nenhuma. Acho que o Estado faz uma grande cobertura de cinema. O Sérgio Augusto, do Rio, é uma pessoa maravilhosa também, uma cabeça ótima. Fora esses, lamento a situação da crítica. Vejo a crítica hoje como algo abominável, as pessoas estão ficando cada vez mais burras.

Cada vez mais influenciadas pelo marketing, não?
Sim. Lamento a situação, ainda mais porque fui um dos pioneiros na área.

Mas nem para fazer os guias você costuma ler críticas?
Leio críticas no IMDb, quando faço guias de dvd, mas para ver informações. Primeiro, eu não gosto de saber das histórias antes de ver qualquer filme, eu quero que o filme me surpreenda. Aí eu vou me informar, saber como, quando foi feito, por quem, essas coisas, depois de ter visto. Quando digo que não leio, obviamente não estou querendo dizer que em hipótese alguma. Teria que viver numa gruta para não saber o que está acontecendo. Então, acabo sabendo algo por meio das notícias que aparecem. Isso acontece muito com textos do pessoal lá de fora. Particularmente, gosto do Roger Ebbert, acho que é um cara que escreve bem, sensato, inteligente, culto, muito além do padrão. E gosto também do Leonard Maltin, que tem muito a ver comigo dentro do trabalho de pesquisa, conhecimento.

Você foi o primeiro crítico a escrever sobre os lançamentos de cinema em vídeo, não?
Sim, fui a primeira pessoa a escrever sobre vídeo. A cada semana, ia numa locadora e fazia de graça, noticiando o que tinha, no começo do mercado de vídeo. Até por isso eles ficaram meus amigos depois. Por fim, fui o primeiro a produzir guias e críticas de dvd, que estão na moda hoje. Fui também o primeiro crítico na tv por assinatura. O Paulo Autran foi o primeiro a aparecer, inaugurando o canal Showtime, mas o primeiro programa foi meu, de 1990 para 91. Trabalhei 12 anos na Globo, fiz novelas lá e no SBT. Quando precisaram de alguém para comentar o Oscar, chamaram-me. Comento isso no livro O Oscar e Eu. Todo ano vinha um repórter aqui e fazia a festa do Oscar em casa, e durante os três ou quatro anos eu acertava tudo. Então, passamos a fazer a transmissão. Deu tão certo, que passo a fazer jornalismo cotidiano também. Estou falando de 1979 e de toda década de 80. Saio quando entra o Fernando Collor de Melo na Presidência.

Como foi essa nova transição?
Foi boa, até porque tive liberdade como ninguém. Se você parar para pensar na TV Globo, principalmente nos anos 80, ela não falava mal de nada. A única pessoa que falava mal de alguma coisa era eu. Eu podia falar mal do Stallone, do Schwarzenegger, de Sete Gatinhos (o filme). O Nélson Rodrigues quase morreu quando eu falei. Ou seja, eles me davam liberdade e queriam que fosse ponta-de-lança contra a censura, mostrar que a censura não se metia com o cinema. Hoje, a Globo se retraiu novamente. Ninguém critica nada. O Jabor, por exemplo, fala de tudo. Fica difícil dar opinião assim.

Por causa dessas posições, você teve algum problema com a censura na ditadura?
Na época em que entrei no Jornal da Tarde, ele estava sendo duramente censurado. Eu participei de muitas ações, desde o primeiro dia em que entrou o censor. Num desses protestos, uma a uma, as pessoas iam se levantando, iam embora e deixando-o sozinho na Redação. Mas ele não percebeu, porque nunca tinha entrado numa Redação (risos). Mesmo assim, nos achamos os grandes heróis contra a censura. Em meu trabalho, especificamente, nunca tive problemas. Era a área em que você podia falar, porque o censor não lia. Muitas vezes, a gente se permitia fazer algumas críticas sutis ao regime.

