Prestígio: Novidades no mundo do cinema eram sempre apresentadas ao público em noite de gala. Na foto, o Cine
Ritz é reinaugurado como Rivoli, em 1958
por Camilo Vannuchi
A aventura de quem luta para recuperar as salas do centro, o
drama de quem não vive sem elas e os bastidores da operação que promete
transformar esse filme de terror em uma superprodução com final feliz
VOCÊ SABIA? Que não havia pipoca nos cinemas? Pipoca era
coisa de circo! Nas salas da Cinelândia, as bombonières serviam apenas balas e
bombons. Podia-se tomar café, água ou refrigerante, mas não era permitido
entrar na plateia com comida ou bebida.
Seu colega Abrahão Maia da Silva, de 67 anos, é outro
projecionista aposentado que não disfarça a nostalgia. “Hoje, os cinemas são
construídos em um cantinho do shopping, quase sempre sem o devido cuidado”, diz
ele, que foi projecionista no Cine Jussara e, nos anos 60, fazia a manutenção
das salas de Paulo Sá Pinto.
Curiosamente, a Cinelândia fascina não apenas quem viveu seu
auge, mas também quem ainda não era nascido quando o Marabá foi inaugurado.
Atílio Santarelli, de 50 anos, não teve oportunidade de passar em frente ao
Fasano quando o restaurante ficava na Rua Vieira de Carvalho. Também não
conheceu os tempos áureos da lanchonete Ponto Chic, no Largo do Paissandu, nem
esteve na abertura do Le Casserole, no Largo do Arouche. Santarelli aprendeu a
amar a Cinelândia por influência do pai, que havia sido dono de um cinema em
Santo André, e hoje mantém uma farta coleção de rolos, cartazes e seis
improváveis projetores herdados de alguns dos principais cinemas de São Paulo.
O que o atrai, ele diz, não são os filmes ou os atores, mas
a estrutura desses templos. “As salas de hoje têm projeção excelente, mas são
todas iguais”, afirma Santarelli, que mantém o fotoblog Cinemas Antigos do
Brasil. “No tempo da Cinelândia, as pessoas vestiam sua melhor roupa para ir ao
cinema e o faziam pelo prazer de tomar parte em um evento social requintado. O
título da fita, muitas vezes, era menos importante do que a sala.” Resumindo, é
como se a expressão “Vamos ver o que está passando no Cine Marrocos” fosse mais
natural do que “Vamos ver onde está passando O Curioso Caso de Benjamin
Button”.
A única sala atual comparável às da Cinelândia é o Imax. A
novidade é parecida
com o cinemascope, lançado no Cine República em 1952.
A avaliação de Santarelli coincide com a de Antonio Ricardo
Soriano, de 38 anos, autor do blog Salas de Cinema de São Paulo. Na opinião de
Soriano, fã incondicional do extinto Cine Comodoro, a única sala atual
comparável às da Cinelândia – que tem o espaço e a tecnologia como atrativos –
é o Imax. A novidade reproduz uma sensação semelhante à provocada pelo
Cinemascope quando lançado no Cine República, em 1952, e pela visão em 180
graus do Cinerama, trazido pelo Comodoro em 1959. “Acredito que há uma demanda
reprimida por salas que ofereçam mais do que a mera exibição do filme e, por
isso, confio no sucesso do novo Marabá”, diz Soriano. Júlio Simões, jornalista
que acaba de transformar a história da sala em trabalho de conclusão de curso,
engrossa a torcida. “Decidi pesquisar o tema em 2007, quando notei que o Marabá
era o único cinema do Centro a manter exibição comercial ”, diz. “A mim,
pareceu um tanto constrangedor que a cidade não tenha preservado nenhuma
outra.”
A derrocada da Cinelândia teve início nos anos 60, quando a
televisão se disseminou. O mundo de fantasia projetado naqueles templos era
agora condensado em uma caixa de madeira com tela de vidro que rapidamente
ocupou lugar de honra nos lares paulistanos, como um totem eletrônico. O golpe
de misericórdia seria dado em 1964, com o fenômeno de audiência de O Direito de
Nascer, novela exibida pela TV Tupi que foi pioneira em alçar atores e atrizes
do vídeo à condição de astros e estrelas, transferindo-lhes a admiração até
então restrita à turma de Hollywood.
Inimá Simões, autor do livro Salas de Cinema de São Paulo
(editado pela Secretaria Municipal de Cultura em 1990), elenca ainda outras
razões que contribuíram para a derrocada da Cinelândia, entre eles a reconfiguração
urbana da metrópole. “Nos anos 60, o lazer se deslocou para a Avenida Paulista,
ao mesmo tempo em que o Centro deixou de ser um local acolhedor”, afirma
Simões.“A prostituição avançou da Luz para a São João e a escalada do crime
afastou muitas famílias.”
O cinema também mudou a partir dos anos 50. Pouco a pouco,
os estúdios deixaram de atender o público infantil e os fãs de seriados e
faroestes. “Era o que mais dava audiência”, afirma o ilustrador santista
Diamantino da Silva, de 83 anos, que vinha a São Paulo toda quarta-feira e não
descia a serra sem assistir a uma ou duas sessões de bangue-bangue. “Em 1955,
os estúdios deixaram de produzir seriados, que já haviam migrado para a
televisão, e logo as fitas de mocinho e bandido começaram a rarear. Só com
isso, o cinema perdeu metade do público”, exagera ele, que vive em São Paulo desde os
anos 60.
Foto e texto reproduzidos do site: evistaepocasp.globo.com
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