Ismael Garcia comanda a cabine do Cine Eldorado, em Rio Preto.
Foto: Carlos Chimba.
Operando magia
No escurinho do cinema
Por Igor Galante
Quando o público se acomoda na cadeira, abre o saco de
pipoca e prega a vista no brilho da luz que emana daquela tela grande e incide
nos olhares mais atentos, sequer lhe vem à mente que lá no alto, na “cabine de
comando”, há um sujeito labutando a todo vapor, atento a cada detalhe, num
trabalho silencioso e muitas vezes solitário, para que a sessão corra sem
problemas. Eles são os operadores cinematográficos, pessoas quase anônimas que
fazem a magia do cinema acontecer. Em Rio Preto, boa parte deles lida com este
ofício há 20 ou 30 anos e é apaixonado pelo que faz, mesmo diante do baixo
salário e das condições de trabalho. Para o operador não há feriado, dia de
descanso. “É preciso amar esta profissão”, conta Carlos Malaguti, 49 anos,
operador há quase 20. Ele trabalha nas salas Cine Center Jalles, de propriedade
da Cinematográfica Havaí. O sistema de lá ainda é o mais antigo, que usa dois
projetores para cada uma das salas.
Como funciona:
Isso porque o rolo de um filme padrão, de uma hora e meia a
duas horas, vem dividido em seis e até sete latas. O operador precisa pegar
cada uma das partes e colar, para que se tornem um único rolo. Depois este rolo
é passado para a bobina de um dos projetores. Só que as máquinas mais antigas,
como a do Center Jalles, têm uma bobina pequena, que não suporta toda a área do
filme. Então ele é dividido em duas. É aí que entra a destreza do operador
cinematográfico. Ele precisa ficar atento para o momento em que o filme termina
na primeira bobina para liberar a outra. E isso requer extrema habilidade para
que o público não perceba qualquer tipo de corte na cena. “A gente fica o tempo
todo ligado na marcação. Depois que o filme começa a ser exibido é que o nosso
trabalho tem início. Não dá para marcar bobeira”, diz Malaguti, que também
trabalha como pedreiro e pintor.
“Essas máquinas antigas valorizam mais o trabalho do
operador. Se ele não for bom na hora da marcação de passagem de uma bobina para
outra, a platéia perceberá o corte. Para o pessoal da ‘velha guarda’, existe
até uma competição, sadia, de ver quem é capaz de fazer a passagem sem nenhum
problema. É um orgulho para eles”, diz o presidente do Sindicato dos Operadores
Cinematográficos do Estado de São Paulo, também um operador. Nestas máquinas
antigas, a atenção deve ser sempre redobrada. Como o rolo tem de cinco a seis
emendas, elas correm o risco de sair do trilho e ser perfuradas nas passagens.
“A responsabilidade é muito grande”, acrescenta o operador Manoel Marcos
Martim, 53, na profissão há 30 anos. Martim começou em Rio Preto, no início da
década de 70, no antigo Cine Ipiranga. Ele conta que o interesse pelo trabalho
de bastidores no cinema começou quando freqüentava o Cine Rio Preto - onde hoje
funciona o Praça Shopping, com as sessões das 22 horas do Zig Zag, onde o filme
era passado em episódios.
“É preciso gostar muito, porque você fica isolado, fechado
na cabine, só ouvindo o som das máquinas. Mas no nosso caso não dá tempo nem de
sentar”. “A nossa motivação é perceber que o público ficou satisfeito. Quando
isso acontece, é porque a projeção foi ‘ok’ e isso é muito bom”, diz o operador
Adelino Curti, 36 anos, do Cine Votuporanga, desde os 16 nesta profissão.
“Trabalhar com isso é uma arte”, sintetiza Ismael Garcia, 55 anos, do Cine
Eldorado. A história de Garcia é curiosa: por mais de 30 anos, desde 1970, ele
trabalhou como porteiro em cinema. Começou no extinto São José, no Centro de
Rio Preto. E só há um ano e quatro meses subiu as escadas para ocupar uma
cabine de projeção. “A sensação é como se eu nunca tivesse participado disso,
mesmo estando no cinema há 30 anos. As pessoas pensam que tudo aqui acontece
como um passe de mágica. Mas no fundo há um pouco de mágica sim”.
Operadores cobram regulamentação:
Um projeto de lei que regulamenta a profissão de operador
cinematográfico está emperrada na Câmara dos Deputados, em Brasília, desde
1992. A informação é de Jesair Macedo da Silva, presidente do Sindicato dos
Operadores Cinematográficos do Estado de São Paulo. Ainda no primeiro semestre
deste ano vamos reunir os sindicatos dos Estados do Sul e Sudeste para discutir
a situação. Vamos tentar acelerar o processo”, afirma Silva. Sem regulamentação
junto ao Ministério do Trabalho, a profissão de operador cinematográfico
depende só de um artigo na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e direitos
que são adquiridos a partir de acordos coletivos com o Sindicato das Empresas
Exibidoras Cinematográficas, que anualmente discutem o reajuste de benefícios e
salários.