Por que você decidiu fazer cinema nos anos 70?
Na verdade, fiz um curta-metragem, que acabou perseguido e tentei fazer um longa, com a Marília Pêra, chamado O Cordão Umbilical, adaptação de uma peça do Mário Prata. Mas não deu muito certo, porque a pessoa encarregada de levantar dinheiro sumiu com tudo. Essas coisas que só acontecem no cinema… No fim, o Prata cedeu os direitos a outra pessoa e o filme nunca saiu. A partir daí, o Biáfora começou a me chamar para fazer filmes como ator. O último foi o do Khouri (Walter Hugo Khouri), Amor, Estranho Amor. Fiz para aprender o que é um set, para saber como dublar e como se faz um filme. Essa experiência também me ajudou no trabalho de roteirista. Continuo não querendo ser ator. Só atuo em circunstâncias especiais, como uma que surgiu recentemente. Participei do Manual Para Atropelar Cachorro, O Filme. Nele, faço uma única participação como eu mesmo, tirando sarro do Rubens Ewald Filho. Na Globo, já fiz A Vida Como Ela É, com o Luis Fernando Guimarães e o Pedro Cardoso. O Luis Fernando interpretava o ator brasileiro que concorria ao Oscar. Eu falava: “Não, ele não vai ganhar de jeito nenhum”. Cortava e ele aparecia recebendo o Oscar. Esse tipo de coisa é legal, o norte-americano faz muito e acho legal fazer também, para mostrar que você não se leva tão a sério.

“Tornei-me um crítico e sou reconhecido assim. Não quero mudar minha cara. Estou envelhecendo com o meu público. Se fosse uma coisa que eu quisesse, faria na boa. Mas acho a profissão de ator miserável; ele sofre, é rejeitado o tempo inteiro.”

Nesse caso a timidez não atrapalhou…
Não. Depois de fazer Amor, Estranho Amor, filme de resultado muito bom até, algumas pessoas chegaram a mim e me disseram: “Eu vi você, você está legal no filme mas o problema é que eu não consigo acreditar em você. Sua cara está muito marcada. É você, tentando fazer outra pessoa”. A revista Veja já tirou sarro de mim, porque estou com a mesma cara há trinta anos. De fato, esse é meu estilo. Tornei-me um crítico e sou reconhecido assim. Não quero mudar minha cara. Estou envelhecendo com o meu público. Se fosse uma coisa que eu quisesse, faria na boa. Mas acho a profissão de ator miserável; ele sofre, é rejeitado o tempo inteiro. Eu prefiro dirigir ator a ser ator.

O que você pensa sobre as ações na justiça da Xuxa contra Amor, Estranho Amor?
Absurdas. Ela afirma que era inocente, que não sabia que a trama estava sendo produzida daquela maneira. Mas no making-of que fizemos, quase um documentário que também serviria como trailer, ela própria apresenta a produção em detalhes. Mas em qualquer lugar justiça é muito relativa, aqui no Brasil mais ainda. Então é um absurdo proibir, coisa de fascismo, absurdo. Assim como comprar os direitos e mandar recolher todas as cópias das locadoras e lojas do País.

E as suas experiências com novelas?
A Irene Ravache apresentou-me ao Sílvio Abreu dizendo que tínhamos muito em comum. Ele precisou de alguém, chamou-me e escrevemos quatro roteiros, dois foram filmados. No segundo, os produtores fizeram tantas concessões, que a obra virou uma pornochanchada. Por isso, o Silvio decidiu rumar para as novelas. Ele já estava filmando quando a Irene novamente me levou para a TV Tupi. O Roberto Talma disse que queria sangue novo e pediu para levarmos um projeto. A gente levou um na semana seguinte, ele aprovou, contratou e a novela nunca saiu porque a Tupi foi muito pressionada pelo Governo. O nome da novela é O Acidente, uma espécie de Lost em dois tempos, mas sem as pirações da série norte-americana, porque isso já é coisa contemporânea. Se fizéssemos tais coisas naquele tempo, seríamos presos. A história tratava da queda de um avião e da sobrevivência das pessoas na selva. Só quando entrou um novo diretor, o Henrique Martins, fizemos Éramos Seis, que foi um grande sucesso.

