sábado, 7 de outubro de 2023

Sessão de "Retratos fantasmas" em BH enfrenta pane-relâmpago

Legenda da foto: Marcelo Amâncio dos Santos trabalha como projecionista há 45 anos e costuma se referir às décadas passadas de acordo com os filmes que as marcaram - (Crédito da foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)

Publicado originalmente ESTADO DE MINAS, de 17 de setembro de 2023

Sessão de "Retratos fantasmas" em BH enfrenta pane-relâmpago

Interrupção momentânea da projeção do filme sobre fim de salas de rua fez projecionista se lembrar dos tempos do "projetor a carvão"; longa tenta vaga no Oscar

Por Lucas Lanna Resende

Na sessão vespertina do documentário “Retratos fantasmas”, no UNA Cine Belas Artes, na última quarta-feira (13/9), dia seguinte ao anúncio da escolha do filme de Kleber Mendonça Filho para ser o representante brasileiro no Oscar 2023, aproximadamente oito pessoas estavam presentes. Como de praxe, na hora marcada para o início do filme (14h), as luzes se apagaram e os trailers começaram a ser exibidos. 

Subitamente, a tela escureceu, e a sala ficou no breu. Alguns espectadores viraram a cabeça, olhando em direção à janela da cabine de projeção, a fim de entender o que havia acontecido.

Lá dentro, o projecionista Marcelo Amâncio dos Santos, de 66 anos, mexia em uma coisa aqui e outra ali no equipamento de projeção, dizendo: “Eu sou do tempo do projetor a carvão, dava muito mais trabalho do que isso aqui. Não é possível que eu não vou consertar”.

Não era exagero. Até meados dos anos 1980, os projetores funcionavam movidos a carvão ativado. Eram colocados nos aparelhos dois tipos do vegetal, que, quando se friccionavam, geravam uma luminosidade que projetava o filme na tela. Hoje é a lâmpada de xênon que faz isso.

Não levou nem dois minutos, e o problema já estava resolvido. “Era a lâmpada, que não acendeu. Quando isso acontece, o filme para de ser projetado”, explicou o projecionista.

Vida dedicada ao cinema

De seus 66 anos de idade, Marcelo dedicou 45 ao cinema. Quando começou, trabalhando como assistente de projeção no Cine Brasil (atual Cine Theatro Brasil Vallourec), os filmes eram rodados em películas de 35mm e divididos em mais de um rolo. 

Por isso, cada cabine tinha dois projetores. Quando um rolo chegava ao fim, o segundo já começava a rodar no outro projetor. Se o segundo aparelho não fosse ligado no tempo certo, a exibição parava.

Não dá para dissociar a vida de Marcelo do cinema. Suas referências ao tempo não são por datas, e sim com base nos filmes que exibiu. Quando se refere a acontecimentos dos anos 1970, por exemplo, ele lembra de “Marcelino pão e vinho”, de Ladislao Vajda - embora o longa seja da década de 1950, ele voltou a ser exibido nos cinemas brasileiros nos anos 1970. 

Já quando vai falar sobre meados dos anos 1980, cita “As minas do Rei Salomão” (1985), de J. Lee Thompson. E, se tem alguma história dos anos 2000, diz: “Foi na época que rodei ‘O senhor dos anéis’”.

História dos cinemas de rua 

Assim como os personagens de “Retratos fantasmas”, Marcelo acompanhou parte do auge e da derrocada dos cinemas de rua da metrópole - no caso do filme, trata-se do Recife.

O projecionista cita que, em Belo Horizonte, fecharam as portas os cines Metrópole, Pathé, Art Palácio, Progresso, Pax, Amazonas, Nazaré, Guarani, entre outros.

“Antigamente, as telas ficavam atrás de uma cortina fechada. Na hora em que o filme ia começar, a gente abria a cortina. Aí, vinham as notícias de futebol do Canal 100 e, em seguida, os trailers”, recorda o projecionista.

“Lembro que a vinheta de uma distribuidora era uma ave voando e pousando no telhado. Sempre que ela aparecia, as pessoas tentavam tocá-la, jogando chinelos e tamancos… Era engraçado demais”, diz, rindo.

Marcelo, no entanto, não é exatamente um saudosista. Conta episódios do passado com a satisfação de quem viveu os tempos áureos do cinema na cidade, ao mesmo tempo que entende as mudanças que vieram com a tecnologia.

Sua preocupação, contudo, é com os colegas de profissão. “Posso contar nos dedos os projecionistas que temos hoje. Esse número é menor ainda, se considerarmos aqueles que sabem trabalhar com película de 35mm”, afirma. “Assim, nossa profissão também vai acabando.”

Filme representa o país no Oscar

O documentário “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça Filho, foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar. Um total de 28 filmes nacionais se inscreveu para a seleção.

Com estreia mundial em Cannes e exibido pela primeira vez no Brasil na abertura do Festival de Gramado, “Retratos fantasmas” une memórias do cineasta e a trajetória das salas de cinema de rua do Centro do Recife.

O filme está em cartaz em Belo Horizonte no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 14h e 18h) e no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, 18h10). A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deverá divulgar a lista de indicados ao Oscar em 23 de janeiro de 2024.

Texto e imagem reproduzidos do site: em com br

Nenhum comentário:

Postar um comentário