A memória dos projetores de cinema em Conservatória
Um museu de projetores de cinema para películas de todas as
bitolas foi construído por Ivo Raposo, junto a réplicas do Metro Tijuca e do
Café Palheta.
Por Paulo Roberto Elias.
Eu sou um daqueles privilegiados que ganharam a amizade do
advogado Ivo Raposo Jr, com quem me encontro ocasionalmente para conversar
sobre assuntos que nos dizem respeito, entre eles os aspectos técnicos do cinema,
onde se incluem cabines e projetores.
A trajetória de vida do Ivo na área de cinema se confunde
com aquela exibida no filme Cinema Paradiso, dirigido por Giuseppe Tornatore, e
lançado em 1990 nestas paragens.
No filme, o menino Salvatore di Vita, o “Totò”, fascinado
pela cabine do cinema local, se instrui como operador improvisado, depois de um
acidente que inabilita o operador do cinema propriamente dito. O filme mostra
também a censura católica exercida pelo pároco local, mandando cortar cenas
inapropriadas para exibição.
Tudo isso o Ivo viveu dentro do Cinema Santo Afonso, de
propriedade dos padres da Igreja do mesmo nome, no Rio de Janeiro. Um resumo
desses acontecimentos foi postado no projeto “Planetary Projection”, feito pela
editora canadense Caboose, com a participação de pessoas que tiveram contato
temporário ou permanente com o trabalho de projecionista.
No caso específico do Ivo, que trabalhou no Santo Afonso e
depois no então recém-inaugurado Bruni Saens Peña, em 1964 ele terminou seu
trabalho como operador para estudar advocacia e tocar a vida adiante.
Mas, apesar de afastado da profissão que esposara na
infância e adolescência, o amor pelo cinema e o antigo fascínio pela película e
principalmente pelos projetores nunca morreram. Eles se integram de tal forma
que se tornam indissociáveis da própria pessoa. E tanto isso é verdade, que
quando eu lembro de falar com o Ivo a primeira coisa que eu associo a ele é
este contínuo e frutífero amor pelos projetores, com os quais eu me identifico.
Anos atrás, eu ambicionava ter a chance de montar um mínimo
que fosse da memória do cinema na nossa cidade. Para quem não sabe, na cidade
do Rio de Janeiro aconteceram as principais iniciativas nos campos da produção,
distribuição e exibição de filmes, e na Tijuca em particular a concentração de
salas de cinema era uma das maiores distribuições de cinemas de rua por bairro.
Tanto assim que ela ficou conhecida como “Cinelândia Tijucana”.
Por coincidência o Ivo e eu crescemos na Tijuca, onde a ida
em direção à Praça Saens Peña para ir ao cinema era obrigatória. De todos os
cinemas da Praça somente a cabine do Cinema Olinda, demolido em 1972, nunca foi
por ele visitada, todas as outras ele conhecia os aparelhos e os operadores.
Resgatando projetores
Foi graças a este conhecimento que o Ivo conseguiu resgatar
projetores de diversas fontes, inclusive os dos antigos Metros, que de outra
maneira, iriam ser jogados fora.
Foram anos seguidos de persistência e muita luta para
remontar a réplica que é rotineiramente visitada por turistas que se dirigem à
Conservatória nos fins de semana, para os quais o Ivo faz uma preleção sobre o
Metro-Tijuca e exibe alguns clipes dos sucessos da época.
Durante a minha peregrinação nas bibliotecas à cata de fotos
e memória sobre os cinemas da Praça, eu jamais consegui arrumar material
suficiente para sensibilizar alguma entidade ligada à cultura deste assunto, de
maneira a ser construído um pequeno museu que fosse, ou uma pequena ala de projetores,
com explicações em posters a respeito de cada um dos formatos de película.
Anos atrás, conversei pelo telefone com uma moça que estava
encarregada da área de cinema da nova sede do Museu da Imagem e do Som, mas sem
conseguir absolutamente nada. E foi neste ponto que eu decidi jogar a toalha.