Por que você decidiu desbravar a área de livros?
Realmente, entrei numa área bastante complicada, já que na época em que comecei a escrever não havia muitos livros sobre cinema. Acabei me tornando uma referência, mas não tive esse objetivo. Apenas escrevi os livros que eu gostaria de ter para consultar. O primeiro a sair foi Filmes de Hoje na TV, em 1975. Em 1978, sai o Dicionário de Cineastas, que é um livro importante, tanto que agora vou lançar uma nova edição. Para fazê-lo, passei dois anos vasculhando o arquivo do Estado, procurando nos jornais, porque não havia informação nenhuma. O Biáfora me ajudou muito, com a memória dele, mas também não tinha anotações, era só pela memória. E o livro é dedicado a ele, e é o único livro brasileiro assim, não há outro. Eu acho que o fã de cinema gosta de ter um guia anual para ficar sabendo sobre os filmes, anotar, comparar cotações, discordar ou não das críticas. É para esse tipo de pessoa que eu faço os guias de dvd. Dinheiro não dá. Ás vezes, preciso colocar do bolso, mas dá prestígio e supre um espaço vazio.

E quando surgiu a história de que você assistia a vários filmes ao mesmo tempo?
Era uma época áurea do mercado de vídeo e, de certa maneira, é verdadeira. Trabalhava em casa e formei uma pequena equipe que me ajudava composta por pessoas como o Roberto Rios, atualmente Vice-Presidente da HBO, o Maneco, que se tornou assessor de imprensa, e o Cléber Eduardo, que foi crítico da revista Época, entre outros. Aí começou a lenda. Aqui, tínhamos duas televisões, uma ao lado da outra e eu assistia às duas. Naquele tempo trabalhávamos com cópias de serviço, realmente muito ruins. Então, na da esquerda, eu via uma primeira vez, sempre legendado. Na outra, da direita, apenas revia cópias, algumas vezes dubladas. Mas já aumentaram, dizendo que acompanhava quatro ou mais filmes ao mesmo tempo. Quem me dera. Isso é perfeitamente possível quando se pensa que hoje a pessoa trabalha, assiste à televisão, escuta música, tudo ao mesmo tempo. Claro, vai se concentrar mais em alguma delas. Outros, com os recursos da tv digital, assistem a mais de um programa ao mesmo tempo. A atenção é seletiva e, com o tempo, você aprende a render. Busquei essa forma para acompanhar os filmes do começo ao fim e mais de uma vez.

Você costuma dizer que o público está passando por uma enorme transformação e as publicações especializadas em cinema continuam como há muito tempo. Como assim?
A primeira coisa é a crise do jornal, que hoje não tem dinheiro para pagar bem aos seus jornalistas. As novas tecnologias e a internet crescem, enquanto a circulação dos jornais diminui cada vez mais. Por outro lado, as pessoas não se deram conta de que o público da televisão aberta está envelhecendo. O jovem vê muito pouco tv aberta. Prefere séries de televisão e internet; fica no computador ou no laptop, ouvindo música, baixando arquivos, entrando em sites de relacionamento, assistindo a vídeos e achando novelas totalmente caretas. A ausência desse público provoca um círculo vicioso: as novelas ficam cada vez piores, perdem audiência, buscam fórmulas extravagantes. As emissoras ainda não perceberam que esse é um caminho sem volta. O novo público, que gosta de cinema, precisa ser educado para entender cinema. Há muita gente perdida, cheia de opiniões. Vou dar um exemplo: todo mundo sabe que o Mickey Rourke é um grande ator porque fez um papel recente em O Lutador. Todo mundo, inclusive críticos, o colocaram no topo dos favoritos ao Oscar. Fui o único a falar em uma matéria para o Uol que ele não ganharia o prêmio. E expliquei por quê. Experiência os outros até poderiam ter para dizer, mas não tinham a tranqüilidade de observar isso. Não adianta, é necessário conhecer a regra do jogo. Não entro no mérito se é justo ou injusto.

Você ficou surpreso por ele ter ganho o Globo de Ouro?
Mas isso não quer dizer muita coisa também. Na verdade, eu preferia o Frank Langella, que para mim é ator, não é parecido, ele construiu um personagem ali. O Oscar preferiu Sean Penn, que é filho da indústria: o pai era perseguido, diretor; o irmão morreu; ele estava defendendo os gays, que era uma forma de também limparem a barra da bobagem que a Academia fez em O Segredo de Brokeback Mountain. Ou seja, a Academia é o “country club” de Beverly Hills, nada mais.

Há várias adaptações dos quadrinhos para o cinema. O que você acha das histórias em quadrinhos?
Eu acho que os quadrinhos são a grande moda, até para o cinema. Você vai à banca e não encontra nenhuma revista de cinema que vai bem. A Set está cambaleando, nunca teve um apogeu porque só sobrevive com a ajuda de alguém que gosta de cinema. A Revista de Cinema do Brasil também vive de força de vontade. Quadrinhos hoje são mais importantes para essa geração do que cinema. É assustador isso, mas é bom que se explique também, porque há quadrinhos e quadrinhos; quadrinhos que dão certo e os que não prestam.

Como está o projeto de se criar um pólo do cinema nacional em Paulínia, no interior de São Paulo?
Rubens Ewald Filho – Estou bastante animado com esse projeto e as coisas estão indo muito bem. Tudo começou há uns quatro anos, quando o Prefeito Edson Moura, de Paulínia, procurou-me para fazer lá um festival de cinema. Eu falei para ele que já havia muitos festivais de cinema. Mas a proposta que ele me apresentou era muito maior: transformar a cidade num pólo de cinema, que também seria turístico, um tipo de turismo cultural. A cidade tem um problema grave: vive só da indústria do petróleo, que é uma indústria com data de falecimento. Se morrer o petróleo morre a cidade, então eles queriam transformar a cidade atraindo para lá o audiovisual, a indústria do entretenimento, que no mundo inteiro é muito forte. A minha parte foi pôr os pés no chão. Na Europa e nos Estados Unidos, visitamos os estúdios para escolher o melhor modelo. Fomos a Cannes conhecer o festival e mostrar a ele como fazia. Em Curitiba, fomos ver como é organizado o festival de teatro, visitar o Guiarão. Hoje, Paulínia tem o melhor teatro do interior. A cidade tem dinheiro e isso é um diferencial. Mas só isso não basta. É preciso vontade de trabalhar aquilo culturalmente, e foi o que ele fez. Ficamos uns três anos lá, fizemos o Primeiro Festival de Paulínia, e houve eleição. Seu sucessor não quis me liberar e continuo lá como consultor do pólo e curador do festival. A cidade tem um estúdio e está construindo mais três, um bem grande e dois pequenos, para produção de televisão. Tem teatro funcionando, escola de cinema que é muito legal, vai ter um museu que será chamado Museu da Imaginação, coisa do futuro – o Marcelo Dantas fez, é sensacional. O pólo deve disponibilizar neste ano uns R$ 8 milhões para a produção, dois milhões para séries e programas de televisão, e seis para longas-metragens. A gente não interfere no conteúdo, mas exige que 25% do filme sejam feitos na cidade, e sejam contratados estagiários de lá, assim como outras despesas sejam realizadas lá também. Não interferimos no trabalho, apenas leio o roteiro e avalio os projetos.

O que achou de O Menino da Porteira, feito por lá?
Achei que seria um filme interessante comercialmente, até acompanhei parte das filmagens. Infelizmente, ficou insosso, sem graça e bobo. Mas outros já foram rodados lá, uns oito ou dez e há patrocínio para uns 30. Agora vamos fazer outro pacote. Não tenho números ainda, mas vamos começar as inscrições de projetos.

A revista Veja o chamou de “o homem do Oscar”, por causa das tantas vezes em que participou da apresentação do prêmio e pelo seu conhecimento. Como você se sente com relação a isso?
A ligação é tanta que até escrevi um livro para falar sobre ela: O Oscar e Eu. Em todos os meus livros, sou extremamente objetivo e discreto, eu não me coloco muito. Acho que o único em que eu me coloquei foi o do Oscar, a pedido da editora, que queria dessa forma. Fiz o livro em tempo recorde; terminei de madrugada, vomitando e passando mal.

