Cena do filme "Cinema Paradiso".
Magia
Sala de projeção é a alma do cinema
Por Lídia Basoli
O olhar de Totó para o projecionista Alfredo, no filme
“Cinema Paradiso”, o clássico de 1988 do diretor Giuseppe Tornatore, explica o
fascínio que o cinema exerce sobre as pessoas.
A sala de cinema é muito mais que as poltronas e a tela
imponente frente ao espectador. Quando as luzes da sala se apagam, outra,
interna se ascende: a da cabine de projeção, caixinha mágica que combina
movimentos, imagens, som e muita técnica.
E é lá, em um trabalho solitário e muitas vezes exaustivo,
que funcionários se revezam para fazer o show acontecer, assistindo um filme
centenas de vezes, decorando falas, seqüências, ou mesmo atentando ao barulho
do enorme carrossel que gira com um rolo imenso de filmes.
“Nós fazemos parte do espetáculo, arrumamos a estrutura para
que a plateia assista com tranqüilidade aos filmes. É um trabalho solitário,
mas ao mesmo tempo, prazeroso”, conta Adolfo Gomes, 22 anos, que trabalha nas
salas do Cine Esmeralda em Marília.
“Eu não achei que fosse trabalhar como operador
cinematográfico, mandei meu currículo e me chamaram. E eu gosto e muito do que
eu faço porque é um tanto quanto mecânico, mas ao mesmo tempo humano porque
lidamos com pessoas, apesar de operar uma máquina”, conta.
Cada uma das máquinas gigantes traz consigo uma história,
que necessita, além de atenção, muita paciência e habilidade. Não são apenas
máquinas, são luzes que projetam histórias de sonhos e risos.
Para que a máquina funcione perfeitamente bem, há
necessidade de prestar atenção em cada parte de toda aquela estrutura, no
tempo, na luz, na lente, onde o filme deve ser colocado e tantos outros
minuciosos detalhes que só mesmo quem trabalha no ramo entende.
A cabine
No Cine Esmeralda, Adolfo e Claudinei se revezam nas três
salas de cinema orientados por João Otávio, operador cinematográfico desde a
época do Cine Peduti. “Foi lá que eu aprendi basicamente tudo o que eu sei,
desde ‘colar’ os filmes, até rebubinar toda a película. E acredite: essa
profissão vicia porque o processo não é apenas mecânico, é também físico e
químico, mexe muito com a gente porque temos que ficar atentos a detalhes”,
conta.
Outra cena do filme “Cinema Paradiso” pode exemplificar a
fala de João: Alfredo exibe o filme para a plateia do cinema enquanto uma
pequena aglomeração fora da sala pede que o filme não seja tirado de cartaz.
Num passe de mágica, Alfredo mostra a Totó que é possível sim, através da
técnica exibir o filme em outros espaços e projeta o filme também na rua, para
a alegria do público. Aí a magia do cinema se torna ainda mais real.
“Eu ajudava a montar a cabine, o filme e tudo o que
precisasse e ficava observando as pessoas sentarem naquelas 800 poltronas do
Peduti, até encher o espaço de gente, foi uma época maravilhosa”, lembra João.
E quem lhe ensinou tudo isso, João? “Foi o senhor Carlito,
que era operador cinematográfico desde a época do Cine Marília. Com certeza ele
terá muita história para contar”, afirma.
José Carlos Pereira da Silva, 64 anos, fala pouco e baixo.
Mas contou histórias interessantíssimas sobre a função de projetar filmes,
alimentando ainda mais a ideia de que, sim, essa é uma profissão mágica e
muito, muito solitária.
“Eu não tinha férias e muito menos tempo para namorar, então
o jeito era trabalhar duro, e nos raros momentos de folga, aproveitar o
descanso”, fala.
Vendo filme? “Não não. (risos) Isso eu já fazia muito,
aproveitava dormindo ou saindo com os amigos”, relembra.
Antes os filmes eram exibidos em celulóide, o que acarretava
grande risco de queimar. Hoje, em poliéster, os filmes chegam a sala de
projeção em partes e são bem resistentes, diferentes de uma época em que a máquina
de projeção era a carvão. “A gente corria um grande risco sendo projecionista,
porque o filme ao esquentar poderia pegar fogo, o que raramente aconteceu, mas
que era perigoso, era”, lembra Carlitos.
Marília está no centro da história do cinema do país. Se a
própria história do cinema tem pouco mais de 100 anos, em Marília, existe em
funcionamento, ainda que aos trancos, o primeiro Clube de Cinema do Brasil.
Outros sete cinemas existiram na cidade e desses, três
fizeram história: o Cine Teatro São Luís, o Cine Marília e o extinto Cine
Peduti. Para entender como esses cinemas funcionavam e a importância deles para
a cidade, é necessário compreender que as cabines de projeções e dessa forma,
seus projecionistas, foram peças importantes para manter essa magia na tela, na
alma e nos corações dos amantes da sétima arte.
Contudo, os espaços hoje são diferentes; salas menores em
shoppings formam o cenário do audiovisual em Marília. E o saudosismo? Existe?
O senhor Carlito garante que não. “Os tempos mudam e precisamos
acompanhar o que tem acontecido na nossa era. Foi uma época muito boa enquanto
trabalhei com isso, mas temos que entender que o cinema sempre será cinema e os
projecionistas, pode perceber, continuam solitários levando luz à tela e ao
coração das pessoas”.
*Agradecimento: Mauro Loureiro, responsável pelo Cine
Esmeralda.
Foto e texto reproduzidos do blog: culturajm.blogspot.com.br/
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