A réplica do Café Palheta
Ao lado do Cinema Carioca, que ainda está de pé, ocupado por
uma igreja evangélica impedida de mexer na sua estrutura interna e externa, por
conta do tombamento, existia o Café Palheta, ponto de encontro de muita gente e
programa obrigatório de quem ia ao cinema ou passava pela Praça. O Palheta,
construído ao estilo dos bares norte-americanos, estava em perfeita consonância
com o ambiente da Praça.
Café Palheta
No Palheta faziam-se os melhores Sundaes que eu já provei
até hoje, com um creme de Chantilly preparado na casa, de inigualável sabor. A
casa servia o café da marca bem na entrada, em um balcão na esquerda, que quase
não se vê na foto acima. Lá para dentro, a comida era servida em um balcão
extenso, que ia ao fundo e voltava. O Palheta ficava aberto até tarde, com um
baita movimento. Hoje o local se tornou uma drogaria, mas o café continua sendo
servido na entrada.
A réplica foi construída em prol da memória da Praça e fica
bem ao lado da réplica do Metro-Tijuca:
Réplica do Metro Tijuca e do Café Palheta
Indo por lá neste fim de semana, eu aproveitei para capturar
algumas imagens, que mostro a seguir, a primeira delas com o criador da
réplica:
Café Palheta em Conservatória
E qual não foi a minha surpresa em ver que o Ivo aproveitou
o espaço para montar também um pequeno museu de projetores, bastante semelhante
ao que eu havia idealizado para o Museu da Imagem e do Som:
Museu de projetores de cinema
Nesta primeira imagem é possível ver os dois projetores
Prevost italianos, para 70 e 35 mm, (pela lanterna azul fica fácil
identifica-los), instalados originalmente no Cine Tijuca-Palace. Em um deles,
um rolo com película 70 mm foi colocado em cima, para que o visitante tenha
noção do carretel carregado com filme. No outro projetor, o carretel com
película está em baixo.
Na ala seguinte, outros projetores de outras marcas
completam a amostra:
Projetores de cinema
No lado oposto aos projetores, um pequeno balcão, em memória
simbólica ao do Palheta, permite servir café aos turistas visitantes:
Em memória do Café Palheta
A mostra é fantástica, porque foram colocados em exibição
nas prateleiras de cima projetores de outras bitolas, entre eles um par de RCA 400,
que eu operei por vários anos ainda menino, propriedade de uma família que
gostava de cinema em casa, mas que não tinha com quem contar para projetar os
filmes alugados. Desnecessário dizer que ia lá com todo o prazer.
Esses RCA 400 tinham um som muito limpo, quase um milagre
para a época. Mecânica similar foi usada nos telecines das emissoras equipadas
com material RCA no Rio de Janeiro e em outras praças.
Na exposição todas as bitolas foram contempladas, de 8 até
70 mm, e isso dá a quem visita uma visão ampla do uso de película para a
exibição de filmes. Cabe lembrar que a película de 16 mm foi usada extensamente
em cinemas comerciais. Aqui na Tijuca existia o Cine Santa Rita, com projetores
de 16 mm, localizado no Largo da Segunda-Feira, ponto central do bairro.
Todo este esforço para exibir os projetores tem o mérito da
preservação que é necessária para o resgate da memória, resgate este que dá a
chance a qualquer pessoa de conhecer a história de algum assunto, e se educar
complementarmente, que é, aliás, o objetivo da criação de museus no mundo todo.
Quisera eu que a memória do cinema nesta cidade fosse um dia
contemplado por alguém da administração pública, que se preocupe menos com a
política e mais com a cultura propriamente dita. Infelizmente, eu sou um que
não vou nem esperar sentado. À medida que o tempo passa, parece cada vez mais
distante alimentar em espírito este tipo de expectativa.
Sorte nossa termos o Ivo fazendo sozinho o trabalho que os
demais não fazem, e pelo menos ao alcance de quem visita Conservatória. Quem
for por lá verá, acreditem! [Webinsider].
Texto e imagens reproduzidos do site: webinsider.com.br
Fantástico caro Ivo Raposo Junior! Parabéns mais uma vez, por preservar e compartilhar essa memória cinematográfica de valor incalculável. A revolução tecnológica, somado a mudança de comportamento do público, mudou radicalmente o cinema. Aproveito para agradecer a Paulo Roberto Elias, pela reportagem e cobertura fotográfica.
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