Crítica: Cine Zé Sozinho.
A reconstrução da memória de José Raimundo Cavalcante, o Zé
Sozinho do título, é encenada no filme através de dois pontos de vista
distintos: o do próprio Zé, que narra em primeira pessoa os encalços que o
acompanharam durante toda sua vida de exibidor de filmes, ao mesmo tempo em que
ratifica a paixão que sente por essa arte; e o de pessoas que ajudaram a
consolidar essa paixão, seja através da presença física nos lugares por onde os
filmes eram exibidos ou por meio de pequenos favores que possibilitaram o
funcionamento completo de toda a engrenagem. Se essa proposta de abordagem dual
teoricamente não dimensiona a personagem de maneira devida, já que o ideal para
o espectador seria a compreensão bilateral de suas características pessoais, a
colocação da palavra “Cine” antecedendo o nome do protagonista no título do
filme por si só justifica o modo com que o diretor Adriano Lima se posiciona em
relação ao tema. O conteúdo em questão não é o íntimo de José Raimundo
Cavalcante e sua relação com o mundo, mas sim a trajetória de Zé Sozinho e sua
dedicação para com o cinema.
Não é à toa que o grande ídolo de Zé Sozinho é outro José, o
Mojica Marins, cineasta precursor do cinema de horror no Brasil no final dos
anos 50. Além de compartilharem o mesmo prenome, outras duas características
essenciais unem os propósitos dos dois realizadores: enquanto Mojica sempre
teve seu cinema localizado à margem de toda convenção cinematográfica, travando
ao longo de décadas uma verdadeira batalha para filmar e exibir seus filmes, Zé
Sozinho percorreu, isento de qualquer auxílio de bonificação, as cidades
pequenas do Ceará para levar o cinema a quem jamais teve contato com a magia
projetada numa tela grande. Se a relação travada entre os dois Josés e o objeto
de afeição que os aproxima é de grande valor para o entendimento da proposta da
curta, a ligação se aprofunda quando os paralelos vão além: Zé Sozinho ficou um
bom tempo sem condições de exibir seus filmes devido, principalmente, à
carência de recursos, vindo a retomar suas atividades há pouco menos de dois
anos, graças a um incentivo do governo do estado; enquanto Zé do Caixão
conheceu um exílio de 20 anos das telas nacionais, retornando em 2007 em grande
estilo numa nova produção cinematográfica, ainda inédita nos cinemas. Duas
mentes e duas histórias unidas por uma só paixão.
Se o diretor se coloca ao lado de Zé Sozinho a todo
instante, abraçando sua causa e defendendo-a também através da montagem das
cenas, que intercalam os depoimentos do personagem central, dos envolvidos e
dos saudosos de seu cinema com momentos dos próprios filmes que outrora eram
exibidos, a riqueza e a força motivadora de Zé Sozinho são suficientes para
manter teso o arco de toda a conversa. E a platéia, que respondeu positivamente
às expectativas do diretor Adriano Lima, deleitou-se com quinze minutos de
perseverança, bom-humor e o sentimento que está também no âmago do 14° Vitória
Cine Vídeo: o amor incondicional pelo cinema.
Samuel Lobo
(texto produzido na oficina “O curta-metragem brasileiro:
história e crítica”).
Texto e imagem reproduzidos do blog: vitoriacinevideo14.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário