Imagem postada por Máquina de Cinema, para ilustrar a presente entrevista.
Publicado originalmente no Diário de Cuiabá, em 10 de maio de 2010.
Aníbal Alencastro - De projecionista a especialista
Aníbal Alencastro - De projecionista a especialista
O Prof. Aníbal Alencastro, é natural do Distrito de Nossa
Senhora da Guia, município de Cuiabá sendo seus pais José Vieira de Alencastro
e D. Otília Duarte Alencastro. Casado com Vera Fernandes Alencastro o casal
possui, como ele costuma afirmar, quatro maravilhosas filhas: Cibele, Otília,
Rachel e Juliana e para trazer mais alegria ainda, veio o neto Antônio Pedro.
Com 66 anos bem vividos, aluno da Professora Oló na Escola
Modelo Barão de Melgaço já viveu em vários bairros de Cuiabá e conhece tudo
sobre cinema.
Está quase mudando para Chapada dos Guimarães e fomos
entrevistá-lo antes de subir a serra.
DC Ilustrado: O sr. se tornou o mais categorizado estudioso
do cinema em Cuiabá. Como isso aconteceu?
PROF. ANÍBAL: O cinema propiciou as minhas primeiras
profissões de Cartazista e Projecionista iniciadas em 1958, no Cine São Luiz,
no Porto. Desde essa época nasceu a paixão pelo cinema, resultando no meu
segundo livro sobre os “Anos Dourados de Nossos Cinemas” editado em 1996.
DC Ilustrado: No Museu do Estado que o sr. dirigiu até
recentemente, falta verba, apoio ou vontade política para torná-lo mais
representativo da nossa história?
PROF. ANÍBAL: O Estado de Mato Grosso infelizmente, ainda
não entendeu o potencial que tem um Museu para uma cidade, instituição das mais
importantes na complementação cultural e na formação de um cidadão. Embora,
ligado diretamente à Secretaria de Cultura, infelizmente, os gestores públicos
não dão atenção devida a esta atividade. Ainda mais, que o repasse monetário
destinado à Secretaria, pelo Estado, é irrisório. Na verdade a Secretaria de
Cultura sobrevive de projetos de Fundos Culturais, tendo inclusive dificuldades
nas suas necessidades básicas.
DC Ilustrado: Há quem diga que a TV vai acabar com o cinema.
Mas o filme Chico Xavier, em exibição, está dando surra nos amantes da TV,
chamados telespectadores. É uma virada na escolha do povo ou o filme bom jamais
perderá espaço?
PROF. ANÍBAL: Na minha opinião, o cinema sempre foi e sempre
será um clássico, e nunca vai acabar, ainda mais agora com tanta tecnologia
digital, o eterno cinema tende a melhorar e nunca perderá o lugar de destaque
como a Sétima Arte. A televisão, embora seja uma arte muito presente no
cotidiano das nossas vidas, possui uma argumentação breve, incidindo a
tendência mercantilista e consumista, ou seja, o que é produzido hoje, já se
esqueceu amanhã, e com isso a beleza da arte fica de lado. No meu entendimento,
considero a televisão mais como uma “imprensa visual” com notícias e
informações rápidas e precisas, além de entretenimento para o nosso passatempo.
DC Ilustrado: Na sua opinião quais os dez maiores filmes já
produzidos e exibidos em Cuiabá?
PROF. ANÍBAL: Definir bons filmes não deixa de ser uma
incógnita! É como escolher cores! Porém, podemos conceituar através da
preferência do público, recentemente o sucesso do filme “Avatar” de James
Cameron, uma bela ficção ou mesmo o filme documentário que descreve a vida de
“Chico Xavier”. Anos atrás tivemos alguns sucessos que marcaram a preferência
do público brasileiro, como: “Carlota Joaquina”, “O Quatrilho” e atualmente
“Meu Nome Não é Johnny” que traz uma perspectiva aos filmes realistas. Os
épicos modernos do cinema internacional, como: “Coração Valente”, “Gladiador”,
“ET, o Extra Terrestre”, por exemplos, são produções que valorizam o cinema
atual. Mas, como um cinéfilo de carteirinha, nunca esquecerei os Clássicos,
como: “Assim Caminha a Humanidade” – Rock Hudson, “Tempos Modernos” – Charles
Chaplin, “Casablanca” – Humphrei Bogart, “Os Dez Mandamentos” – Charlton Heston
e “Da Terra Nasce os Homens” – Gregory Peck. O cinema em Mato Grosso teve uma
grande alavancada promovida pelos festivais produzidos pelo cineasta Luis
Borges e como fruto desse maravilhoso trabalho, tivemos diversas produções
cinematográficas de excelente qualidade, mas a que mais me marcou foi o “curta”
do Amaury Tangará, “Pobre é Quem Não Tem Jeep”, mesmo na sua simplicidade,
atingiu em cheio os nosso sentimentos.
DC Ilustrado: O fechamento do Cine Tropical foi uma
brutalidade ou resultado do pouco público?
