Foto: Warner Bros/Divulgação.
Publicado originalmente no Jornal ZH, em 02/12/2012
Filme de Peter Jackson apresenta tecnologia hiper-realista
'O Hobbit — Uma Jornada Inesperada' está à frente de uma
nova revolução possibilitada pelo cinema digital
por Marcelo Perrone
Assim como James Cameron fez com Avatar (2009),
ressuscitando o 3D com uma tecnologia inovadora, Peter Jackson está à frente de
uma nova revolução possibilitada pelo cinema digital.
Com estreia mundial em dezembro, O Hobbit – Uma Jornada
Inesperada dá início a uma nova trilogia fantástica baseada na obra do escritor
J. R. R. Tolkien, com episódios anteriores aos narrados em O Senhor do Anéis. E
Jackson apresenta nele uma novidade que já dá o que falar – bem e mal.
O Hobbit foi filmado e será projetado (em algumas salas) a
48 quadros por segundo, o dobro dos parâmetros regulares do cinema. Segundo
Jackson, o resultado da exibição nesse sistema, denominado High Frame Rate (HFR
ou “alta taxa de quadro”), que diante dos olhos corre na velocidade normal,
garante uma imagem muito mais cristalina e definida, sobretudo se combinada ao
uso do 3D. A vantagem anunciada pelo HFR é eliminar por completo as limitações
visuais que ainda restam no cinema digital, como fantasmas e borrões em cenas
com muitos movimentos e efeitos especiais, detalhes que podem parecer
imperceptíveis com a projeção digital top de linha já em uso.
Em abril passado, na CinemaCon, convenção para exibidores
cinematográficos realizada em Las Vegas, Jackson apresentou 10 minutos de O
Hobbit em 48 quadros por segundo. Mas a recepção causou estranhamento. Diante
do assombro com o que foi avaliado por muitos de hiper-realismo excessivo,
surgiram observações de que o resultado, límpido e brilhante em demasia, se
parecia com a visão de uma encenação teatral ao vivo – alguns acharam que a
nova tecnologia seria mais adequada a documentários sobre natureza selvagem.
– Não parece mais com cinema. É outra coisa, é como
realidade virtual ou videogame – avalia Pedro Butcher, crítico de cinema e
editor do Filme B, portal especializado no mercado cinematográfico.
Diante da reação inicial, e porque ainda não são muitos os
cinemas aptos à projeção HFR, o lançamento de O Hobbit neste sistema será
limitado pela Warner a 400 salas nos EUA e a 500 em outros países. Grande parte
do público vai assistir ao filme na versão 3D convencional (projetado em 24
quadros por segundo).
Versão em 48 quadros será exibida em Porto Alegre
No Brasil, 40 salas devem projetar a versão de 48 quadros
por segundo em 3D, duas delas (São Paulo e Rio de Janeiro) nas telas gigantes
do sistema Imax. No Rio Grande do Sul, por enquanto, apenas a rede Cinemark
anunciou a novidade, na sala 2 do BarraShopping, em Porto Alegre.
– Não entramos na corrida para exibir O Hobbit em 48 quadros
porque fiquei com receio do que vi – diz Hormar Castello, gerente de
programação da rede gaúcha GNC. – Por ser uma tecnologia nova, muita coisa
ainda está para acontecer, sobretudo no que se refere à atualização dos
equipamentos.
– Há limitações técnicas em grande parte dos projetores.
Apenas os da segunda geração, com uma placa especial, podem exibir no formato.
São projetores de maior porte. E são poucos os filmes produzidos neste processo
– explica Luiz Gonzaga de Luca, especialista em tecnologia audiovisual e
diretor da rede mexicana Cinépolis, maior operadora de cinemas da América
Latina.
Peter Jackson tem dito que o estranhamento ao High Frame
Rate será logo superado. Ele tem como parceiro James Cameron, que irá realizar
nesse formato os próximos capítulos de Avatar. Cameron, que na semana passada
acompanhou Jackson na primeira exibição de O Hobbit, na Nova Zelândia, declarou
que essa tecnologia será referência para filmes de alta definição, assim como
Avatar se tornou para o 3D:
– Às vezes, você precisa de audácia para mudar as coisas.
O segundo capítulo de O Hobbit será lançado em dezembro de
2013 e o terceiro, um ano depois.
Corrida digital
> No final dos anos 1990, a indústria cinematográfica,
leia-se Hollywood, começou a levar mais a sério a tecnologia digital para uso
em escala comercial. Em 1999, a exibição da animação da Disney Fantasia 2000
empolgou os executivos dos estúdios, até então insatisfeitos tanto com a
qualidade da imagem quanto com os custos da mudança radical de um sistema em
(bom) uso há mais de cem anos.
> A tecnologia utlizada à época foi a DLP Cinema, que
tinha como sistema de compressão de vídeo o MPEG-2. Este exibia problemas de
composição da imagem, sobretudo na reprodução de cenas de movimento,
reproduzidas com borrões e rastros. A conclusão foi a de que essa melhor
qualidade da imagem dependia de avanços tecnológicos, como processadores mais
rápidos. Mas estava claro, ao menos, qual o caminho a percorrer. Alguns cinemas
exibiram neste formato embrionário filmes como Matrix e Colateral – inclusive
no Brasil, onde Cidade de Deus foi uma das produções pioneiras convertidas ao
digital.
