Publicado originalmente em 1/02/2009.
Adeus, Zé Sozinho!
Com enorme pesar,
registro o falecimento de José Raimundo Cavalcante, aos 67 anos, mais
conhecido pela alcunha de “Zé Sozinho” ocorrido nesta segunda-feira, 26, em
Juazeiro do Norte. Assim de cara poucos saberiam de quem se trata tal nota de
falecimento. Coisas do Brasil, do Ceará e do Cariri onde só se destacam os
potentados do vil metal.
Zé Sozinho não
poderia receber outro nome que não fosse este de uma sociedade excludente,
míope, cruel e indiferente à arte dos pequenos, sobretudo àqueles que fizeram a
opção pela maioria (os pobres e miseráveis). Os que transformaram a própria
vida num sacerdócio em favor do bem e de uma causa nobre, mesmo no anonimato da
mídia e longe dos banquetes das elites, assim como dos holofotes de uma
imprensa que só tem olhos para a mesmice e para os castelos dos poderosos.
Zé Sozinho era
tão humilde, consciente e espirituoso que logo absorveu com naturalidade e
senso de humor este epíteto. Aliás, algo que lhe caíra como uma luva, em parte,
pelo fato de aumentar a sua “fama” entre os raros aparelhos midiáticos do Sul.
O que não foi lá muita coisa, nem para o trabalho que fazia e, tampouco para si mesmo. Foi por assim dizer, um
transgressor em potencial. Um homem de exceção, como bem dissera certa feita o
filósofo Nietzsche.
Oriundo da
agricultura, granjeou, contra tudo e contra todos, relativo sucesso ao
popularizar a sétima arte entre os excluídos dos sertões. Muitos dos quais a
própria sobrevivência já é um milagre. Tantas foram as cidadezinhas, muitas
delas, até hoje, nunca tinha conhecido de perto uma projeção cinematográfica,
que Zé Sozinho, só ele e Deus conseguiu realizar a troco de nada. Tudo em nome
da paixão que mantinha pelo cinema.
Zé respirava
cultura e sofria de diabetes. Doença que durante anos tentou curar talvez por
meio do amor e a determinação que dedicou às projeções pelas bibocas do nosso
interior. Não teve jeito. Seu pobre coração de homem bom resolveu parar nesta
segunda-feira. Zé Sozinho não curou o diabetes, mas deu um grande exemplo de
cidadania e solidariedade cultural para o Ceará e o Brasil: fez a sua parte da
melhor forma possível como protagonista e ‘diretor do filme maior que foi a sua
vida’. O cinema para ele, era uma arma para a feitura do bem. Um instrumento
pelo qual se poderia mudar a face do país, assim como a cabeça e o coração dos
homens.
Considerava-se
filho do Caririaçu-CE, onde chegou ainda em tenra idade como retirante
pernambucano de Pajeú das Flores. Mas Caririaçu era o rincão que ele carregava
de bicicleta junto com o seu projetor de 16 mm e latas de películas para onde
quer que fosse. Seu apelido se deu em função desse seu ofício. Porém há quem
diga que foi por conta da sua mãe que sozinha conseguira criar seus cinco
filhos. Sozinho, no decurso de 36 anos viveu da sua paixão pelo cinema.
Qualquer lugar para ele, era ideal para uma projeção cinemática. No meio da
praça, debaixo da ponte, na rua deserta, no tabuleiro da caatinga, no galpão
abandonado, no adro da igreja, tudo era possível… Podia até ser sozinho, mas
não era um homem solitário nem triste, posto que seus filmes constituíram um
mundo à parte com o qual ele dialogava era feliz por isso.