O piso salarial de um operador cinematográfico é de R$ 556
para Capital, Grande São Paulo e cidades do Interior com mais de 300 mil
habitantes - que é o caso de Rio Preto. Para outros municípios o piso cai para
R$ 412. A carga horária é de 5 horas ao dia. “Muitos interpretam a profissão
como um ‘bico’, dado o número baixo de horas diárias trabalhadas”, aponta o
presidente. Segundo ele, um dos principais itens propostos no projeto de lei de
regulamentação da profissão diz respeito à qualificação de profissionais. Não
existe um procedimento legal que viabilize o ingresso de quem queira trabalhar
como operador cinematográfico. “O que queremos é um curso técnico, para
qualificar adequadamente estes profissionais e assim valorizar a própria
classe”, diz. Segundo o sindicato, existem hoje no Estado de São Paulo 2,1 mil
operadores cinematográficos em atuação. Até 2002, o Brasil comportava 1690
salas, com São Paulo responsável por um terço do mercado exibidor brasileiro. A
título de curiosidade, 92% dos municípios do Brasil, de acordo com levantamento
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não possuem salas de
cinema.
Novo equipamento facilita:
A chegada de empresas americanas em formato multiplex -
complexo de entretenimento que reúne várias salas - como o Cinemark, em meados
dos anos 90, trouxe algumas novidades para as salas de projeção e modernizações
que não só passaram a oferecer mais conforto e deleite de tecnologia de som e
imagem para o público, mas que facilitaram bem a vida dos operadores
cinematográficos. Isso porque os sistemas modernos de projeção dispensam o uso
de dois projetores. Assim, o filme corre em apenas uma máquina. Nesta linha, o
que há de mais moderno é o sistema de prato. Todas as partes do filme ficam
coladas em um prato deitado ao lado do projetor. Este filme, que passa pela
parede, vai até o projetor e sai do outro lado, sendo enrolado num prato vazio.
Outro sistema moderno, mas nem tão atual, é o que os operadores chamam de
torre. Sua diferença é que a bobina onde o filme é enrolado é bem maior do que
a dos projetores antigos. Assim, as partes do filme cabem todas nesta única
bobina, o que dispensa toda aquela mão-de-obra que os operadores tinham, e têm,
em alguns cinemas, até hoje.
“Hoje, eles são mais projecionistas do que operadores. O
trabalho é menor para quem tem estes sistemas”, afirma Marcelo Chainça,
proprietário do Cine Eldorado e operador cinematográfico por muitos anos.
Jesair Macedo da Silva, presidente do Sindicato dos Operadores Cinematográficos
do Estado de São Paulo, lembra também de outras novidades. “A qualidade das
lentes e do processamento do som é muito superior ao que existia há alguns
anos, dando mais brilho, definição, com pouco ofuscamento. O foco dos
projetores é a laser ou por leitura magnética, o que torna a captação e
projeção de som e imagem mais apuradas, limpas, sem ruídos”, explica. A
Cinematográfica Araújo, dona das salas multiplex da ala nova do Riopreto Shopping
Center, não autorizou a reportagem a entrevistar ou tirar fotos de seus
operadores cinematográficos.
Cinema retrata a profissão:
Nenhum filme retrata de maneira tão genial o universo íntimo
da relação do operador cinematográfico com o cinema, como “Cinema Paradiso”, de
Giuseppe Tornatore, que levou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1989.
Desde esta época, a história do projecionista Alfredo (Philippe Noiret) e o
garoto Totó (Salvatore Cascio), o filme tem sido motivo de culto no mundo. A
trama de “Cinema Paradiso” - que chega no formato DVD em novembro deste ano -
se passa nos anos que antecederam a chegada da televisão, em uma pequena cidade
da Sicília. O garoto Totó (Cascio) fica hipnotizado pelo cinema local e procura
a amizade de Alfredo (Noiret), projecionista que tinha um enorme coração. Todos
estes acontecimentos chegam em forma de lembrança, quando agora Totó (Jacques
Perrin) cresce e torna um cineasta de sucesso. A história de Totó é
praticamente uma reprodução da vida do próprio Tornatore. “O filme fascina
tanto porque é uma declaração de amor ao cinema”, diz o cineasta.
Sessão repetida é verdadeira tortura:
Quem não conhece o trabalho de operação e projeção deve
ficar se perguntando: como eles conseguem assistir ao mesmo filme dezenas de
vezes? Bem, a resposta é a seguinte: eles não assistem da mesma maneira que a
platéia. “A gente assiste a primeira vez, quase sempre por curiosidade, quando
o filme causa interesse. Depois eu assisto só para fazer as marcações da
passagem de uma bobina para a outra, sem prestar mais atenção. Com isso não
somos pegos de surpresa. Mas tem gente que não suporta”, explica o operador do
Cine Center, Manoel Marcos Martim. “Às vezes é uma tortura, principalmente
quando o filme é chato ou muito longo”, confessa o operador cinematográfico
Adelino Versuti, de Votuporanga. Os anos, conta ele, fizeram com que olhasse
para a tela e para os filmes de modo mais “racional”, sem tanta magia. “É um
trabalho. Assisto ao filme para ficar atento à marcação, sempre. Uma vez já
aconteceu de acabar o rolo de uma bobina e a tela ficar escura. Daí virou
aquela gritaria dentro do cinema. Um operador não gosta disso”, completa Carlos
Malaguti, do Center Jalles.
Foto e texto reproduzidos do site: diarioweb.com.br/cinema
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