Publicado originalmente no site da Gazeta do Povo, em 03/11/2012.
Igual ao Cinema Paradiso.
Por Fernanda Trisotto.
Mudança na projeção de filmes, do rolo para o digital,
provocou também uma transformação na relação das pessoas com o cinema
Desde que Cid
Linhares começou a trabalhar, em 1966, muita coisa mudou nas salas de projeção
de cinema. Os projetores não são mais de carvão, os rolos de filme estão dando
espaço para a reprodução digital, o espaço encolheu, a quantidade de pessoas
envolvidas na atividade diminui e é proibido fumar em ambientes fechados. “Quem
trabalha aqui é um solitário. Os melhores amigos do projecionista eram o café e
o cigarro”, resume Linhares, de 61 anos.
Atualmente, ele trabalha no Cine Guarani, espaço mantido
pela Fundação Cultural de Curitiba, e deve se despedir da profissão em
fevereiro, quando planeja se aposentar. Parar de trabalhar, no entanto, não
está nos planos: já foi convidado para supervisionar a projeção de uma rede de
cinema de shopping.
Linhares rodou o Brasil e, mais do que as mudanças
tecnológicas, também assistiu a uma transformação cultural. “A coisa mais
gostosa do meu tempo de cinema era ver a pessoa ter reação, sentir o cheiro de
cinema. Hoje não existe mais. Está se perdendo a essência”, diz.
Foi numa projeção, inclusive, que conheceu sua mulher. Era
uma ‘matinada’ e a sala tinha um cheiro gostoso, de perfume. Em um intervalo,
ele desceu, olhou para a mulher e começaram a conversar. Foi um pulo para virar
um namoro e, por fim, um casamento. Os dois estão juntos há 43 anos.
Amor.
Linhares se orgulha de nunca ter danificado um só rolo de
filme. “Os filmes eram muito fracos e pegavam fogo”, explica. Segundo ele, o
ritual da projeção é simples. Cada filme vem em cerca de cinco rolos de
película fotográfica. É o operador que monta e revisa todas as produções antes
de colocar no projetor e passar para o público.
Às vezes, as coisas não saíam como o esperado. Entre 1969 e
1970, época que ele chama de epidemia de faroeste, o cinema em que trabalhava
tinha três projetores, que recebiam os rolos individualmente. Três passaram sem
problema, mas o quarto tinha uma sequência de luta de espadas, sem qualquer
relação com o filme. “Foi um griteiro no cinema. Subiu gerente para reclamar,
mas a culpa não era minha. O rolo veio trocado de outro cinema, porque eles
traziam de bicicleta. Era uma confusão.”
Por suas mãos passaram as projeções de clássicos do cinema,
como Ben-Hur, e sucessos de bilheteria, como Ghost. O primeiro é um de seus
filmes preferidos, junto com outros épicos, como Os Dez Mandamentos e O Rei dos
Reis. Já o blockbuster... “Foi um saco. Ghost ficou um ano e meio passando. Eu
não aguentava mais.”
Embora tenha amor pelo cinema, Linhares revela que não gosta
de assistir filmes nas horas de folga. No salão então, nem pensar. “É porque se
eu vejo algum defeito, comento”, conta rindo ao lembrar que isso de falar mal
de filmes é uma das coisas que foi ensinado a nunca fazer.
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Resistência.
Jovem vira projecionista para unir os sistemas analógico e
digital.
Engana-se quem pensa que apenas senhores seguem na profissão
de projecionista: há jovens atraídos pela magia do cinema. Daniel Silveira
Souza, 34 anos, trabalha há 2 anos na Cinemateca Brasileira em São Paulo. “Vi
na profissão uma oportunidade, uma necessidade de fazer parte de uma
resistência já que está desaparecendo, mas ao mesmo tempo tentando ser uma
espécie de visionário, como quem quer provar ao mundo que existe alguma cabeça
que vê a co-existência dos sistemas analógico e digital.”
Responsável pelas projeções da cinemateca, Souza ministra
cursos. A convite da Fundação Cultural, falou em Curitiba sobre esse período de
transição, o funcionamento dos sistemas analógico e digital e discutindo o
futuro da profissão. “A ideia é mostrar para projecionistas da velha guarda que
bits não são perigosos quando sabemos manipulá-los e que não adianta
problematizá-los quando dependemos desse conhecimento para prosseguir.” (FT).
Texto e foto reproduzidos do site: gazetadopovo.com.br
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