Ágil, disposto e
inteligente subia ele mesmo na árvore, montava o alto-falante. Debaixo dela
instalava o seu velho projetor e logo, a alegria estava construída. Seus filmes
eram a um só tempo: entretenimento e lenitivo para quase todas as agruras e as
dores daquele mundão esquecido de meu Deus. Filmes antigos, às vezes emendados,
mas bons, consagrados e fascinantes para uma gente que nunca na vida conhecera
um cinema de verdade. Tudo ali era novo. Até Coração de Luto, O ébrio, imagens
esportivas de Pelé, Garrinha do Flamengo antigo no canal 100, O dólar furado, Casa
Blanca, Romeu e Julieta, Mazzaropi, Chaplin, Oscarito e outras pérolas raras da
Vera Cruz, Atlântida e Cinédia que a partir de Zé Sozinho pareciam novinhas em
folha… Não fossem o riscado da fita e o preto e branco das cores. Muitos até
choravam durante suas projeções romanescas como nos velhos tempos.
Seu enterro
aconteceu nesta terça-feira, 27 na sua Caririaçu, na serra de São Pedro. Onde
certamente ficará mais perto de Deus, eternamente, assim como os filmes que
apresentava pelos grotões adentro. Hollyood não sabe, mesmo assim me arisco a
dizer que o cinema verdadeiro perdeu muito. Está de luto com o desencarne de Zé
Sozinho. Mesmo aqui, neste canto escondido do Brasil onde quem sabe, por Zé
Sozinho, todos haveremos de viver e levar a utopia da vida até as suas últimas
conseqüências…
Outro dia, por
absoluta força do acaso, tive o prazer de conhecê-lo, não de carne e osso(como
deveria), mas pela telinha mesmo estando tão próximos. Foi numa noite por meio
do programa do Jô Soares da TV Globo, quando Zé Sozinho foi entrevistado.
Estava radiante de felicidade. Falava da sua história e dos filmes como se
estivesse no estrelado, dentro deles. Achei bárbaro aquele homem simples,
diferente e determinado. Depois do programa fiquei matutando: como eu um
pesquisador sempre atento às coisas do mundo nunca tinha ouvido falar daquela
figura da cidadezinha vizinha de nós?! E disse para mim mesmo. – Algo está
errado. Nossos talentos não merecem tanto desprezo. A quem podia interessar
tanto ostracismo?! No fundo todos nós sabemos a resposta…
Zé Sozinho falava
do Cariri e do seu Caririaçu com doçura. Era um abnegado, incompreendido pelos
que se acham iluminados, mas que só enxergam os caminhos do poder. Os
verdadeiros coitados e ignorantes. Porque a arte e a cultura não dependem e nem
precisam tanto deles. Zé Sozinho foi um “inteirado” fazedor de sonhos,
justamente para tantos que perderam a capacidade de sonhar. Por isso agora Deus
haverá de vê-lo lá em cima com bons olhos. Fellini, Mazzaropi e tantos outros
amantes inveterados da sétima arte não o permitirão sequer que continue sendo
chamado como entre nós. Porque no céu nosso Zé, nunca mais estará sozinho. Quem
sabe os imortais passem a chamá-lo simplesmente de Zé do Povo.
Adeus grande Zé!
Agora você nunca mais ficará Sozinho. A solidão, ao contrário do que pensamos é
coisa da vida. Porque sozinhos ficamos nós, os sertanejos do Cariri e do
Nordeste inteiro, sem as suas mirabolantes e sensacionais projeções de bondade,
educação, saudade, cultura e alegria. Zé Sozinho deve está agora se divertindo
pra valer ao lado do mestre com as suas sempre novas projeções
cinematográficas.
José Cícero da Silva
Secretário de Cultura de Aurora – CE
Joaseiro.com
Texto reproduzido do blog: joaseiro.wordpress.com
ZÉ SOZINHO
ResponderExcluirPor Francisco Cleudimar F. de Lira
Pernambucano de Pageú das flores, "Zé Sozinho" chagou à Cajazeiras como sempre aterrissou em outros logares por onde andava, carregando em uma bicicleta, junto com o seu projetor de 16 mm, latas de fitas que variavam dos temas religiosos aos velhos faroestes, bem como, os enesquecívesis filmes de Tarzan e os clássicos Sansão e Dalila, O Ébrio e as produções musicais da Cinédia. Para ele, que começou a viver essa paixão pelo cinema logo cedo, qualquer lugar era ideal para uma projeção de cinema. Podia ser no meio da praça, debaixo da ponte, em uma rua deserta, no tabuleiro da caatinga, num galpão abondonado, no adro de uma igreja, tudo era possível.