Quando você entrevista algum ator de quem gosta, como faz para evitar a tentação da tietagem? Uma de suas entrevistas, com o Ed Harris, você fez muitos elogios a ele.
É muito difícil para o brasileiro entrevistar um ator estrangeiro. Primeiro porque o tempo é curto demais, até para aprofundar ou criar qualquer relacionamento. A única coisa que você pode falar é sobre o Brasil e se a pessoa tem alguma relação com o País. Você pode entrevistá-los durante dez anos e, mesmo assim, eles não o reconhecem. De alguma forma, se a pessoa estava realmente bem no papel você tem que encontrar alguma coisa boa para puxar assunto. Por acaso, sou fã do Ed Harris. E era um caso muito especial, em que ele herdou um papel que era do Dennis Hopper. Então era também uma forma de deixá-lo aberto pra responder o que eu queria ouvir. Minha técnica de entrevista é fazer um bate-papo. Eu não venho preparado demais, eu dou uma olhada na carreira da pessoa, e tento ouvir tudo aquilo que ela tem a dizer. O que me incomoda mais em qualquer pessoa que me entrevista, particularmente em televisão, é isso. Se a pessoa preparou a entrevista antes, ela está com um papelzinho e ela não me ouve. Acho que quem cumpre tarefa burocrática dessa maneira deveria repensar porque escolheu essa área para trabalhar, pois é muito ruim ser exibido ou demonstrar que sabe mais que o entrevistado. E o Ed Harris é tradicionalmente uma pessoa fechada. Daquela maneira, deu samba e ficou maravilhoso. Outra vez, entrevistei o ator John Savage, que fez Hair. Enquanto conversamos, ele me diz que está morando num sítio, numa fazenda, e que costuma passear sozinho. Resolvi perguntar se ele era uma pessoa espiritual. Ele disse que sim, e acabamos conversando sobre deus, o que era deus para ele, como ele se sentia, sem dogmatismo. E virou uma entrevista maravilhosa. O homem é muito inteligente, mas entrei também na dele, com a pergunta e o assunto certos. Ele não agüentava falar mais de filme, de violência; queria falar um pouco sobre sua experiência. O jornalista seguinte veio me indagar o que tinha dito a ele, pois ele só falava de mim, dizendo que foi a melhor entrevista que já havia concedido. Apenas deixei-o falar. Não é todo dia que eu vou encontrar um ator falando sobre como encontrar deus num rancho em Nevada.

O que é mais difícil: fazer uma entrevista, uma crítica ou interpretar?
Sabe que há muito em comum entre esses ofícios? Fazendo, você aprende a estrutura de cada uma e aprendendo uma ajuda a outra. Ao elaborar uma entrevista ou uma crítica, você deve saber conduzir o que está fazendo, de forma a uma coisa levar a outra. É importante chegar até o hoje. Os anos em que fiquei fazendo entrevistas foram para mim como fazer outra pós-graduação de interpretação, não de técnica de entrevista. De como aprender o que é a arte de interpretar. Hoje, essa experiência me ajuda muito na hora de lidar com o ator, dirigir ator. De respeitá-lo, respeitar o tempo deles, o processo de criação, porque eu discuti isso com muita gente, de todos os lugares possíveis. Já conversei com cineastas do mundo inteiro sobre processo de criação. A mim não interessava a fofoca; então eu acho que também aprendi muito artisticamente.

