Fotos Allan Bastos.
Parece coisa de cinema: e é
Zé Sozinho saiu nordeste afora exibindo filmes e fazendo
graça
Por Mariana Albanese
Seu Zé vem da linhagem dos Sozinhos. Herdou o apelido da
mãe, Maria, que criou quatro filhos sem ajuda do pai. O menino José Raimundo,
que nunca gostou de conversa besta, sentava isolado na escola, e Zé Sozinho
ficou.
Solitário, saiu aos 12 anos de Caririaçu, cidade serrana do
sertão cearense, rumo a Fortaleza, onde encontrou o cinema por companheiro.
Subiu em um caminhão de rapadura rumo à Fortaleza, onde no Cine Marambá, em
Parangaba, em 1954, viu seu primeiro filme. "Um daqueles americanos, que
estava fazendo sucesso", relembra.
Já de volta ao sertão, começou a ajudar alguns mambembes que
passavam pela cidade. Sua missão era ajustar a energia a gerador: ligando o
projetor, as casas se apagavam. Mas foi no Círculo Operário de Caririaçu, já
rapazote, que passou a exibir ele mesmo os filmes. Ali começou a entender o que
o povo gosta, e a criar suas artimanhas para entreter.
Quando conseguiu o primeiro projetor, em 1970, aos 28 anos,
ganhou o mundo - e perdeu a mulher. Por causa das viagens, que duravam até três
meses, a esposa, que hoje mora em Cajazeiras, Paraíba, desenvolveu uma aversão
por cinema: "Ela diz que cinema só serviu pra encher ela de filhos. Porque
eu viajava, voltava, fazia um filho e viajava de novo". Foram cinco, no
total. Hoje, uma filha e alguns netos ocupam, ao menos em fotografia, a parede
da minúscula casa em que vive. Chão de terra, cadeiras empilhadas, projetor antigo,
data show, telão e cartazes dão um contraste sem fim ao espaço escuro e úmido,
o que preocupa Seu Zé. Afinal, é ali que ele guarda sua maior preciosidade: os
filmes em VHS e DVD, essencialmente de dois gêneros: luta e terror, ou
"karatê e vampiro", como ele descreve. Dos filmes de luta, gosta dos
autênticos: "Jack Chan é uma mentira grande, prefiro os de Bruce
Lee".
Nunca produziu um filme, mas fez suas edições. Se exibia um
título duas vezes na mesma cidade, era preciso mudar o desfecho. "O único
filme em que o artista morre no final e os cabra não acham ruim é o de
Jesus". Mas nem este escapou. Em certa data, misturou a Paixão de Cristo
com pedaços do Zorro. Houve surpresa do público diante dos homens armados. Seu
Zé justificou: "são os amigos de Jesus que vieram ajudar ele".
Conta também de quando passou uma série de filmes sobre
Sansão e Dalila. O povo reclamou. No dia seguinte, estampou no cartaz:
"Hoje, Nem Sansão, Nem Dalila". Para decepção dos que esperavam
assistir o filme com Oscarito, a atração da noite foi a dupla O Gordo e o
Magro.
Há cerca de dois anos, o exibidor solitário recebeu do
Centro Cultural Banco do Nordeste uma ajuda preciosa: equipamento de projeção
completo, no valor de 18 mil reais. O vídeo da cerimônia de entrega ele exibe
com orgulho no pequeno televisor do espaço que mora. Não chama de casa, diz que
está ali provisoriamente, até conseguir sair em viagem. O contrato com o BNB
lhe pede presença semanal, para exibição de um filme escolhido pela
instituição. Por essas ironias da vida, nunca passou em sua cidade o
documentário feito por Adriano Lima, sobre sua trajetória. Cine Zé Sozinho é um
curta-metragem produzido ao longo de dois anos, entre Fortaleza e Cariri. Em
abril de 2008, foi o homenageado da II Mostra Curtas Cariri, que aconteceu nas
cidades de Crato e Juazeiro do Norte. Na ocasião, exibiu o documentário de
Adriano Lima e contou um pouco sobre as histórias que viveu. Quando perguntado
o que achava da homenagem, respondeu do jeito que lhe é peculiar: "sendo
sobre cinema, pode faturar em cima de mim".
Texto e imagens reproduzidos do blog: revistaarteplural.blogspot.com.br
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