sexta-feira, 9 de junho de 2017

De projecionista a especialista

Imagem postada por Máquina de Cinema, para ilustrar a presente entrevista.

Publicado originalmente no Diário de Cuiabá, em 10 de maio de 2010.

Aníbal Alencastro - De projecionista a especialista
Por Evaldo de Barros (Especial para o Diário de Cuiabá)

O Prof. Aníbal Alencastro, é natural do Distrito de Nossa Senhora da Guia, município de Cuiabá sendo seus pais José Vieira de Alencastro e D. Otília Duarte Alencastro. Casado com Vera Fernandes Alencastro o casal possui, como ele costuma afirmar, quatro maravilhosas filhas: Cibele, Otília, Rachel e Juliana e para trazer mais alegria ainda, veio o neto Antônio Pedro.

Com 66 anos bem vividos, aluno da Professora Oló na Escola Modelo Barão de Melgaço já viveu em vários bairros de Cuiabá e conhece tudo sobre cinema.

Está quase mudando para Chapada dos Guimarães e fomos entrevistá-lo antes de subir a serra.

DC Ilustrado: O sr. se tornou o mais categorizado estudioso do cinema em Cuiabá. Como isso aconteceu?

PROF. ANÍBAL: O cinema propiciou as minhas primeiras profissões de Cartazista e Projecionista iniciadas em 1958, no Cine São Luiz, no Porto. Desde essa época nasceu a paixão pelo cinema, resultando no meu segundo livro sobre os “Anos Dourados de Nossos Cinemas” editado em 1996.

DC Ilustrado: No Museu do Estado que o sr. dirigiu até recentemente, falta verba, apoio ou vontade política para torná-lo mais representativo da nossa história?

PROF. ANÍBAL: O Estado de Mato Grosso infelizmente, ainda não entendeu o potencial que tem um Museu para uma cidade, instituição das mais importantes na complementação cultural e na formação de um cidadão. Embora, ligado diretamente à Secretaria de Cultura, infelizmente, os gestores públicos não dão atenção devida a esta atividade. Ainda mais, que o repasse monetário destinado à Secretaria, pelo Estado, é irrisório. Na verdade a Secretaria de Cultura sobrevive de projetos de Fundos Culturais, tendo inclusive dificuldades nas suas necessidades básicas.

DC Ilustrado: Há quem diga que a TV vai acabar com o cinema. Mas o filme Chico Xavier, em exibição, está dando surra nos amantes da TV, chamados telespectadores. É uma virada na escolha do povo ou o filme bom jamais perderá espaço?

PROF. ANÍBAL: Na minha opinião, o cinema sempre foi e sempre será um clássico, e nunca vai acabar, ainda mais agora com tanta tecnologia digital, o eterno cinema tende a melhorar e nunca perderá o lugar de destaque como a Sétima Arte. A televisão, embora seja uma arte muito presente no cotidiano das nossas vidas, possui uma argumentação breve, incidindo a tendência mercantilista e consumista, ou seja, o que é produzido hoje, já se esqueceu amanhã, e com isso a beleza da arte fica de lado. No meu entendimento, considero a televisão mais como uma “imprensa visual” com notícias e informações rápidas e precisas, além de entretenimento para o nosso passatempo.

DC Ilustrado: Na sua opinião quais os dez maiores filmes já produzidos e exibidos em Cuiabá?

PROF. ANÍBAL: Definir bons filmes não deixa de ser uma incógnita! É como escolher cores! Porém, podemos conceituar através da preferência do público, recentemente o sucesso do filme “Avatar” de James Cameron, uma bela ficção ou mesmo o filme documentário que descreve a vida de “Chico Xavier”. Anos atrás tivemos alguns sucessos que marcaram a preferência do público brasileiro, como: “Carlota Joaquina”, “O Quatrilho” e atualmente “Meu Nome Não é Johnny” que traz uma perspectiva aos filmes realistas. Os épicos modernos do cinema internacional, como: “Coração Valente”, “Gladiador”, “ET, o Extra Terrestre”, por exemplos, são produções que valorizam o cinema atual. Mas, como um cinéfilo de carteirinha, nunca esquecerei os Clássicos, como: “Assim Caminha a Humanidade” – Rock Hudson, “Tempos Modernos” – Charles Chaplin, “Casablanca” – Humphrei Bogart, “Os Dez Mandamentos” – Charlton Heston e “Da Terra Nasce os Homens” – Gregory Peck. O cinema em Mato Grosso teve uma grande alavancada promovida pelos festivais produzidos pelo cineasta Luis Borges e como fruto desse maravilhoso trabalho, tivemos diversas produções cinematográficas de excelente qualidade, mas a que mais me marcou foi o “curta” do Amaury Tangará, “Pobre é Quem Não Tem Jeep”, mesmo na sua simplicidade, atingiu em cheio os nosso sentimentos.

