Publicado originalmente no site PLURAL, em 19 de janeiro de
2021
Tiomkim, uma vida dedicada ao cinema
Cinéfilo morreu neste domingo, aos 68 anos, de infarto
Por Rogerio Galindo
É impossível falar da vida de Tiomkim sem falar em cinema. Nos 68 anos que viveu, e que chegaram ao fim com um infarto neste domingo (17), Osval Dias de Siqueira Filho se dedicou aos filmes de maneira quase obsessiva. O cinema era sua paixão, sua profissão e seu dia a dia.
Tiomkim chegou a Curitiba faz quatro décadas. Na maior parte do tempo em que viveu aqui, trabalhou no Museu da Imagem e do Som, onde organizava a programação audiovisual com um carinho de conhecedor. Cada mostra era o resultado de anos de pesquisa.
Antes disso, já vivia nos círculos de cinéfilos da cidade. Nos anos 1980, começou a frequentar a antiga Cinemateca da cidade, onde conviveu com a geração de cineastas que ia se formando na cidade. Foi nesse período que participou de uma oficina de cinema experimental com Fernando Severo.
“O Tiomkim foi um dos pioneiros do cinema experimental na cidade. Era apaixonado pelo Kenneth Anger, fazia filmes a custo baixíssimo. E são filmes interessantes, que sobrevivem hoje”, diz Severo, que organizou uma mostra no Festival da Lapa com três curtas restaurados do trabalho que Tiomkim fez em vídeo.
“Na época o vídeo ainda estava se firmando como arte, tinha uma discussão sobre isso”, diz Severo. Os dois se tornaram amigos: uma convivência pautada pelo gosto em comum. “A gente dava apelidos de atores para os amigos comuns, falava sobre filmes antigos. Eu curtia muito as trilhas sonoras que ele descobria”, diz Severo, que chegou a ser vizinho de Tiomkim no edifício Rui Barbosa, o mais alto do entorno da Santos Andrade.
O grande parceiro de Tiomkim na realização de filmes foi Estevan Silvera. Juntos, eles fizeram o pequeno clássico local “Rainha do Papel’, sobre a artista Efigênia Rolim. “Nossos filmes eram todos no 0800. Nada de dinheiro de Lei de Incentivo, só a grana que a gente colocava mesmo”, diz Estevan, amigo de Tiomkim por décadas.
Além de produtor e diretor, Tiomkim também trabalhou como ator nos filmes, por vezes em sua persona feminina, Linda May, uma figura que, segundo o jornalista José Carlos Fernandes, foi inspirada na era do rádio e que servia de comentarista do cotidiano. (José Carlos conta que quem fazia a produção e o figurino de Linda May era o carnavalesco Ney Souzah, outro vizinho do cineasta.)
Curiosamente, os filmes que Tiomkim fazia estavam bem longe de sua principal marca como cinéfilo: o gosto pelos clássicos da era de ouro de Hollywood. “Ele gostava daqueles filmes do Star System, que eu também adoro. Via muitos filmes franceses e italianos, também, mas até os anos 60, principalmente”, diz Severo.
Nessa praia, Tiomkim era enciclopédico. “Eu dizia pra ele de um filme que tinha visto na infância, mas lembrava pouca coisa”, diz o também cineasta Chico Nogueira, diretor do MIS de 1998 a 2002. “Era impressionante, ele vinha com a ficha inteira do filme.”
Além dos filmes, Tiomkim era fascinado pelas trilhas. Não é para menos: seu pai, Osval, era maestro de uma orquestra que tocava em bailes, e de vez em quando levava o menino para assistir as apresentações. O próprio nome fantasia veio emprestado do mundo das trilhas: Dmitri Tiomkin era um compositor que levou nada menos de quatro Oscars por seu trabalho.
Na Rádio Educativa, Tiomkim manteve por 25 anos um programa chamado Cinemaskope, em que apresentava os discos das trilhas do passado. Amigos chegavam a trazer pérolas para ele do exterior, e ele guardava tudo em sua imensa biblioteca de DVDs, fitas e discos.
Afável, era do tipo que só aumentava o círculo de amigos. A jornalista Gisele Passos Romanel conta que quando organizava cabines de filmes que iam estrear na cidade, no começo de carreira, descobriu Tiomkim e começou a chamá-lo também. “Meu trabalho era com o lado comercial do cinema, mas ele se esforçava o tempo todo para ajudar”, diz ela. “Era o tipo de cara que fazia por você sem saber se você faria algo por ele.”
Kátia Michelle, outra jornalista que conviveu com Tiomkim, dá relato semelhante. “Eu fiquei quatro anos como estagiária do MIS. Na época eu estava em dúvida entre seguir carreira no jornalismo ou no teatro, e conversar com ele era uma dádiva. Um sujeito sempre solícito, sempre amistoso, sempre cheio de projetos”, conta.
Um dos projetos que Tiomkim fazia nos últimos tempos era o “Fotograma Revisitado”, que reconstituía pôsteres e cenas de filmes clássicos. No entanto, desde 2020, a saúde começou a atrapalhar o ritmo do cinéfilo.
“Ele pegou Covid no começo do ano passado, e passou um mês na Santa Casa”, conta Estevan. Depois, os rins começaram a falhar. “Os médicos dizem que não foi o coronavírus que prejudicou os rins, mas sei lá, eu acho que pode ter sido”, diz ele.
Tiomkim passou a ficar em casa, de quarentena, e andava com bengala. Chico Nogueira, um dos melhores amigos, diz que não via Tiomkim faz quase um ano. “A última vez foi no eclipse do ano passado. Pedi para ir fotografar no terraço do prédio dele, e ele acabou chamando vários amigos”, conta.
Um dos projetos inacabados que Tiomkim deixa é um filme em que era o personagem principal. Seu parceiro de cinema Estavan Silvera já tinha feito boa parte das imagens, e agora iria começar a entrevistar Tiomkim para o documentário biográfico. Mesmo sem essa possibilidade agora, o filme deve sair. “Vamos fazer de outro jeito, mas preciso fazer essa homenagem para ele”, diz Estevan.
Texto e imagem reproduzidos do site: plural.jor.br
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