Publicado originalmente no site SONOTAS, em 8 de fevereiro de 2016
A experiência de ter trabalhado em um cinema
Por João Gabriel Neves de Macedo
Recordo-me de ter estudado cinema na disciplina de História
da Comunicação durante a graduação e até participei da elaboração de uma
Oficina de Cinema para o ensino médio no último ano do curso de História. Mas,
apesar da admiração pela sétima arte (até então), nunca tinha imaginado
trabalhar em um cinema.
Um dia, acabei entregando um currículo em um cinema e logo
recebi uma ligação para participar de uma entrevista. Durante a entrevista fui
alertado sobre o horário de trabalho (horário de shopping). A princípio,
confesso que fiquei relutante com o horário, mas eu estava realmente precisando
de um emprego. Então, após a entrevista (sexta feira), teria o final de semana
(com várias estreias) para “sentir” o novo “trampo”.
A primeira coisa com que tive que me acostumar foi com o
uniforme: uma camisa, uma calça tactel e um tênis All Star©. Usar o uniforme
não era tão simples assim, porque você tinha que zelar muito bem por ele (lavar
e passar), chegar antes do horário para vesti-lo (normas da empresa), tirá-lo
antes de ir para o intervalo (normas da empresa), colocar ele antes de voltar
do intervalo (normas da empresa) e tirá-lo, novamente, antes de ir embora
(normas da empresa). Ufa! Não tem coisa melhor que a hora de ir embora.
Então, o jovem recém-graduado em história que estava
realizando uma pós-graduação em música, amante de Haydn Mozart e Beethoven foi
encarregado de passar o esfregão no saguão do cinema. Tinha mesmo que “começar
varrendo o chão da fábrica”. A instrução era passar o esfregão no chão em forma
de oito deitado, ou seja, infinitamente! Assim, a herança cultural portuguesa
sobre o preconceito em realizar determinados tipos de trabalho não pode me
deter e o chão ficou brilhando (até que no saguão tinha uma vista bacana de um
dos parques da cidade).
Depois recebi ordens para limpar uma das salas após uma
sessão. Se você não sabe, ainda não existem salas “autolimpantes”. Ao término
de um filme, após os créditos e todos saírem da sala, entra em ação um grupo de
dois ou três (dependendo do estado da sala) funcionários para realizar a
limpeza. Enquanto um recolhe os copos (às vezes cheios) o outro vem varrendo do
meio para o corredor e limpando as poltronas. Tem que ser rápido porque dentro
de poucos minutos irá começar outra sessão.
“Cara, minhas pernas doem” – Eu dizia para mim mesmo
enquanto recebia os óculos na saída da sessão 3D. Nas primeiras semanas, sentia
muitas dores nas pernas porque tinha que ficar muito tempo em pé. Recordo-me
das reclamações de minha mãe sobre sentir dores nas pernas após um dia intenso
no trabalho e hoje posso dizer que a “velha” estava certa.
Por algumas vezes também operei a máquina que realizava a
limpeza dos óculos 3D. Colocava-os em grades e depois as grades dentro da
máquina (uma espécie de lava louças). A agua quente junto com um produto
químico desinfetava-os. Depois de secos todos eram embalados manualmente.
No cinema também trabalhei na bomboniere do cinema. O lucro
de um cinema está ligado ao consumo de produtos em sua bomboniere. Na
bomboniere trabalhei no caixa e as vezes ajudava servindo pipoca e
refrigerante.
Durante a jornada de trabalho às vezes visitava a sala de
projeção (o que era proibido para os funcionários) e conversava com os
operadores sobre o trabalho na cabine. Até que um dia fui chamado na sala da
gerência e comunicado que eu, um “reles mortal”, iria trabalhar na projeção.
Quando as atividades na sala de projeção começaram, contei
com a ajuda do meu amigo Lucas Dinato, um cara que, realmente, entende do
assunto.
