terça-feira, 15 de agosto de 2017

A memória dos projetores de cinema em Conservatória

 





Publicado originalmente no site Webinsider, em 17 de julho de 2017.

A memória dos projetores de cinema em Conservatória

Um museu de projetores de cinema para películas de todas as bitolas foi construído por Ivo Raposo, junto a réplicas do Metro Tijuca e do Café Palheta.

Por Paulo Roberto Elias.

Eu sou um daqueles privilegiados que ganharam a amizade do advogado Ivo Raposo Jr, com quem me encontro ocasionalmente para conversar sobre assuntos que nos dizem respeito, entre eles os aspectos técnicos do cinema, onde se incluem cabines e projetores.

A trajetória de vida do Ivo na área de cinema se confunde com aquela exibida no filme Cinema Paradiso, dirigido por Giuseppe Tornatore, e lançado em 1990 nestas paragens.

No filme, o menino Salvatore di Vita, o “Totò”, fascinado pela cabine do cinema local, se instrui como operador improvisado, depois de um acidente que inabilita o operador do cinema propriamente dito. O filme mostra também a censura católica exercida pelo pároco local, mandando cortar cenas inapropriadas para exibição.

Tudo isso o Ivo viveu dentro do Cinema Santo Afonso, de propriedade dos padres da Igreja do mesmo nome, no Rio de Janeiro. Um resumo desses acontecimentos foi postado no projeto “Planetary Projection”, feito pela editora canadense Caboose, com a participação de pessoas que tiveram contato temporário ou permanente com o trabalho de projecionista.

No caso específico do Ivo, que trabalhou no Santo Afonso e depois no então recém-inaugurado Bruni Saens Peña, em 1964 ele terminou seu trabalho como operador para estudar advocacia e tocar a vida adiante.

Mas, apesar de afastado da profissão que esposara na infância e adolescência, o amor pelo cinema e o antigo fascínio pela película e principalmente pelos projetores nunca morreram. Eles se integram de tal forma que se tornam indissociáveis da própria pessoa. E tanto isso é verdade, que quando eu lembro de falar com o Ivo a primeira coisa que eu associo a ele é este contínuo e frutífero amor pelos projetores, com os quais eu me identifico.

Anos atrás, eu ambicionava ter a chance de montar um mínimo que fosse da memória do cinema na nossa cidade. Para quem não sabe, na cidade do Rio de Janeiro aconteceram as principais iniciativas nos campos da produção, distribuição e exibição de filmes, e na Tijuca em particular a concentração de salas de cinema era uma das maiores distribuições de cinemas de rua por bairro. Tanto assim que ela ficou conhecida como “Cinelândia Tijucana”.

Por coincidência o Ivo e eu crescemos na Tijuca, onde a ida em direção à Praça Saens Peña para ir ao cinema era obrigatória. De todos os cinemas da Praça somente a cabine do Cinema Olinda, demolido em 1972, nunca foi por ele visitada, todas as outras ele conhecia os aparelhos e os operadores.

Resgatando projetores

Foi graças a este conhecimento que o Ivo conseguiu resgatar projetores de diversas fontes, inclusive os dos antigos Metros, que de outra maneira, iriam ser jogados fora.

Foram anos seguidos de persistência e muita luta para remontar a réplica que é rotineiramente visitada por turistas que se dirigem à Conservatória nos fins de semana, para os quais o Ivo faz uma preleção sobre o Metro-Tijuca e exibe alguns clipes dos sucessos da época.

Durante a minha peregrinação nas bibliotecas à cata de fotos e memória sobre os cinemas da Praça, eu jamais consegui arrumar material suficiente para sensibilizar alguma entidade ligada à cultura deste assunto, de maneira a ser construído um pequeno museu que fosse, ou uma pequena ala de projetores, com explicações em posters a respeito de cada um dos formatos de película.

Anos atrás, conversei pelo telefone com uma moça que estava encarregada da área de cinema da nova sede do Museu da Imagem e do Som, mas sem conseguir absolutamente nada. E foi neste ponto que eu decidi jogar a toalha.