Na sua passagem por Cajazeiras, "Zé Sozinho" instalou sua visionária maquinaria de sonhos nas proximidades da Camilo de Holanda - mais precisamente em um galpão que ficava de frente para uma pracinha construída pelo então prefeito Antônio Quirino de Moura, intermediada pelo vereador na época João de Manoelzinho. No local, onde durante o dia era uma oficina mecânica e para ele, à noite, uma sala de cinema, "Sozinho" exibia seus filmas. O calor do teto de zinco e o cheiro do óleo e da graxa que existia no lugar, não nos desanimava. Lembro-me muito bem que neste espaço, "Zé Sozinho" exibia filmes variados, cujas sessões podiam ser para menores de 14 anos, 16 e até 18 anos, embora nada fosse proibido na sua sala improvisada, pois adolescente de 14 anos, via filmes para maiores de 18 anos.
Pessoas que viveu próxima a "Zé Sozinho", costumava dizer que ele era uma cara ágil, disposto e inteligente. Nas suas andanças pelas cidadezinhas do interior da Paraíba, Ceará e Pernambuco, chegou a subir em uma árvore pra montar o seu alto-falante e logo abaixo instalar o seu velho projetor. E assim, o mesmo completava a alegria. Suas películas eram uma miscigenação de gostos, onde se podia ver ao mesmo tempo filmes que começavam como as antigas chanchadas da Atlântida e finalizava com os filmes de Texeirinha. O Dólar Furado com pedaços de humor dos comediantes Oscarito, Zé Trindade e Grande Otelo. A Paixão de Cristo versos Roberto Carlos em Rítimo de Aventura e Besouro Verde. E ai por diante... Tudo se resumia na sua forma de entender e de como para "ele", devia ser o cinema.
Reproduzido do blog: cajazeirasdeamor.blogspot.com.br
Caro José Cícero, foi com pesar que soube da morte de Zé Sozinho. Tenho um blog dedicado ao cinema e publiquei recentemente um post "Confraria do 16 mm." onde conto um pouco da história do Luiz Edmundo, que até hoje tem mania de projetar filmes para os amigos, paixão parecida com as de Zé Sozinho, Zagati, Alan Duarte, Ubirajara, Walson, Atílio, Ivo Raposo, Lula Cardoso e eu também me incluo. Um dia contarei também a história de todos eles que têem em comum a "PAIXÃO POR PROJETAR FILMES". São cinéfilos, projecionistas e colecionadores, uns com mais posses que outros, ou mais cultura, mas algo muito forte em comum o "AMOR PELO CINEMA" que os tornam ESPECIAIS, pois vivem a divulgar esta arte, muitas vezes, para pessoas que nunca tiveram oportunidade de assistir a um filme em uma tela grande, ao mesmo tempo que preservam para a memória: Cartazes, carretéis, projetores, latas, maletas, filmes, e outros acessórios que tendem a desaparecer rapidamente, em decorrência do avanço rápido das novas tecnologias. É uma pena que os governantes não tenham a preocupação e a sensibilidade de olharem mais para a cultura de nosso país, enquanto pessoas humildes e sem condições econômicas, a exemplo de Zé Sozinho, que com toda as dificuldades econômicas, viajava com seu cinema, fazendo a felicidade das pessoas humildes como ele, projetando seus filmes em praça pública. Mas Zé, estamos aquí ainda, e vamos continuar amando, divulgando e preservando esta arte fantástica, que reune todas as outras, a 7a. Arte.
ResponderExcluirUm abraço, Armando