DC Ilustrado: O fechamento do Cine Tropical foi uma brutalidade ou resultado do pouco público?

PROF. ANÍBAL: O Cine Tropical foi inaugurado em 20 de maio de 1965, com o filme “A Pantera Cor de Rosa”. No início dos anos 70, o maravilhoso cinema veio a declinar em virtude de vários fatores que no nosso entender, consideramos:

- O alto custo da sua construção impossibilitou um retorno econômico rápido para que compensasse os gastos da sua manutenção, certamente se endividando cada vez mais;

- Na época era humanamente impossível manter cheias as suas 1200 poltronas de curvim vermelho, quando o preço das super produções cinematográficas eram caríssimos.

- A chegada da televisão Centro América a Cuiabá a grande novidade do momento, logo os freqüentadores do cinema, empolgados com a telinha, e o conforto de não comparecer as salas de cinemas, além do mais, a concorrência com outros cinemas em Cuiabá

DC Ilustrado: Jercy Jacob foi o criador do rádio cuiabano, segundo voz corrente. E do cinema?

PROF. ANÍBAL: Não desmerecendo que Deodato Gomes Monteiro foi um dos pioneiros do radioamadorismo e montou em 1934, pela primeira vez em Cuiabá, um radiotransmissor onde organizou um estúdio, denominado Rádio Sociedade de Cuiabá, e como ainda não existiam rádios receptores na cidade, certamente, não vingou a pretensa radio.

Mas em 1939 foi oficialmente inaugurada a Radio Clube A Voz D’Oeste, denominação dada pelo seu criador, o professor Jercy Jacob com apoio do interventor Julio Muller. A diretoria formada pelo Prof. Jercy como diretor Técnico, Douglas Canavarros como diretor Comercial, Juvenílio de Freitas o Locutor e Dona Zulmira Canavarros com o apoio artístico.

Os primeiros programas contavam com Nino Ricci e o seu Bandolim, Juvenílio e a sua flauta, Naná de Arruda e o seu piano, dentre outros.

A Rádio A Voz D’Oeste, marcou os melhores momentos culturais da cidade, destacando-se nos anos 50, Rabelo Leite, um dos maiores comunicadores, e produtor de programas radiofônicos como foi “O Domingo Festivo na Cidade Verde”, o primeiro jornal falado criado por Augusto Mario Vieira e May do Couto, João Alves de Oliveira, com as “Crônicas das Doze e Cinco” que tinha o slogan: “A Cidade Vive dos que Vivem Nela”.

O cinema em Cuiabá aparece pela primeira vez, através de um circo que passava pela cidade. Já em 1910 os imigrantes italianos, os irmãos Dorsa, montaram o primeiro cinema, no local onde hoje está a Igreja Presbiteriana na Rua 13 de Junho, pelo que se tem notícia pouco durou o Cinema Mundial, pois fora destruído em conseqüência de um incêndio.

Em seguida aparece o Cine Parisien (Cinema mudo) montado pelo Sr. Manoel Bodstein dentro de um teatro já existente denominado “Amor à Arte”.

Considerado cinema oficial sua existência durou até o final dos anos 30, quando da construção do Cine Teatro Cuiabá, o primeiro cinema sonoro da cidade, inaugurado em 23 de maio de 1942.

DC Ilustrado: Ultimamente, dezenas de cuiabanos que possuem casas em Chapada para finais de semana estão mudando de vez para lá. E dizem que o sr. também já está indo. Como se explica essa migração interna?

PROF. ANÍBAL: “A nossa vida se compara ao do “boi-carreiro”, depois de velho e de prestar seus bons serviços durante toda a vida, não compensa ser abatido, tem é que ficar solto nas campinas verdejantes”. Embora o meu desejo fosse empreender uma viagem de volta para a nossa velha e querida Nossa Senhora da Guia, a altitude e o clima da Chapada são mais convenientes para a nossa saúde, além do que, as duas localidades são bastante próximas uma da outra, e ainda interligadas pelas águas cristalinas do Coxipó-Açu.

