segunda-feira, 4 de junho de 2018

A experiência de ter trabalhado em um cinema


Publicado originalmente no site SONOTAS, em 8 de fevereiro de 2016 

A experiência de ter trabalhado em um cinema

Por João Gabriel Neves de Macedo 

Recordo-me de ter estudado cinema na disciplina de História da Comunicação durante a graduação e até participei da elaboração de uma Oficina de Cinema para o ensino médio no último ano do curso de História. Mas, apesar da admiração pela sétima arte (até então), nunca tinha imaginado trabalhar em um cinema.

Um dia, acabei entregando um currículo em um cinema e logo recebi uma ligação para participar de uma entrevista. Durante a entrevista fui alertado sobre o horário de trabalho (horário de shopping). A princípio, confesso que fiquei relutante com o horário, mas eu estava realmente precisando de um emprego. Então, após a entrevista (sexta feira), teria o final de semana (com várias estreias) para “sentir” o novo “trampo”.

A primeira coisa com que tive que me acostumar foi com o uniforme: uma camisa, uma calça tactel e um tênis All Star©. Usar o uniforme não era tão simples assim, porque você tinha que zelar muito bem por ele (lavar e passar), chegar antes do horário para vesti-lo (normas da empresa), tirá-lo antes de ir para o intervalo (normas da empresa), colocar ele antes de voltar do intervalo (normas da empresa) e tirá-lo, novamente, antes de ir embora (normas da empresa). Ufa! Não tem coisa melhor que a hora de ir embora.

Então, o jovem recém-graduado em história que estava realizando uma pós-graduação em música, amante de Haydn Mozart e Beethoven foi encarregado de passar o esfregão no saguão do cinema. Tinha mesmo que “começar varrendo o chão da fábrica”. A instrução era passar o esfregão no chão em forma de oito deitado, ou seja, infinitamente! Assim, a herança cultural portuguesa sobre o preconceito em realizar determinados tipos de trabalho não pode me deter e o chão ficou brilhando (até que no saguão tinha uma vista bacana de um dos parques da cidade).

Depois recebi ordens para limpar uma das salas após uma sessão. Se você não sabe, ainda não existem salas “autolimpantes”. Ao término de um filme, após os créditos e todos saírem da sala, entra em ação um grupo de dois ou três (dependendo do estado da sala) funcionários para realizar a limpeza. Enquanto um recolhe os copos (às vezes cheios) o outro vem varrendo do meio para o corredor e limpando as poltronas. Tem que ser rápido porque dentro de poucos minutos irá começar outra sessão.

“Cara, minhas pernas doem” – Eu dizia para mim mesmo enquanto recebia os óculos na saída da sessão 3D. Nas primeiras semanas, sentia muitas dores nas pernas porque tinha que ficar muito tempo em pé. Recordo-me das reclamações de minha mãe sobre sentir dores nas pernas após um dia intenso no trabalho e hoje posso dizer que a “velha” estava certa.

Por algumas vezes também operei a máquina que realizava a limpeza dos óculos 3D. Colocava-os em grades e depois as grades dentro da máquina (uma espécie de lava louças). A agua quente junto com um produto químico desinfetava-os. Depois de secos todos eram embalados manualmente.

No cinema também trabalhei na bomboniere do cinema. O lucro de um cinema está ligado ao consumo de produtos em sua bomboniere. Na bomboniere trabalhei no caixa e as vezes ajudava servindo pipoca e refrigerante.

Durante a jornada de trabalho às vezes visitava a sala de projeção (o que era proibido para os funcionários) e conversava com os operadores sobre o trabalho na cabine. Até que um dia fui chamado na sala da gerência e comunicado que eu, um “reles mortal”, iria trabalhar na projeção.

Quando as atividades na sala de projeção começaram, contei com a ajuda do meu amigo Lucas Dinato, um cara que, realmente, entende do assunto.
  

