Foto postada por Máquina de CINEMA, para ilustrar o presente artigo.
Coisa de Cinema.
Por Amílcar Carneiro.
Qualquer um sabe que tudo que é fantástico, grandioso,
extremamente belo ou maravilhoso é chamado “coisa de cinema”, que vem a ser
herança incontestável da fantástica fábrica de sonhos chamada Hollywood. A frase
já dá ideia de espetáculo de grandes proporções. Mas no diversificado mundo do
cinema, fora dos estúdios e dos grandes espetáculos, no último elo da cadeia
que é o exibidor, principalmente o do interior, aconteceram coisas de cinema
que ninguém conhece e nem gostaria de participar.
Foram situações que só quem viveu na dependência da exibição
e que sentiu na pele os problemas pode relatar. Quem hoje vai a uma locadora,
ou adquire, mesmo na calcada, um DVD pirata e escolhe qual filme quer assistir,
no horário que bem entender, não imagina o esforço que se fazia para colocar um
filme em cartaz. Os exibidores do interior, sempre relegados a último plano,
tiveram momentos dificílimos para manter uma programação de agrado do público
que não tinha escolha. Meu pai, que era conhecido em Castanhal como Duca do
cinema, não media esforço para estrear um bom filme, que sabia ser de agrado do
público em geral. Ainda hoje me pergunto como é que, em 1957, ele conseguiu
exibir, no dia das crianças, o filme “Pinochio”, desenho de Walt Disney, dando
uma sessão gratuita para qualquer aluno fardado e os do Colégio São José e
Grupo Escolar Cônego Leitão estiveram em peso, já que eram os únicos
estabelecimentos que adotavam fardas na época. Mas as situações inusitadas foram
muitas, algumas pitorescas, poucas desastrosas, a maioria com final feliz.
Vou relatar duas que acredito sejam de interesse para quem
quer ter uma idéia de como funcionava a exibição e transportes de filmes. Vale
lembrar que uma fita de 35 mms, com duração de 120 minutos era embalada em
partes, com um peso médio de 20 kgs. Corria o ano de 1974, sexta-feira santa,
na época o melhor dia para os exibidores quando se dava 5 sessões do filme “A Vida
de Cristo”. Nosso circuito, com quase 20 cinemas, tinha um problema para esse
dia, pois havia mais salas exibidoras do que copias do filme. Para que o cinema
de Santa Izabel não ficasse sem o filme foi montada uma operação para exibição
simultânea com Castanhal, da seguinte maneira: sessão dupla em Castanhal, começando
19:30. Exibida a primeira metade, saia um carro rumo a Santa Izabel onde a
sessão começava mais tarde, às 20:30 e retornava de imediato para pegar a outra
metade em Castanhal, voltando para Santa Izabel a tempo de continuar a exibição
da última parte. Ai Voltava de Santa Izabel com o filme completo para fazer a última
sessão em Castanhal. Tudo saiu a contento, com o público satisfeito e o dono do
cinema também com as bilheterias correspondendo ao esforço, mas bastaria um
pneu furado, por exemplo, para que o esquema falhasse e gerasse insatisfação do
público em ambas as praças.
Outro caso digno de menção foi na estreia do filme “007
Contra o Homem com a Pistola de Ouro”. Era um sábado com programação dupla, o
007 e mais um filme de karatê como era de costume nos anos 1970. O filme viria
de Imperatriz e deveria ser despachado na véspera de ônibus, mas por algum
motivo o ônibus não trouxe a carga. A solução emergencial foi por via aérea,
utilizando-se um voo da Varig que no dia seguinte fazia escala em Imperatriz e
que traria o filme para Belém, onde seria recebido em tempo hábil. Assim meu
pai saiu de Castanhal as 18 h, e se tudo corresse bem o filme estaria em
Castanhal a tempo de ser exibido, mas na dúvida não se podia nem começar a
vender ingressos. Às 19h15min uma multidão já se formada em frente a bilheteria
e nada da confirmação da chegada do filme em Belém. Às 19:30 consegui contato
telefônico com o setor de carga da Varig no aeroporto e a confirmação de que
meu pai estava lá. Falei com ele que confirmou o pouso do avião e que já estava
vendo o Mescouto com o filme nas costas (Mescouto era um funcionário nosso,
exclusivo para fazer remessa e receber filmes em Belém. Tinha acesso a todo
departamento de carga de todas as empresas transportadoras, fosse aérea,
marítima ou rodoviária). Ele havia entrado no compartimento de carga do Boeing
737, saiu de lá com o filme e ficou esperando para assinar a papelada de praxe,
enquanto meu pai zarpava em uma Variant chegando em Castanhal a tempo da
exibição no horário certo. Mas por pouco o plano não foi por águas abaixo.
Publicado originalmente na Revista Independente
(2006/2007).
Texto reproduzido do blog: memoriasdocineargus.blogspot.com.br
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