Publicado originalmente no site Zoom Magazine, em 01 de setembro de 2017
Entrevista Zoom - O Homem da Cabine.
Por cteditora
Nas salas de projeção, entre o claro e o escuro… Confira a
entrevista com o diretor Cristiano Burlan, que dirigiu o grupo de cinema
experimental Super-8
Cristiano Burlan é diretor de cinema e teatro. Na década de
1990, morou em Barcelona (Espanha), onde dirigiu o grupo de cinema experimental
“Super-8”. Esteve à frente do grupo de teatro “A Fúria” e estudou na Academia
Internacional de Cinema – AIC, onde, atualmente, é professor de Direção de
Atores no curso FilmWorks – Formação Profissional em Cinema. Além dos
curtas-metragens A Espera (2004), Opus Hamlet Machine (2005), Os Solitários
(2005), 4:48AM (2005) e Lucrecia (2007), realizou o média-metragem Dissonante
(2008), o longa Corações Desertos (2006) – que esteve na seleção oficial da
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – e o documentário Construção
(2007), selecionado para o É Tudo Verdade e o Festival Internacional del Nuevo
Cine Latinoamericano, em Havana. No momento, ele se acha envolvido na
pré-produção do outro longa de ficção, Sinfonia de um Homem Só.
O mais recente trabalho de Burlan é outro documentário, O
Homem da Cabine, que mostra a rotina dos projecionistas de cinema, ofício que o
realizador define como “uma profissão com os dias e as horas contadas”. O
filme, que esteve em cartaz no Cinesesc no início do ano e que segue fazendo
carreira em festivais, é simultaneamente marcado por contemporaneidade e
nostalgia. Fala do momento atual, da revolução digital e de seus
desdobramentos, além de embarcar com simpatia nas histórias pitorescas desses
personagens e de sua relação com o cinema.
O diretor constrói um mosaico desses “homens das cabines”,
que contam suas histórias, divagam sobre o cinema e o trabalho exigente e
solitário e fazem prospecções sobre o futuro da projeção cinematográfica. Nesta
entrevista, o cineasta fala sobre a obra e suas implicações.
A FIGURA DO PROJECIONISTA SEMPRE O INTERESSOU? OU ESTE
PERSONAGEM SE MOSTROU UM TEMA CURIOSO POR ESTAR DIRETAMENTE LIGADO ÀS
DISCUSSÕES SOBRE OS NOVOS FORMATOS DE CAPTAÇÃO E EXIBIÇÃO E A POSSIBILIDADE DE
O FILME EM PELÍCULA SE EXTINGUIR?
A figura do projecionista sempre me interessou. Mas, antes
da realização de cada filme, minha motivação vem sempre da possibilidade de me
enxergar no “outro”. Neste trabalho, em especial, tive o desejo de desvendar o
cotidiano de um profissional pouco
conhecido, o projecionista ou operador cinematográfico. Sempre me perguntei o
que acontecia com esses homens que passam dez horas dentro de uma sala escura,
tendo contato com filmes. Além de ter encontrado figuras interessantes e ter me
deparado com pessoas que sofreram transformações em suas vidas por esse contato
tão íntimo com a projeção, descobri, também, que é uma profissão em extinção,
por vários motivos: o fechamento dos cinemas de rua e a abertura das salas
multiplex dos shoppings centers; o avanço da tecnologia e a popularização da
projeção digital; além da própria extinção da película 35mm, que está fadada a
acabar.
A MAIOR PARTE DOS
PROJECIONISTAS QUE VOCÊ ENTREVISTOU É CONSTITUÍDA POR CINÉFILOS? HOUVE ALGUMA
DISCUSSÃO SOBRE A FORMA E A POSSIBILIDADE DE NOVOS SIGNIFICADOS QUE UM FILME
PODE VIR A ADQUIRIR APÓS SER VISTO MUITAS VEZES?
Nem todos os projecionistas são apaixonados por cinema, mas
há casos em que se tornam cinéfilos. No documentário, o projecionista Nelson –
que trabalhou por mais de 30 anos no Cine Bijou –, fala, em seu depoimento,
que, dependendo da intensidade da cena, ele aumentava ou diminuía o volume.
Para ele, o projecionista deve participar da projeção como parte integrante do
processo cinematográfico.
COMO CINEASTA, QUAIS SÃO SUAS IMPRESSÕES SOBRE O PROCESSO DE
EXTINÇÃO DO FILME EM PELÍCULA?
O cinema não é um formato, não é uma bitola. O cinema, antes
de mais nada, é o desejo de realizar algo, uma idéia, uma obsessão, dar forma ao imaginário. É
óbvio que um filme produzido com tecnologia digital não se assemelha a um filme
produzido em 35mm, mas creio que, logo, chegaremos lá – e que neste momento não
devemos tentar comparar, mas sim, tentar encontrar a especificidade do digital.
E A PARTIR DESSE DESEJO DE REALIZAR ALGO, DA OBSESSÃO DO
CINEMA, O QUE INFLUENCIA MAIS SUA OPÇÃO ESTÉTICA AO FILMAR?
O cinema latino-americano, em sua essência, nos mostra que a
falta de dinheiro não pode e não deve ser utilizada como desculpa para a realização
de obras inferiores, a falta de recursos interfere diretamente na estética.
Houve uma época em que, neste país, o cinema era discutido como forma de
expressão, política social e artística. Atualmente, a discussão gira em torno
da bilheteria e do mercado. Como posso pensar em mercado, se não sou uma
mercadoria?
VOCÊ FOI ALUNO DA AIC E, ATUALMENTE, É UM DOS PROFESSORES DO
CURSO FILMWORKS. COMO FOI ESSA TRANSIÇÃO?
Fazer filmes sempre me pareceu distante e utópico. Ver
filmes não significa que você saiba fazê-los. Decidi procurar uma escola de
cinema que oferecesse não só um estudo teórico do processo cinematográfico,
mas, principalmente, ferramentas que me dessem suporte para me tornar um
profissional. Após me formar pela AIC, dirigi quatro curtas, dois médias e dois
longas-metragens, além de alguns trabalhos publicitários e institucionais.
Quando surgiu a possibilidade de dar aulas na AIC, não hesitei. Mesmo acreditando
que cinema não se ensina, se aprende, o cinema como arte tem cento e poucos
anos, ou seja: comparado à literatura, às artes plásticas e à música, ainda não
nasceu – está embrionário. Sinto-me lisonjeado em dar aulas na escola onde
estudei.
Texto e imagem reproduzidos do site: zoommagazine.com.br
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