DC Ilustrado: Quais as maiores alegrias e tristezas de sua vida?

PROF. ANÍBAL: Uma das maiores alegrias da minha vida foi ter nascido em Cuiabá, no distrito da Guia, filho do Seu Zezinho e Dona Otilia, casal maravilhoso, que me trouxe ainda pequeno para a capital e que nos proporcionou conhecimentos culturais e de cidadania.

As tristezas...quase não as lembro, são facilmente esquecidas e absorvidas pelas nossas alegrias!

DC Ilustrado: Alguma grande mágoa?

PROF. ANÍBAL: Nossa grande mágoa, está na desigualdade social da humanidade, muita intolerância humana e mesmo muita maldade, as mudanças dos valores morais! Entre outros.

DC Ilustrado: O rio Cuiabá acabou ou está acabando?

PROF. ANÍBAL: Imaginar, que o Rio Cuiabá, deu o seu nome a nossa cidade e serviu de fonte de alimentação a todos os ribeirinhos e toda população da cidade. Por muito tempo foi o principal elo de comunicação entre Mato Grosso e o litoral brasileiro, bem como o caminho de escoamento da economia da região, num momento em que não havia automóveis, tudo era transportado através das embarcações.

Hoje, o nosso Rio Cuiabá, parece até estar amaldiçoado, pois não basta o seu desprezo, nem mesmo pode ser visto da praça Luis Albuquerque, a visão da sua paisagem está totalmente obstruída por um matagal sujo e mal cheiroso.

O acesso à beira do rio já não existe, nem mesmo para lavagem dos santos, fato tradicional no período junino cuiabano.

A carga de detritos “in natura” despejados pelos imensos esgotos são constantes.

Esgotos (canais) estes, que num passado não muito distante pertenciam à bacia hidrográfica de águas cristalinas onde se via até pequenos peixes como Lambari a exemplo citamos os córregos da Prainha, Barbado, Mané Pinto, Ribeirão da Ponte, dentre outros.

A cada eleição municipal e estadual, se ouvem promessas de certos políticos comprometendo-se no tratamento dos esgotos lançados no Rio Cuiabá. São promessas que nunca se concretizam.

O nosso generoso Rio Cuiabá está condenado à morte, vez que se continuarem as constantes agressões com os depósitos de resíduos poluentes, lixo, bem como o assoreamento do leito em decorrência do desmatamento de suas margens, poderá ocorrer uma “lixiviação”. Aos moldes do que está acontecendo nas nascentes de Rosário Oeste. Será que as autoridades constituídas do nosso Estado não estão vendo essas barbaridades?!

DC Ilustrado: Viver em Cuiabá hoje está pior que antigamente?

PROF. ANÍBAL: Relembrando Ataulfo Alves, embalado nos versinhos de “Meus Tempos de Criança”. Quando dizia: “Eu daria tudo que eu tivesse, pra voltar aos tempos de criança, eu não sei pra que, que a gente cresce se não sai da gente, essa lembrança... Eu era feliz e não sabia...”

Estes singelos versinhos nos retratam a velha Cuiabá da nossa infância, da nossa juventude, da tranqüilidade das nossas serenatas e das nossas amizades, dos namoricos, do respeito aos mais velhos, saudade da professorinha que nos ensinou o BE – A – BA.

Enfim esta era a nossa Cuiabá do passado, mesmo sem estrutura básica de apoio, como: energia, saneamento, entre outros. Mas, havia o que hoje se busca incansavelmente a ... tranqüilidade! Hoje se fala em “qualidade de vida”, baseando-se em tecnologia moderna, mas tudo isso não passa de efeitos especiais como no cinema, pois, a qualidade de vida está na nossa paz e tranqüilidade!

Conclusão:

Aníbal Alencastro é prova incontestável da verdade que encerra o velho ditado: ”Deus ajuda a quem se ajuda”. E ajuda mesmo.

Oriundo de família humilde, trabalhou muito, incansavelmente, para chegar até onde chegou.

É um guerreiro que serve de vivo exemplo para a criançada que está surgindo.

Curta a nossa querida Chapada Prof. Aníbal, mas não se esqueça da Capital eterna de todos os mato-grossenses.

Texto reproduzido do site: diariodecuiaba.com.br

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