Trabalhar com atores, dirigir, entrevistar, assistir a um filme. Tudo bem. Mas como você lida com a crítica a seu trabalho?
Ainda bem que existem as pré-estréias (risos). Mas, para ter mais isenção, costumo convidar pessoas, se possível não amigas, para dar opinião. E acredito no que elas dizem. Não quero que riam ou reajam para me agradar, quero que sejam autênticos e sem idéias pré-concebidas. O bom crítico é aquele que aponta saídas, funções. Eu sempre conto a história do Inácio Araújo. Dizem até que virou crítico por minha causa, mas o fato é que tinha virado montador de cinema, quando eu fiz meu primeiro curta. Foi ele quem percebeu e me alertou que a primeira parte não combinava com a segunda. Era verdade, eu não tinha percebido, mas não dava mais tempo de arrumar. No teatro, você concerta no dia seguinte; no cinema, não. Respeito o crítico que me dá a dica; por outro lado, o crítico que fala por falar me deixa enlouquecido. Não consigo ver isenção. Mas serve para mim também, porque quando você lê a crítica avalia o crítico também. A boa crítica aponta soluções, mostra onde a pessoa errou ou acertou, discute as soluções sejam formais ou de idéia mesmo.

E como andam as críticas a seu trabalho no teatro?
Acho que estou até dando sorte com a crítica. Fui para o Festival de Teatro de Curitiba e estou com duas peças em cartaz: O Querido Mundo, há três anos, o que não é nada mal e também um sinal de que acertamos; e Lady Chatterley, que lançamos no festival. Ela teve uma crítica média, mas um dos críticos reclamou que não tiro a roupa das personagens e não mostro o sexo mais explícito. Desculpe, mas eu não estou ali para apresentar sacanagem; quer dizer, acho que o crítico nem tem consciência de que ficou excitado em ver a peça, que era exatamente o que queríamos. O fato de despertar a curiosidade, de querer mais da montagem era o nosso alvo. Isso não me aborreceu porque a pessoa soube avaliar uma série de outras coisas. Também serve como advertência aos críticos: é muito difícil fazer boas críticas em espaço curto e quase impossível fugir à superficialidade, pois você acaba falando muita bobagem. “Gostei” ou “não gostei” me dá sono e não é essa a questão. Frases pela metade, do tipo “é chato”, também não são boas para se avaliar uma obra de arte.

Como foi sua experiência dirigindo a HBO no Brasil?
Quando fui convidado para assumir o trabalho lá, estava no canal Showtime, na Abril. O Showtime foi um caso muito curioso e eu dizia na época que era o melhor canal de televisão por assinatura do mundo. Porque tinha todos os estúdios, tinha cinema francês, cinema nacional, absolutamente tudo. Tinha mais filmes bons do que horários para exibi-los. A HBO foi o autêntico herdeiro do Showtime. Praticamente o que havia de bom no Showtime foi levado para a HBO. Quando fui para lá, fizemos uma revolução. Eu era diretor de tudo, de produção e de programação. Fizemos tudo, a chamada, o tipo de letra, o tipo de apresentador, a roupa, como era apresentado um filme. O canal Cinemax foi criado do zero. Aliás, a marca já veio dos Estados Unidos, mas só. Infelizmente, a HBO foi vítima, primeiro, da falência da TVA; ficou sem o sócio brasileiro. Segundo, da ganância da Venezuela: o pessoal de lá veio aqui e detonou o canal, queriam mandar, achando que eles eram melhores que a gente. Acabaram com o canal e fomos obrigados a fechar o canal e mandar embora um monte de gente. Foi a coisa mais difícil pela qual passei, criar um grupo, montar uma equipe, treiná-la e mandar embora sem razão. Eu fui o último, apaguei a luz e fechei a porta.

Se soubesse desse final, você teria aceitado a missão?
Com toda certeza. Além da lição de vida, mesmo passados quase dez anos – tudo aconteceu em 2000 e 2001 –, as amizades e experiências permanecem para futuros desafios. Acho que é uma história que precisa ser contada, junto com a da tv por assinatura.

