Foto: Jailton Garcia.
Publicado originalmente no site Rede Brasil Atual, em 04/04/2013.
Invisíveis na cabine.
Em salas multiplex, cinemas de rua, cineclubes ou
cinematecas, os projecionistas são as estrelas anônimas.
Por Guilherme Bryan.
Em uma das cenas mais inesquecíveis de Cinema Paradiso
(1988), do italiano Giuseppe Tornatore, o personagem Alfredo (Philippe Noiret)
se vale do reflexo proporcionado pela lente do projetor para exibir o filme
numa parede externa do cinema, para as pessoas que não conseguiram entrar na
sala.
Eu ficava ali na cabine, em cima da plateia de um cinema
enorme, com 600 lugares, e adorava ver a reação das pessoas, explica
Juliana.
É também uma imagem emblemática da paixão dos projecionistas
pelo ofício. Praticamente esquecidos pelos frequentadores de cinema, eles são
os responsáveis por fazer com que cada imagem revelada na película, geralmente
de 35 milímetros, chegue com perfeição à tela onde o filme “acontece”.A cada 24
fotogramas, um segundo de história. O ofício foi quase sempre ensinado pelos mais
velhos aos novatos, de forma oral e manual, e por quem é apaixonado. Isso pode
ser visto no documentário O Homem da Cabine, dirigido por Cristiano Burlan. Por
80 minutos, esses profissionais – de carreira ameaçada pela era digital – vão
parar na tela para onde se dirige o olhar do espectador.
Encantado pela sequência de Cinema Paradiso, Matheus Alberto
Gomes, de 22 anos, fez alguns testes de dentro da cabine de uma das quatro
salas de um shopping de Poços de Caldas, em Minas Gerais, onde trabalha há um
ano. “O importante no cinema é o projecionista, pois é ele quem vai saber
colocar e montar o filme, descer para ouvir se o som está bom e controlar o
foco e a luz. Há muita curiosidade em torno da profissão. Quando perguntam,
explico com prazer. Na cabine, você se sente dentro do filme, é emocionante”,
garante.
Burlan conta que costuma chamar o projecionista de
profissional invisível. “Você só sente a presença dele quando alguma coisa dá
errado. Se ele executa bem o trabalho, ninguém percebe que está ali. Hoje, com
as cabines-mãe das salas multiplex, um projecionista cuida de quatro ou cinco
salas ao mesmo tempo, o que já diminuiu bastante a possibilidade de emprego
desse profissional. E, com o advento do digital, você precisa dele praticamente
para acender e apagar a luz da sala”, diz o diretor, que quando criança via um
tio projecionista trabalhar em Porto Alegre.
Tornatore captou de forma poética o sentido do ofício. Numa
pequena cidade da Itália, o garoto Totó se refugiava da rotina familiar na
cabine comandada por Alfredo. Mais de duas décadas depois, o clássico continua
referência para os jovens projecionistas. “O filme demonstra muito bem o que
fazemos. Eu ficava ali na cabine, em cima da plateia de um cinema enorme, com
600 lugares, e adorava ver a reação das pessoas. Muitas vezes também descia,
porque gostava de ver a luz da projeção saindo da janela. Ninguém repara nisso
quando vai ao cinema, mas eu adorava”, conta Juliana Britto, que foi
projecionista, entre 2006 e 2009, no Cine FAC, em Assis, interior de São Paulo.
Com 34 anos, Juliana é exceção num ambiente majoritariamente
masculino. Herdou a paixão do avô, ferroviário e dono de um projetor de 16
milímetros. O coordenador do cinema ainda duvidava que ela pudesse se firmar na
função. “Achavam que eu não daria conta, por ser muito miudinha. Tudo era
manual, os projetores eram da década de 1950, os rolos, pesados. Muitas vezes
precisava fazer o motor pegar no tranco e sujar as mãos de óleo. Em outras, o
filme começava a sair da parte de baixo do rolo e eu ia puxando, formando um
montinho do lado e chorando, com medo de estragar, mas não querendo parar a
exibição”, lembra.
Juliana acredita que, se acabar a projeção em 35 milímetros,
a profissão corre o risco de desaparecer, pois qualquer pessoa que saiba mexer
num computador poderá programar o filme para ser exibido no horário correto.
“Mas, pelo que converso com os diretores de cinema, se depender deles, não
acabará. Muitos não gostam do cinema digital, tanto que o número de títulos
ainda é pequeno”, opina. Hoje, ela é produtora cultural da Brazucah Produções e
coordena projetos.
Para Bruno Machado, de 25 anos, os museus também sempre
precisarão dos projecionistas, uma vez que os acervos requerem cuidados
especiais. Por isso, a profissão tende a passar por constantes mudanças, mas
não vai desaparecer. “O Brasil está com um projeto aprovado para que até 2015
todas as salas do circuito comercial virem digital. O problema é que 90% têm
mais de dez anos e foram criadas para um tipo de projeção. Assim, precisam
mudar toda a estrutura, e não só os projetores, para superarem a projeção em 16
e 35 milímetros”, afirma. Bruno trabalhou durante dois anos na Cinemateca
Brasileira, em São Paulo, e considera gratificante manusear a película,
projetar um filme pela primeira vez e ser reconhecido por um diretor ou um
produtor. Atualmente, ele colabora na coordenação da projeção de filmes do
festival de documentários É Tudo Verdade.
O diretor Burlan não vê a profissão com tanto glamour como
se imagina. Ao contrário. Diz que é “dura e insalubre”, porque até há pouco
tempo a projeção era feita com carvão, cancerígeno. “Você juntava o negativo e
o positivo, e gerava a luz que projetava a imagem da película. E hoje há as
lâmpadas de xenônio, que podem causar até cegueira se forem manuseadas
incorretamente.
Eles também ficavam sozinhos dez horas numa sala de projeção
e eram explorados pelos donos dos cinemas, por não terem uma representatividade
muito grande. A maioria não casava, alguns enlouqueciam”, lamenta. Burlan
destaca, porém, exceções como a de um ex-faxineiro do Cinesesc, em São Paulo,
que chegou a projecionista sem ter concluído o ensino médio e hoje faz
faculdade, em função de o cinema ter-lhe despertado a busca pelo conhecimento.
Benedito Carlos Silva, 53 anos, começou a trabalhar com
cinema aos 15, em Francisco Alves, no Paraná. Para ele, hoje presidente do
Sindicato dos Operadores Cinematográficos de São Paulo, as salas atuais oferecem
melhores condições de segurança. A jornada é de cinco horas diárias e o piso,
cerca de R$ 1.000. “O novo sistema digital precisará do operador, mas ainda não
sabemos como deverá ser esse novo profissional. Certamente, ele precisará
passar por uma qualificação.”
O jornalista, escritor e roteirista Marcos Carvalho, de 52
anos, foi projecionista do antigo Cineclube Bexiga, em São Paulo. “No cineclube
havia apenas um projetor, e não dois, como deve ser. Tínhamos de fazer um
intervalo no meio da projeção para trocar os carretéis”, conta Carvalho. “A
ideia de projetar filmes e ficar mais perto do cinema era interessante, ainda
mais naquele momento de ditadura. Todos vinham com certificado de censura com
duração de cinco anos para ser exibidos. Se saíam de circulação e não eram
exibidos pela TV, não havia como vê-los a não ser nos cineclubes”, lembra.
Texto e imagem reproduzidos do site: redebrasilatual.com.br
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