O cinema tinha dois projetores manuais e 3 digitais. O
barulho das maquinas era intenso. Por isso, tínhamos que utilizar protetor
auricular. Tudo que o Lucas me ensinava eu anotava em uma pequena agenda (até
um tempo atrás eu ainda tinha ela) e posteriormente acabei escrevendo um
manual.
Passar o filme pelo projetor era algo bastante difícil no
começo, as curvas e medidas tinham que ser exatas. Caso contrário poderia
danificar o filme riscando-o ou estourar a fita. Após alguns dias, eu estava
habilitado a “soltar” as sessões sozinho.
Projetor Manual
Éramos em três operadores. Na cabine a correria é grande,
porque você tem que soltar um filme em uma sessão, rebobinar a película para
começar outra, trocar a lente do projetor (dependendo do filme). Sendo três
salas embaixo e duas em cima.
Em meu primeiro dia sozinho na sala de projeção tudo corria
bem. Eu estava conseguindo atender a demanda das sessões. Então, quase no final
do expediente, ouço um barulho na cabina, uma espécie de estouro. Ao verificar,
deparei-me com uma das rodas onde colocávamos a película para projeção caída e
o filme danificado. Verifiquei que, após rebobinar a película e coloca-la na
parte superior não apertei o parafuso suficientemente e conforme o movimento de
rotação ela veio ao chão e com isso o filme foi danificado, a película partiu!
Entrei em desespero, mas sabia que precisava contorna a
situação. Então, chamei o gerente (que também já havia trabalhado na projeção)
e rapidamente “grampeamos” a película e colocamos para rodar novamente (Ufa
fico aflito só de lembrar, que sufoco!)
Outra situação complicada foi quando não conseguia acertar o
foco após efetuar a troca da lente (essa foi outra ocasião que precisei acionar
o gerente).
O filme não é propriedade do cinema. Muitas pessoas acham
que o cinema detém os títulos mesmo depois da sua exibição. Ocorre que as
distribuidoras realizam a distribuição para os cinemas, sendo que a exibição é
realizada por tempo determinado, conforme o contrato. Os filmes são entregues em
formato película e em um tipo de HD externo. Os projetores podem ser manuais ou
digitais. No projetor manual temos todo o trabalho de passar o filme por dentro
dos grampos e presilhas. Já o projetor digital, funciona como um PC com um tipo
de player para realizar a leitura do formato do arquivo que está o filme.
Tínhamos que tomar muito cuidado com o processo de
arrefecimento dos projetores. Pois, o calor da lâmpada é suficiente para
provocar um incêndio ou cegar uma pessoa. Também éramos responsáveis pela
temperatura das salas.
A hora de ir embora é sempre um momento de descontração
entre os colegas de trabalho. Íamos juntos caminhando e comendo pipoca até o
terminal. Os colegas de trabalho eram os melhores, galera “alto-astral”
(mantenho contato com alguns até hoje).
Quando ocorriam as pré-estreias o trabalho ia até mais tarde
para o operador que ficava (isto quer dizer $$$)
Este texto é apenas um relato do que foi trabalhar no
cinema. Apesar do pouco tempo que fiquei, o aprendizado foi grandioso.
Desejo agradecer ao nobre amigo Lucas Dinato pelo empenho em
me ensinar a arte da projeção e lembra-lo que “A maravilha do Cinema consiste
em um motor trifásico puxando duas rodas”; ao amigo e gerente Higor; amiga
Josiane Oliveira (mulher batalhadora) e ao pessoal guerreiro Renan Pofirio,
Daniele Kois, Mayara Cristina, Isabela Vitoria Araujo, Carol Nasser, Juliene
Vieira, Pamela Fernanda, Renan Souza, Ronaldo Koiš, Jacqueline Netto,Elyton.
P.S. Ah, uma vez roubaram meu celular na área dos
funcionários se alguém (funcionários) souber de alguma coisa por favor me
avise. É… talvez seja um pouco tarde para isso, mas não perdi as esperanças.
KKK
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