Qual é sua opinião sobre o jornalismo praticado hoje no Brasil?
Eu sempre fui um pouco adepto da teoria de que o sapateiro deve falar do sapato que concerta. Por isso, prefiro falar do jornalismo do cinema. Quando eu comecei a fazer crítica de cinema, sabia-se que no JT quem fazia crítica de cinema é porque estava ganhando pouco na sua área, então ganhava um pouquinho mais como forma de compensar o salário. Ou seja, não havia a preocupação de pegar uma pessoa da área. Eu entrei meio por acaso, como copidesque. Passei a subeditor de Variedades e, por acaso, entendia de cinema. Então essa falta de preocupação de pegar especialistas da área era uma coisa que o jornalismo sempre teve, porque ele sempre achou que a cultura não era uma coisa importante. E estou falando de um jornal com tradição e caderno específico sobre cultura. Para você ter uma idéia, o JT fez certa vez uma exposição e não havia qualquer menção nem ao Divirta-se, nem à revolução que fizemos na área. Não era um caderno só de reportagens, era um jornal meio revista e nosso trabalho mostrava o making of, os bastidores. Era o prenúncio do que pode se encontrar nos extras dos dvds, hoje. Há quarenta anos, já apontávamos que o cinema seguiria por esse caminho e já mostrávamos esse negócio do culto às celebridades, coisa que abomino por causa dos excessos, mas nem o próprio veículo se deu conta. O jornalismo, hoje mais do que nunca, é uma passagem, porque o jornalista vai trabalhar numa assessoria, no Governo, arranja um galho não sei onde, e muitas vezes não consegue se dedicar ao seu trabalho no jornal. Penso que é esse tipo de coisa que desprestigia. Aquele jornalismo épico muitas vezes mostrado no cinema se perdeu. Não temos mais o jornalismo investigativo por aqui. A gente tem revistas semanais que se seguram mais ou menos, mas os jornais…

Quais jornais você costuma ler?
Há muito não compro jornais brasileiros. Leio o The New York Times, dou uma passada no Uol e no Terra para ficar informado. Mas a internet também tem problemas. A democracia que oferece é sua maior qualidade e também seu maior defeito. Passe por lá e você verá que é tanto um fenômeno de crítica quanto é arrasado por elas. Um caso ilustra bem isso: a Tina Fey, atriz que ganhou o Globo de Ouro pela série 30 Rock e é a estrela do momento, deu uma entrevista quando ganhou o prêmio e disse: “Quem se acha uma grande estrela deve dar um pulinho na internet”. Se você está com problemas de ego, se achando maravilhosa, vai na internet e você vai encontrar sempre alguém acabando com você. Porque ninguém é ninguém, eu e o José da Silva temos o mesmo peso no Google. Só que o jornalismo tem embarcado por esse caminho de efemeridade e de falta de responsabilidade e compromisso com o que se escreve.

Apesar de seu nome aparecer mais de 220 mil vezes no Google…
Pode ser, mas não para o pesquisador casual, ou seja, a maioria dos internautas. Esses dias, eu recebi um comentário pela internet: “Gosto muito de você. Sempre defendo você quando dizem que não entende nada de cinema” (risos). É a primeira vez que isso acontece. Graças à internet, que popularizou a crítica. Mas devemos ter cuidado, pois a selva é verdadeira. Muita gente quer “ser igual ao Rubens Ewald Filho”, porque o conhecem superficialmente. “É o cara que entrevista celebridades, vai ao Oscar…”. Mas não se preocupam em aprender, em conhecer. Se pego um filme e há uma atriz dos anos 40 e não a conheço, fico absolutamente transtornado enquanto não for investigar quem é, quando e como surgiu, o que aconteceu e por que não fez sucesso? E quero saber também por que eu não a conheço! Isso não acontece com ninguém. As pessoas não têm o menor interesse em descobrir nada. E a internet hoje é uma arma de pesquisa sensacional, tem coisas incríveis e as pessoas não usam e não sabem usar. Muitos jornais também sobrevivem praticando aquele jornalismo enciclopédico, mas sem o estofo de um Ruy Castro ou um Marcelo Correia, que são pessoas que tiveram uma formação filosófica e fizeram muito mais do que publicar informação telegrafada. Mas eles são uma raça em extinção. Temo que o jornalista à moda antiga acabe e não encontre um substituto, nem mesmo na internet.

* Em 2014, Rubens Ewald comemora 45 anos de jornalismo. O jornalista Marcos Stefano colaborou nesta entrevista.

Texto e imagens reproduzidos do site: doispontosblog.wordpress.com

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