Publicado originalmente no site paraiba.com.br, em 1 de março de 2014.
Mecânico luta para manter aberto o único cinema de rua da
Paraíba
Com a afabilidade de Alfredo, o amor de Totó pela sétima
arte e a determinação de Francisglaydisson, o mecânico Regilson Cavalcanti
Silva, de 32 anos, sustenta, há dois, seu Cinema Paradiso com as adversidades
de um Cine Holliúdy. Inaugurado em 13 de fevereiro de 2012, o Cine RT (R, de
Regilson, e T, de Thamires, mulher dele) fica em Remígio, na Paraíba. Com pouco
mais de 17 mil habitantes e distante 147 km da capital, João Pessoa, a cidade
que possui uma única videolocadora ainda dá pouca atenção ao empreendimento.
— Quando a semana tá boa, eu chego a ter 45 pessoas aqui —
conta Regilson, que ganha a vida consertando motos numa oficina montada há oito
anos, numa rua próxima ao cinema.
Com filmes dublados em duas sessões, de segunda a
sexta-feira, às 18h e às 20h, e uma matinê às 16h, nos sábados e domingos, o
cinema cobra ingressos de R$ 4 (meia) e R$ 8 (inteira). Mesmo mantendo uma
programação atualizada — na semana passada estava em cartaz “Frankenstein —
Entre anjos e demônios”, de Stuart Beattie, que seguia no circuito carioca até
o último dia 13 —, ele não consegue levantar receita suficiente para manter o
cinema. Somando o aluguel do prédio, o custo com filmes — que pode chegar a R$
2 mil a unidade —, os impostos e as despesas operacionais, o Cine RT parece um
investimento kamikaze.
— Não é pelo lucro, não, que eu nunca tive — lamenta o
mecânico — As contas não fecham, e eu tenho que usar dinheiro da oficina para
manter o cinema aberto. Já houve mês em que eu precisei tirar R$ 1.500 do bolso
para cobrir as despesas. Minha mulher já me disse para largar isso, porque há
dois anos vivemos numa recessão financeira.
Mesmo assim, a mulher ajuda o mecânico. E Regilson não quer
fechar as portas tão cedo. Mais que um sonhador, ele é um idealista:
— Estou nessa pelo amor que tenho aos filmes e pela vontade
de fazer as pessoas da minha cidade voltarem a frequentar o cinema.
Na infância, fraldas eram a tela
A paixão vem de criança. Quando moleque, Regilson entrava no
extinto Cine São José para ver Os Trapalhões e, na saída, fuçava o lixo à
procura de restos de película jogados fora, que levava para casa como se fossem
troféus, tal qual o personagem Totó do filme “Cinema Paradiso” (1988), de
Giuseppe Tornatore:
— Eu pegava essas películas, colocava numa caixa de sapatos
adaptada com lâmpada e lente e as projetava nas fraldas de pano dos meus
irmãos, que eram bem branquinhas, davam uma ótima tela.
Único cinema de Remígio, o Cine São José teve seus dias de
glória entre os anos 1960 e 70 e fechou as portas de vez no começo da década de
90. Com o passar do tempo, Regilson ficou amigo do neto do antigo dono do
cinema. E, depois de começar a frequentar as salas mais próximas a Remígio — em
um multiplex na cidade de Campina Grande, distante 30 km —, tornou-se amigo do gerente
e dos técnicos do lugar. Lá encontrou quem lhe ensinasse a magia dos 24 quadros
por segundo, como o projecionista Alfredo, de “Cinema Paradiso”.
Isso foi o suficiente para o mecânico decidir que era hora
de ter seu próprio cinema. Regilson convenceu os herdeiros do antigo Cine São
José a alugar o prédio e comandou seis meses de reformas, enquanto rodava a
Paraíba em busca de um projetor de 35 milímetros. Comprou dois, ao preço de R$
3.500, e reformou um deles utilizando as melhores peças do outro. Conseguiu,
também, um som profissional, com o qual pode exibir os filmes em sistema 5.1. A
sala é um grande galpão com teto de zinco e cem cadeiras de plástico. O filme é
projetado na antiga tela do Cine São José, que Regilson recuperou, com 7 metros
de largura por 3,8 de altura.
Nesse tempo o mecânico-dono de cinema também construiu uma
poderosa rede envolvendo, numa ponta, gerentes de cinemas de Campina Grande,
João Pessoa e Recife (PE) e, na outra, as próprias distribuidoras, conversando
com elas por e-mail.
— Negocio direto com as distribuidoras — diz, orgulhoso, o
gerente, programador e operador do Cine RT. — Tenho cadastro em todas elas.
Ligo para os gerentes, vejo os filmes que estão com boa bilheteria e as praças
que vão liberá-los mais cedo e negocio com as distribuidoras.
Aventura e comédia são os favoritos do público. O cinema foi
inaugurado com “A saga Crepúsculo: Amanhecer — Parte 1”. Os campeões de
bilheteria nestes dois anos foram “Gonzaga — De pai pra filho” e “Os
Vingadores”, com uma média de 350 pessoas por semana cada.
Junto à bombonière, há cartazes anunciando “Robocop”, de
José Padilha, e “Hércules”, de Renny Harlin, como próximas atrações.
— Tenho o único cinema de rua da Paraíba, e com programação
de shopping! — comemora o dono do Cine RT.
Longa cearense teve bilheteria fraca.
A comédia “Cine Holliúdy” (2013), de Halder Gomes, também
passou por lá, mas, segundo Regilson, não foi muito bem de bilheteria. Alguma
semelhança com a história do personagem Francisglaydisson, que, no interior do
Ceará, decide concorrer com a TV e montar um cinema, tido como opção de
entretenimento decadente?
— A gente achou parecida essa história de que todo mundo
dizia que não daria certo abrir um cinema — responde o mecânico.
O Cine RT ainda carece de poltronas adequadas, luta que
Regilson colocou no topo de suas prioridades.
— Acredito que, se eu conseguir poltronas para cá, o público
irá aumentar. Dar conforto é a minha prioridade agora — confessa ele, já de
olho num multiplex de João Pessoa que acabou de se desfazer de mil poltronas.
Apesar das dificuldades, e ciente de que Hollywood já
decretou a morte dos filmes em 35 milímetros, o incansável Regilson Silva não
desanima.
— Enquanto houver película, eu sigo em frente com o Cine RT
— promete.
Foto e texto reproduzidos do site: wwww.paraiba.com.br
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Veja + sobre o cineminha de Regilson, clicando no link abaixo:
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