> Nessa mesma época, experiências de exibição digital se
davam em múltiplas plataformas (como Betacam Digital, DVCAM e Mini-DV), com
desempenho razoável em telas de pequenas dimensões. O problema da perda da
qualidade decorrente da compressão da imagem, em especial daquela captada
originalmente em película 35mm, começou a ser solucionado com a aplicação do
sistema JPEG 2000.
Padrão Hollywood
> Diante da viabilidade da distribuição e projeção de
filmes no suporte digital de alta performance, os grandes estúdios de Hollywood
criaram uma padronização com o fim de garantir o desenvolvimento de tecnologia
e equipamentos comuns, diminuir custos e garantir que suas produções chegassem
aos cinemas com os parâmetros de qualidade estabelecidos por seus realizadores.
Em 2005, Fox, Columbia, Disney, Warner, Universal, MGM e Paramount firmaram o
Digital Cinema Initiatives (DCI), um calhamaço com as rigorosas normas que
regram o cinema digital.
> Essas diretrizes determinam o sistema de compressão
(JPEG 2000), padrões de áudio e cor, velocidade de projeção, proteção de
conteúdo e até especificam detalhes como luminosidade da lâmpada de projeção e
temperatura de operação da cabine. O padrão DCI dita como resolução de imagem
os chamados 2K (1998 X 1050 pixels ou 2048 X 858 pixels, conforme a proporção
da tela) e 4K (4096 X 2160 pixels). Quanto mais pixels (pontos preenchidos na
tela), melhor a qualidade.
– A projeção DCI encontra-se em um estágio de igual
qualidade à da projeção em 35mm – garante Luiz Gonzaga de Luca, referência no
Brasil em tecnologia audiovisual. – Com o lançamento de O Hobbit vai se ter uma
qualidade superior.
> As projeções digitais alternativas, fora do padrão DCI,
que usam a compressão MPEG, devem seguir por um tempo voltadas a filmes de arte
e independentes. Com o maior acesso aos projetores DCI, tendem a desaparecer.
– Devem voltar ao uso para o qual foram criados, que é
exibir publicidade nos cinemas – diz Pedro Butcher, editor do Portal Filme B.
Sobrevida como fetiche
O uso do filme película no cinema resistiu tanto tempo –
mais do que na fotografia, por exemplo – porque nestes mais de 100 anos apenas
nos últimos cinco se encontrou uma forma de substituí-lo. E, mesmo assim, há
controvérsias sobre ele estar efetivamente superado:
– Acredito que o cinema digital, com exceção do 4K ainda não
consegue reproduzir com exatidão a mesma quantidade de informação que tem um
fotograma de película 35mm, ainda mais em cenas com movimentos – diz Pedro
Butcher. – É uma limitação, que também se dá pelo uso de câmeras maiores, que
deve deixar desesperados realizadores como James Cameron e Peter Jackson.
Marcus Mello, crítico de cinema e programador da Sala P.F.
Gastal, um dos principais espaços alternativos de exibição na Capital, faz uma
provocação:
– Acho que o 35mm vai ser o futuro do cinema. Vai haver o
mesmo fetiche que se observa hoje com os discos de vinil, e muitos diretores
vão continuar a filmar com película. Outro aspecto importante diz respeito à
memória cinematográfica. A cópia em película segue sendo a maneira preferida
para preservar um filme em acervo.
A corroborar a opinião de Marcus Mello, estão realizadores
como o americano Paul Thomas Anderson, que rodou seu mais recente longa, o
muito elogiado The Master, em bitola 70mm, formato hoje comercialmente inviável
mas de experiência visual inigualável, defendem os puristas.
Resistência cinéfila
Elias Oliveira, gerente de programação da Imovision,
distribuidora de filmes de arte, confirma tendência de redução das cópias em
película:
– O lançamento em 35mm, diante do custo, agora é analisado
caso a caso. Holy Motors (ainda inédito na Capital), filme com público mais
restrito, tem apenas cópias digitais.
Se cinematecas, cineclubes e espaços alternativos
subsidiados têm se virado nos últimos anos com projeções a partir do DVD e,
mais recentemente, do Blu-ray, exibidores de médio e pequeno porte estão em
alerta. Crítico da baixa qualidade desta projeção digital fora do padrão DCI,
Carlos Schmidt, proprietário dos cinemas Guion, vê a conversão para o digital
como irreversível:
– Não vejo como a implementação deste equipamento possa ser
feita de forma cooperativada. A única forma, no nosso caso, é por meio desta
contrapartida do governo, pelo que ele já causou de prejuízo ao mercado com as
políticas intervencionistas. A ideia é seguir em frente até o momento em que
tivermos algum apoio oficial para aquisição. Caso não tenhamos, é seguir até
quando for viável. Depois disso, inexoravelmente, fecharemos as portas.
Texto e imagem reproduzidos do site: zh.clicrbs.com.br
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