  
O cinema tinha dois projetores manuais e 3 digitais. O barulho das maquinas era intenso. Por isso, tínhamos que utilizar protetor auricular. Tudo que o Lucas me ensinava eu anotava em uma pequena agenda (até um tempo atrás eu ainda tinha ela) e posteriormente acabei escrevendo um manual.

Passar o filme pelo projetor era algo bastante difícil no começo, as curvas e medidas tinham que ser exatas. Caso contrário poderia danificar o filme riscando-o ou estourar a fita. Após alguns dias, eu estava habilitado a “soltar” as sessões sozinho.

Projetor Manual

Éramos em três operadores. Na cabine a correria é grande, porque você tem que soltar um filme em uma sessão, rebobinar a película para começar outra, trocar a lente do projetor (dependendo do filme). Sendo três salas embaixo e duas em cima.

Em meu primeiro dia sozinho na sala de projeção tudo corria bem. Eu estava conseguindo atender a demanda das sessões. Então, quase no final do expediente, ouço um barulho na cabina, uma espécie de estouro. Ao verificar, deparei-me com uma das rodas onde colocávamos a película para projeção caída e o filme danificado. Verifiquei que, após rebobinar a película e coloca-la na parte superior não apertei o parafuso suficientemente e conforme o movimento de rotação ela veio ao chão e com isso o filme foi danificado, a película partiu!


Entrei em desespero, mas sabia que precisava contorna a situação. Então, chamei o gerente (que também já havia trabalhado na projeção) e rapidamente “grampeamos” a película e colocamos para rodar novamente (Ufa fico aflito só de lembrar, que sufoco!)

Outra situação complicada foi quando não conseguia acertar o foco após efetuar a troca da lente (essa foi outra ocasião que precisei acionar o gerente).

O filme não é propriedade do cinema. Muitas pessoas acham que o cinema detém os títulos mesmo depois da sua exibição. Ocorre que as distribuidoras realizam a distribuição para os cinemas, sendo que a exibição é realizada por tempo determinado, conforme o contrato. Os filmes são entregues em formato película e em um tipo de HD externo. Os projetores podem ser manuais ou digitais. No projetor manual temos todo o trabalho de passar o filme por dentro dos grampos e presilhas. Já o projetor digital, funciona como um PC com um tipo de player para realizar a leitura do formato do arquivo que está o filme.

Tínhamos que tomar muito cuidado com o processo de arrefecimento dos projetores. Pois, o calor da lâmpada é suficiente para provocar um incêndio ou cegar uma pessoa. Também éramos responsáveis pela temperatura das salas.

A hora de ir embora é sempre um momento de descontração entre os colegas de trabalho. Íamos juntos caminhando e comendo pipoca até o terminal. Os colegas de trabalho eram os melhores, galera “alto-astral” (mantenho contato com alguns até hoje).

Quando ocorriam as pré-estreias o trabalho ia até mais tarde para o operador que ficava (isto quer dizer $$$)

Este texto é apenas um relato do que foi trabalhar no cinema. Apesar do pouco tempo que fiquei, o aprendizado foi grandioso.

Desejo agradecer ao nobre amigo Lucas Dinato pelo empenho em me ensinar a arte da projeção e lembra-lo que “A maravilha do Cinema consiste em um motor trifásico puxando duas rodas”; ao amigo e gerente Higor; amiga Josiane Oliveira (mulher batalhadora) e ao pessoal guerreiro Renan Pofirio, Daniele Kois, Mayara Cristina, Isabela Vitoria Araujo, Carol Nasser, Juliene Vieira, Pamela Fernanda, Renan Souza, Ronaldo Koiš, Jacqueline Netto,Elyton.

P.S. Ah, uma vez roubaram meu celular na área dos funcionários se alguém (funcionários) souber de alguma coisa por favor me avise. É… talvez seja um pouco tarde para isso, mas não perdi as esperanças. KKK

Texto e imagens reproduzidos do site: sonotas.wordpress.com

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