domingo, 6 de outubro de 2024

O amor à vida e ao cinema no filme “Cinema Paradiso”

Artigo compartilhado do site PGL GAL, de 4 de Julho de 2012

O amor à vida e ao cinema no filme “Cinema Paradiso”

Por José Paz Rodrigues

 Não por acaso inicio a minha série sobre as aulas no cinema, no começo das férias do verão, com uma obra-mestra do cinema. Porque “Cinema Paradiso” é do ponto de vista formal, e de estética cinematográfica, assim como em conteúdos educativos tão profundos, relacionados com a vida, o amor e os valores humanos, um filme todo um clássico e, com o tempo que passa, uma fita maravilhosa.

Um filme tão autêntico e tão fantástico, realizado polo meu tocaio Giuseppe Tornatore, em 1988, que ninguém deveria perder de ver alguma vez. É pouco o tempo em que aparecem no filme aulas reais, em que os rapazes têm que suportar as ridículas técnicas didáticas de uma mestra hostil, reacionária e híper-autoritária, da vara e da repressão, para não atingir a aprendizagem que pretende no ensino do cálculo. Ou as aulas de exames para que os examinandos, rapazes e adultos, possam tirar o graduado escolar.

Aparecendo, portanto, pouco o espaço físico aula que todos conhecemos e entendemos, mas todo o filme é uma aula completa e extraordinária, ao longo dos seus 123 minutos. Onde os mestres são espontâneos, e não por isso deixam de ser magníficos: a mãe do protagonista, o padre, a sala de cinema com variados filmes dirigidos por grandes diretores (Ford, Chaplin, Renoir, Visconti, de Sica, Vardim, Rossellini, Fellini…) e, especialmente o projecionista, interpretado magistralmente por Noiret, que faz de verdadeiro pai de Totó (o seu morrera na guerra, nos campos russos) e lhe ensina a profissão, mas também a ser um homem com valores e princípios, como um grande educador que é, sem ele sabê-lo.

Por demais o filme, toda uma obra de arte, serve para aprender todos os recursos cinematográficos da linguagem fílmica, pois nele estão representados todos os tipos de planos, de panorâmicas, de uso do tempo e do espaço, dos movimentos de câmara de rotação e traslação, e de todas as possibilidades que oferece a expressão icónica. Se a isto lhe sumamos a infinidade de conteúdos, de mensagens, de valores, de aspetos humanos, morais, vitais e psicológicos que aparecem no percurso fílmico, nas diversas e variadas personagens, nos distintos lugares e momentos, nas frases e discursos, temos que dizer que estamos diante dum filme verdadeiramente sublime e poético, e, como educativo, completíssimo.

Ficha Técnica do Filme:

Título original: Nuovo Cinema Paradiso (em galego: Cinema Paradiso)

Diretor: Giuseppe Tornatore (Itália-França, 1988, 123 minutos, a cores)

Intérpretes: Philippe Noiret, Salvatore Cascio, Jacques Perrin, Brigitte Fosey, Antonella Attili, Marco Leonardi e Agnese Nano. Música de Ennio Morricone. Fotografia de Blasco Giurato.

Prémios: Óscar ao melhor filme estrangeiro em 1989. Globo de Ouro e Prémio especial do júri no Festival de Cannes do mesmo ano de 1989. Prémios especiais para os dous atores protagonistas.

Argumento: Nos anos que antecederam a chegada da televisão (logo depois do final da Segunda Guerra Mundial), numa pequena cidade da Sicília o rapaz Totó (Salvatore Cascio) ficou hipnotizado polo cinema local e procurou travar amizade com Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista que se irritava com certa facilidade, mas paralelamente tinha um enorme coração. Todos estes acontecimentos chegam em forma de lembrança, quando agora Totó (Jacques Perrin) cresceu e se tornou um cineasta de sucesso, que se recorda da sua infância quando recebe a notícia de que Alfredo tinha falecido.

Análise do Filme:

Filmes como este são acontecimentos, e olhá-los, um privilégio. A visão nostálgica e melancólica do diretor/autor não só da arte cinematográfica, mas do próprio ritual de ir e estar no cinema, tornou-se clássica desde a sua primeira exibição. Não se fica alheio a Cinema Paradiso: o roteiro emocionado, que através da aparente simplicidade esconde uma farta riqueza de tipos e situações, recria toda a atmosfera de encantamento que os mais velhos um dia experimentaram, e de que a geração atual foi privada pola substituição das grandes salas luxuosamente decoradas polos impessoais cubículos instalados dentro de galerias.

Num tempo em que o público era ingénuo e a emoção causada polos filmes era novidade, não era ainda o cinema um passatempo qualquer. Era espetáculo, ao qual se aplaudia e polo qual se chorava, se ria e se deixava levar por tudo aquilo que ele então provocasse. Este filme não nos deixa esquecer o quanto é plural o cinema e seu público, e o quanto se misturam a emoção na tela com a da plateia. Nos momentos breves em que mostra casais formando-se, pessoas amadurecendo e, principalmente, os grandes olhares atentos às imagens na tela, com uma música bonita, Tornatore está dizendo-nos que cinema, como toda arte bem feita, é emoção, e está bem mais vinculada às nossas vidas do que supomos.

A trama simples, do menino pobre cujo pai morreu na guerra, difere pouco de outras onde o rito de passagem da infância para a vida adulta traz ao protagonista algo do qual ele jamais se esquecerá. Nesses filmes o que vale é a sensibilidade do diretor em descrever o tal rito de passagem, e Tornatore soube criar o ambiente ideal para desenvolvê-lo. Além da música de Morricone, preciosidade à qual pode-se ficar um dia inteiro elogiando, o diretor contou também com bela cenografia e direção de arte, responsáveis pela construção da deliciosa vila de Giancaldo e do seu cinema (que, na primeira fase, antes do incéndio, divide suas atividades com a igreja, aumentando ainda mais a mística do lugar). A riqueza nos detalhes fica evidente quando da passagem do tempo, e da estranheza, quase deceção, que as mudanças vão provocando.

O elenco de atores é o outro trunfo do cineasta. Mas não destacar o talento de Tornatore como narrador seria injusto. A elaboração na construção de imagens permite momentos como a sensível sequência da costura que vai desfazendo-se quando a mãe de Totó, ao final, vai receber o filho. Ou, ainda, a beleza escandalosa da imagem saindo do projetor e deslocando-se pola sala de Alfredo, até atingir, na rua, a frente de um prédio.

Aspetos para refletir:

– Importância do cinema como veículo educativo, para apreender a linguagem cinematográfica, aspeto básico para poder valorar os filmes com valores artísticos e de bons conteúdos.

– Comentar o valor real dos currículos ocultos: os mestres espontâneos fundamentais, o papel dos pais, a necessidade de ser amados, o apreço pola vida, o tempo perdido, a nostalgia ou morrinha, o sorriso e os choros, a figura materna, o amor em todos os tempos e âmbitos, a constância no trabalho e as motivações positivas a aquisição de valores positivos de forma inconsciente, observando a conduta dos mais velhos.

– Comentar o conteúdo da mensagem tagoreana que o “Mestre de vida”, Alfredo, lhe dá a Totó: “Tudo quanto faças deves fazê-lo sempre com amor”.

As Aulas no Cinema

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