sábado, 19 de novembro de 2016

Cinema Paradiso
















Publicado originalmente no site Cinequanon.

Filme de Cabeceira.

Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso).
Por Gabriel Carneiro.

*Este texto contém spoilers. Por ser um filme de cabeceira, este texto foge de padrões analíticos críticos mais definidos. Permito-me ser passional, pois a escolha é puramente passional, algo que, creio eu, é muito maior do que qualquer questão técnico-analítica.

Quando comecei a ler mais sobre cinema e a ler mais críticas brasileiras, tive uma enorme surpresa ao ver que o segundo longa de Giuseppe Tornatore, Cinema Paradiso, dividia opiniões e que muitos o consideravam meloso, açucarado, muito melodramático e por aí vai – e mais, todos esses adjetivos se estendiam ao cineasta italiano. A surpresa não me foi à toa: desde a primeira vez em que vi o longa, é um dos meus filmes favoritos. Até hoje tenho uma dificuldade enorme em entender porque o longa desagrada a tantas pessoas.

Cinema Paradiso é sim um melodrama, mas um muito bem construído, que se permite, acima de tudo, emocionar – para mim, uma das tônicas mais importantes da arte. O filme não é apenas sobre a paixão de Totó pelo cinema e sua ascensão de menino cinéfilo, a projecionista, a cineasta renomado, é – e aí a força do filme reside – sobre a relação do jovem com Alfredo, o projecionista do Cinema Paradiso. A relação de ambos é de mestre e aprendiz, muito comum às histórias edificantes, mas Cinema Paradiso sabe se esquivar dos clichês para retratar tal afinidade, fazendo-se pelo caminho das vias tortas. Tanto Totó, quanto Alfredo, nutrem enorme respeito um pelo outro, mas não se privam de sacanear um ao outro quando possível. A relação mostrada soa, assim, muito mais real.

Não que realidade seja motivo para se apreciar mais qualquer coisa – muitas vezes não o é -, mas no caso do longa de Tornatore, esse suposto realismo permite maior aproximação a personagens imperfeitos – e não falo necessariamente de identificação, que me parece um tanto plausível, nesse caso -, e o encantamento justamente com situações banais. É um filme que fala de sonho, mas, de novo, não usando a falsa questão da perseverança. Tornatore parece, aliás, escolher o caminho oposto, ao privar o espectador de saber como Totó saiu de projecionista para virar importante diretor. Isso não é importante. O sonho retratado no filme é o sonho lúdico do cinema, a possibilidade de encantamento e apreciação pela obra de arte, pelo o que ela pode nos ensinar, não por meio de verdades absolutas, mas por múltiplas interpretações de relações humanas.

Nesse aspecto, o filme também tem muita força, muito por conta de cenas memoráveis, e que ajudam na construção de uma intimidade, entre os personagens e a gente, espectadores. É o que acontece quando Totó vê Elena pela primeira vez, enquanto filma a morte de um boi, e depois exibe para um Alfredo cego. O sangue jorrando e a morte do animal contrastam com o absoluto prazer contemplativo da apreciação da moça. Não só as imagens captadas pela câmera 16mm mostram isso, como também o silêncio de sua narração para o amigo. A criação de momentos como esse permite o emocionante, porque torna o filme passional, vivo. Em determinado momento, Totó pega um trem para fazer sua vida em Roma. Na estação, Alfredo – interpretado pelo excepcional Phillippe Noiret – puxa Totó e fala em seu ouvido algo como “nunca volte, nunca olhe para trás; se você voltar, não passe em minha casa, que não irei te receber.” Já vi Cinema Paradiso mais de dez vezes, desde que tenho 13, 14 – estou com 23 -, e toda vez me debulho em lágrimas a partir dessa cena, até o final do filme. Muito do mérito disso é da trilha musical esplendorosa de Ennio Morricone – até hoje minha preferida.

Num longínquo 2004, num texto para meu finado blog, “Os Intocáveis”, escrevi sobre o filme – um texto que hoje acho muito ruim e leviano -, que iniciava assim: “O que dizer de Cinema Paradiso? Que é o melhor filme italiano já produzido - que eu vi, e dificilmente mudará - e um dos melhores de todos os tempos; que é o melhor filme já feito sobre cinema?”. Ainda hoje penso do mesmo jeito, tamanho o impacto que o filme ainda me provoca.

Tornatore fez mais dois filmes que também mexem muito comigo – não do mesmo jeito, claro: “Estamos Todos Bem” e “A Lenda do Pianista do Mar”. Por conta disso vou continuar a defendê-lo, não importa o que faça. É um diretor com uma baita qualidade louvável: não tem medo de se entregar a seus projetos de forma extremamente passional, característica muito visível em seus trabalhos.

Ficha Técnica:

Direção: Giuseppe Tornatore
País: Itália/França
Elenco: Antonella Attili, Enzo Cannavale, Isa Danieli, Leo Gullotta, Marco Leonardib, Pupella Maggio, Agnese Nano, Leopoldo Trieste, Salvatore Cascio.
Fotografia: Blasco Giurato
Edição: Mario Morra
Roteiro: Vanna Paoli e Giuseppe Tornatore
Aspecto: cor
Formato: 1.66 : 1
Ano: 1988
Duração: 155 min.

Texto reproduzido do site: cinequanon.art.br

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