quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Era Uma Vez na Cinelândia

 Prestígio: Novidades no mundo do cinema eram sempre apresentadas ao público em noite de gala. Na foto, o Cine Ritz é reinaugurado como Rivoli, em 1958 


Era uma vez na Cinelândia
por Camilo Vannuchi

 
A aventura de quem luta para recuperar as salas do centro, o drama de quem não vive sem elas e os bastidores da operação que promete transformar esse filme de terror em uma superprodução com final feliz
  
VOCÊ SABIA? Que não havia pipoca nos cinemas? Pipoca era coisa de circo! Nas salas da Cinelândia, as bombonières serviam apenas balas e bombons. Podia-se tomar café, água ou refrigerante, mas não era permitido entrar na plateia com comida ou bebida.

Seu colega Abrahão Maia da Silva, de 67 anos, é outro projecionista aposentado que não disfarça a nostalgia. “Hoje, os cinemas são construídos em um cantinho do shopping, quase sempre sem o devido cuidado”, diz ele, que foi projecionista no Cine Jussara e, nos anos 60, fazia a manutenção das salas de Paulo Sá Pinto.

Curiosamente, a Cinelândia fascina não apenas quem viveu seu auge, mas também quem ainda não era nascido quando o Marabá foi inaugurado. Atílio Santarelli, de 50 anos, não teve oportunidade de passar em frente ao Fasano quando o restaurante ficava na Rua Vieira de Carvalho. Também não conheceu os tempos áureos da lanchonete Ponto Chic, no Largo do Paissandu, nem esteve na abertura do Le Casserole, no Largo do Arouche. Santarelli aprendeu a amar a Cinelândia por influência do pai, que havia sido dono de um cinema em Santo André, e hoje mantém uma farta coleção de rolos, cartazes e seis improváveis projetores herdados de alguns dos principais cinemas de São Paulo.

O que o atrai, ele diz, não são os filmes ou os atores, mas a estrutura desses templos. “As salas de hoje têm projeção excelente, mas são todas iguais”, afirma Santarelli, que mantém o fotoblog Cinemas Antigos do Brasil. “No tempo da Cinelândia, as pessoas vestiam sua melhor roupa para ir ao cinema e o faziam pelo prazer de tomar parte em um evento social requintado. O título da fita, muitas vezes, era menos importante do que a sala.” Resumindo, é como se a expressão “Vamos ver o que está passando no Cine Marrocos” fosse mais natural do que “Vamos ver onde está passando O Curioso Caso de Benjamin Button”.

A única sala atual comparável às da Cinelândia é o Imax. A novidade é parecida
com o cinemascope, lançado no Cine República em 1952.

A avaliação de Santarelli coincide com a de Antonio Ricardo Soriano, de 38 anos, autor do blog Salas de Cinema de São Paulo. Na opinião de Soriano, fã incondicional do extinto Cine Comodoro, a única sala atual comparável às da Cinelândia – que tem o espaço e a tecnologia como atrativos – é o Imax. A novidade reproduz uma sensação semelhante à provocada pelo Cinemascope quando lançado no Cine República, em 1952, e pela visão em 180 graus do Cinerama, trazido pelo Comodoro em 1959. “Acredito que há uma demanda reprimida por salas que ofereçam mais do que a mera exibição do filme e, por isso, confio no sucesso do novo Marabá”, diz Soriano. Júlio Simões, jornalista que acaba de transformar a história da sala em trabalho de conclusão de curso, engrossa a torcida. “Decidi pesquisar o tema em 2007, quando notei que o Marabá era o único cinema do Centro a manter exibição comercial ”, diz. “A mim, pareceu um tanto constrangedor que a cidade não tenha preservado nenhuma outra.”
  
A derrocada da Cinelândia teve início nos anos 60, quando a televisão se disseminou. O mundo de fantasia projetado naqueles templos era agora condensado em uma caixa de madeira com tela de vidro que rapidamente ocupou lugar de honra nos lares paulistanos, como um totem eletrônico. O golpe de misericórdia seria dado em 1964, com o fenômeno de audiência de O Direito de Nascer, novela exibida pela TV Tupi que foi pioneira em alçar atores e atrizes do vídeo à condição de astros e estrelas, transferindo-lhes a admiração até então restrita à turma de Hollywood.

Inimá Simões, autor do livro Salas de Cinema de São Paulo (editado pela Secretaria Municipal de Cultura em 1990), elenca ainda outras razões que contribuíram para a derrocada da Cinelândia, entre eles a reconfiguração urbana da metrópole. “Nos anos 60, o lazer se deslocou para a Avenida Paulista, ao mesmo tempo em que o Centro deixou de ser um local acolhedor”, afirma Simões.“A prostituição avançou da Luz para a São João e a escalada do crime afastou muitas famílias.”

O cinema também mudou a partir dos anos 50. Pouco a pouco, os estúdios deixaram de atender o público infantil e os fãs de seriados e faroestes. “Era o que mais dava audiência”, afirma o ilustrador santista Diamantino da Silva, de 83 anos, que vinha a São Paulo toda quarta-feira e não descia a serra sem assistir a uma ou duas sessões de bangue-bangue. “Em 1955, os estúdios deixaram de produzir seriados, que já haviam migrado para a televisão, e logo as fitas de mocinho e bandido começaram a rarear. Só com isso, o cinema perdeu metade do público”, exagera ele, que vive em São Paulo desde os anos 60.

Foto e texto reproduzidos do site: evistaepocasp.globo.com

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