Publicado originalmente no site Cinequanon.
Filme de Cabeceira.
Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso).
Por Gabriel Carneiro.
*Este texto contém spoilers. Por ser um filme de cabeceira,
este texto foge de padrões analíticos críticos mais definidos. Permito-me ser
passional, pois a escolha é puramente passional, algo que, creio eu, é muito
maior do que qualquer questão técnico-analítica.
Quando comecei a ler mais sobre cinema e a ler mais críticas
brasileiras, tive uma enorme surpresa ao ver que o segundo longa de Giuseppe
Tornatore, Cinema Paradiso, dividia opiniões e que muitos o consideravam
meloso, açucarado, muito melodramático e por aí vai – e mais, todos esses
adjetivos se estendiam ao cineasta italiano. A surpresa não me foi à toa: desde
a primeira vez em que vi o longa, é um dos meus filmes favoritos. Até hoje
tenho uma dificuldade enorme em entender porque o longa desagrada a tantas
pessoas.
Cinema Paradiso é sim um melodrama, mas um muito bem
construído, que se permite, acima de tudo, emocionar – para mim, uma das
tônicas mais importantes da arte. O filme não é apenas sobre a paixão de Totó
pelo cinema e sua ascensão de menino cinéfilo, a projecionista, a cineasta
renomado, é – e aí a força do filme reside – sobre a relação do jovem com
Alfredo, o projecionista do Cinema Paradiso. A relação de ambos é de mestre e
aprendiz, muito comum às histórias edificantes, mas Cinema Paradiso sabe se
esquivar dos clichês para retratar tal afinidade, fazendo-se pelo caminho das
vias tortas. Tanto Totó, quanto Alfredo, nutrem enorme respeito um pelo outro,
mas não se privam de sacanear um ao outro quando possível. A relação mostrada
soa, assim, muito mais real.
Não que realidade seja motivo para se apreciar mais qualquer
coisa – muitas vezes não o é -, mas no caso do longa de Tornatore, esse suposto
realismo permite maior aproximação a personagens imperfeitos – e não falo
necessariamente de identificação, que me parece um tanto plausível, nesse caso
-, e o encantamento justamente com situações banais. É um filme que fala de
sonho, mas, de novo, não usando a falsa questão da perseverança. Tornatore
parece, aliás, escolher o caminho oposto, ao privar o espectador de saber como
Totó saiu de projecionista para virar importante diretor. Isso não é importante.
O sonho retratado no filme é o sonho lúdico do cinema, a possibilidade de
encantamento e apreciação pela obra de arte, pelo o que ela pode nos ensinar,
não por meio de verdades absolutas, mas por múltiplas interpretações de
relações humanas.
Nesse aspecto, o filme também tem muita força, muito por
conta de cenas memoráveis, e que ajudam na construção de uma intimidade, entre
os personagens e a gente, espectadores. É o que acontece quando Totó vê Elena
pela primeira vez, enquanto filma a morte de um boi, e depois exibe para um
Alfredo cego. O sangue jorrando e a morte do animal contrastam com o absoluto
prazer contemplativo da apreciação da moça. Não só as imagens captadas pela
câmera 16mm mostram isso, como também o silêncio de sua narração para o amigo.
A criação de momentos como esse permite o emocionante, porque torna o filme
passional, vivo. Em determinado momento, Totó pega um trem para fazer sua vida
em Roma. Na estação, Alfredo – interpretado pelo excepcional Phillippe Noiret –
puxa Totó e fala em seu ouvido algo como “nunca volte, nunca olhe para trás; se
você voltar, não passe em minha casa, que não irei te receber.” Já vi Cinema
Paradiso mais de dez vezes, desde que tenho 13, 14 – estou com 23 -, e toda vez
me debulho em lágrimas a partir dessa cena, até o final do filme. Muito do
mérito disso é da trilha musical esplendorosa de Ennio Morricone – até hoje
minha preferida.
Num longínquo 2004, num texto para meu finado blog, “Os
Intocáveis”, escrevi sobre o filme – um texto que hoje acho muito ruim e
leviano -, que iniciava assim: “O que dizer de Cinema Paradiso? Que é o melhor
filme italiano já produzido - que eu vi, e dificilmente mudará - e um dos
melhores de todos os tempos; que é o melhor filme já feito sobre cinema?”.
Ainda hoje penso do mesmo jeito, tamanho o impacto que o filme ainda me
provoca.
Tornatore fez mais dois filmes que também mexem muito comigo
– não do mesmo jeito, claro: “Estamos Todos Bem” e “A Lenda do Pianista do
Mar”. Por conta disso vou continuar a defendê-lo, não importa o que faça. É um
diretor com uma baita qualidade louvável: não tem medo de se entregar a seus
projetos de forma extremamente passional, característica muito visível em seus
trabalhos.
Ficha Técnica:
Direção: Giuseppe Tornatore
País: Itália/França
Elenco: Antonella Attili, Enzo Cannavale, Isa Danieli, Leo
Gullotta, Marco Leonardib, Pupella Maggio, Agnese Nano, Leopoldo Trieste,
Salvatore Cascio.
Fotografia: Blasco Giurato
Edição: Mario Morra
Roteiro: Vanna Paoli e Giuseppe Tornatore
Aspecto: cor
Formato: 1.66 : 1
Ano: 1988
Duração: 155 min.
Texto reproduzido do site: cinequanon.art.br
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