A réplica do Café Palheta

Ao lado do Cinema Carioca, que ainda está de pé, ocupado por uma igreja evangélica impedida de mexer na sua estrutura interna e externa, por conta do tombamento, existia o Café Palheta, ponto de encontro de muita gente e programa obrigatório de quem ia ao cinema ou passava pela Praça. O Palheta, construído ao estilo dos bares norte-americanos, estava em perfeita consonância com o ambiente da Praça.

Café Palheta

No Palheta faziam-se os melhores Sundaes que eu já provei até hoje, com um creme de Chantilly preparado na casa, de inigualável sabor. A casa servia o café da marca bem na entrada, em um balcão na esquerda, que quase não se vê na foto acima. Lá para dentro, a comida era servida em um balcão extenso, que ia ao fundo e voltava. O Palheta ficava aberto até tarde, com um baita movimento. Hoje o local se tornou uma drogaria, mas o café continua sendo servido na entrada.

A réplica foi construída em prol da memória da Praça e fica bem ao lado da réplica do Metro-Tijuca:

Réplica do Metro Tijuca e do Café Palheta

Indo por lá neste fim de semana, eu aproveitei para capturar algumas imagens, que mostro a seguir, a primeira delas com o criador da réplica:

Café Palheta em Conservatória

E qual não foi a minha surpresa em ver que o Ivo aproveitou o espaço para montar também um pequeno museu de projetores, bastante semelhante ao que eu havia idealizado para o Museu da Imagem e do Som:

Museu de projetores de cinema

Nesta primeira imagem é possível ver os dois projetores Prevost italianos, para 70 e 35 mm, (pela lanterna azul fica fácil identifica-los), instalados originalmente no Cine Tijuca-Palace. Em um deles, um rolo com película 70 mm foi colocado em cima, para que o visitante tenha noção do carretel carregado com filme. No outro projetor, o carretel com película está em baixo.

Na ala seguinte, outros projetores de outras marcas completam a amostra:

Projetores de cinema

No lado oposto aos projetores, um pequeno balcão, em memória simbólica ao do Palheta, permite servir café aos turistas visitantes:

Em memória do Café Palheta

A mostra é fantástica, porque foram colocados em exibição nas prateleiras de cima projetores de outras bitolas, entre eles um par de RCA 400, que eu operei por vários anos ainda menino, propriedade de uma família que gostava de cinema em casa, mas que não tinha com quem contar para projetar os filmes alugados. Desnecessário dizer que ia lá com todo o prazer.

Esses RCA 400 tinham um som muito limpo, quase um milagre para a época. Mecânica similar foi usada nos telecines das emissoras equipadas com material RCA no Rio de Janeiro e em outras praças.

Na exposição todas as bitolas foram contempladas, de 8 até 70 mm, e isso dá a quem visita uma visão ampla do uso de película para a exibição de filmes. Cabe lembrar que a película de 16 mm foi usada extensamente em cinemas comerciais. Aqui na Tijuca existia o Cine Santa Rita, com projetores de 16 mm, localizado no Largo da Segunda-Feira, ponto central do bairro.

Todo este esforço para exibir os projetores tem o mérito da preservação que é necessária para o resgate da memória, resgate este que dá a chance a qualquer pessoa de conhecer a história de algum assunto, e se educar complementarmente, que é, aliás, o objetivo da criação de museus no mundo todo.

Quisera eu que a memória do cinema nesta cidade fosse um dia contemplado por alguém da administração pública, que se preocupe menos com a política e mais com a cultura propriamente dita. Infelizmente, eu sou um que não vou nem esperar sentado. À medida que o tempo passa, parece cada vez mais distante alimentar em espírito este tipo de expectativa.

Sorte nossa termos o Ivo fazendo sozinho o trabalho que os demais não fazem, e pelo menos ao alcance de quem visita Conservatória. Quem for por lá verá, acreditem! [Webinsider].

Texto e imagens reproduzidos do site: webinsider.com.br

Um comentário:

  1. Fantástico caro Ivo Raposo Junior! Parabéns mais uma vez, por preservar e compartilhar essa memória cinematográfica de valor incalculável. A revolução tecnológica, somado a mudança de comportamento do público, mudou radicalmente o cinema. Aproveito para agradecer a Paulo Roberto Elias, pela reportagem e cobertura fotográfica.

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