PROF. ANÍBAL: O Cine Tropical foi inaugurado em 20 de maio
de 1965, com o filme “A Pantera Cor de Rosa”. No início dos anos 70, o
maravilhoso cinema veio a declinar em virtude de vários fatores que no nosso
entender, consideramos:
- O alto custo da sua construção impossibilitou um retorno
econômico rápido para que compensasse os gastos da sua manutenção, certamente
se endividando cada vez mais;
- Na época era humanamente impossível manter cheias as suas
1200 poltronas de curvim vermelho, quando o preço das super produções
cinematográficas eram caríssimos.
- A chegada da televisão Centro América a Cuiabá a grande
novidade do momento, logo os freqüentadores do cinema, empolgados com a
telinha, e o conforto de não comparecer as salas de cinemas, além do mais, a
concorrência com outros cinemas em Cuiabá
DC Ilustrado: Jercy Jacob foi o criador do rádio cuiabano,
segundo voz corrente. E do cinema?
PROF. ANÍBAL: Não desmerecendo que Deodato Gomes Monteiro
foi um dos pioneiros do radioamadorismo e montou em 1934, pela primeira vez em
Cuiabá, um radiotransmissor onde organizou um estúdio, denominado Rádio
Sociedade de Cuiabá, e como ainda não existiam rádios receptores na cidade,
certamente, não vingou a pretensa radio.
Mas em 1939 foi oficialmente inaugurada a Radio Clube A Voz
D’Oeste, denominação dada pelo seu criador, o professor Jercy Jacob com apoio
do interventor Julio Muller. A diretoria formada pelo Prof. Jercy como diretor
Técnico, Douglas Canavarros como diretor Comercial, Juvenílio de Freitas o
Locutor e Dona Zulmira Canavarros com o apoio artístico.
Os primeiros programas contavam com Nino Ricci e o seu
Bandolim, Juvenílio e a sua flauta, Naná de Arruda e o seu piano, dentre
outros.
A Rádio A Voz D’Oeste, marcou os melhores momentos culturais
da cidade, destacando-se nos anos 50, Rabelo Leite, um dos maiores
comunicadores, e produtor de programas radiofônicos como foi “O Domingo Festivo
na Cidade Verde”, o primeiro jornal falado criado por Augusto Mario Vieira e
May do Couto, João Alves de Oliveira, com as “Crônicas das Doze e Cinco” que
tinha o slogan: “A Cidade Vive dos que Vivem Nela”.
O cinema em Cuiabá aparece pela primeira vez, através de um
circo que passava pela cidade. Já em 1910 os imigrantes italianos, os irmãos
Dorsa, montaram o primeiro cinema, no local onde hoje está a Igreja
Presbiteriana na Rua 13 de Junho, pelo que se tem notícia pouco durou o Cinema
Mundial, pois fora destruído em conseqüência de um incêndio.
Em seguida aparece o Cine Parisien (Cinema mudo) montado
pelo Sr. Manoel Bodstein dentro de um teatro já existente denominado “Amor à
Arte”.
Considerado cinema oficial sua existência durou até o final
dos anos 30, quando da construção do Cine Teatro Cuiabá, o primeiro cinema
sonoro da cidade, inaugurado em 23 de maio de 1942.
DC Ilustrado: Ultimamente, dezenas de cuiabanos que possuem
casas em Chapada para finais de semana estão mudando de vez para lá. E dizem
que o sr. também já está indo. Como se explica essa migração interna?
PROF. ANÍBAL: “A nossa vida se compara ao do “boi-carreiro”,
depois de velho e de prestar seus bons serviços durante toda a vida, não
compensa ser abatido, tem é que ficar solto nas campinas verdejantes”. Embora o
meu desejo fosse empreender uma viagem de volta para a nossa velha e querida
Nossa Senhora da Guia, a altitude e o clima da Chapada são mais convenientes
para a nossa saúde, além do que, as duas localidades são bastante próximas uma
da outra, e ainda interligadas pelas águas cristalinas do Coxipó-Açu.
DC Ilustrado: Quais as maiores alegrias e tristezas de sua
vida?
PROF. ANÍBAL: Uma das maiores alegrias da minha vida foi ter
nascido em Cuiabá, no distrito da Guia, filho do Seu Zezinho e Dona Otilia,
casal maravilhoso, que me trouxe ainda pequeno para a capital e que nos
proporcionou conhecimentos culturais e de cidadania.
As tristezas...quase não as lembro, são facilmente
esquecidas e absorvidas pelas nossas alegrias!
DC Ilustrado: Alguma grande mágoa?
PROF. ANÍBAL: Nossa grande mágoa, está na desigualdade
social da humanidade, muita intolerância humana e mesmo muita maldade, as
mudanças dos valores morais! Entre outros.
DC Ilustrado: O rio Cuiabá acabou ou está acabando?
PROF. ANÍBAL: Imaginar, que o Rio Cuiabá, deu o seu nome a
nossa cidade e serviu de fonte de alimentação a todos os ribeirinhos e toda
população da cidade. Por muito tempo foi o principal elo de comunicação entre
Mato Grosso e o litoral brasileiro, bem como o caminho de escoamento da
economia da região, num momento em que não havia automóveis, tudo era
transportado através das embarcações.
Hoje, o nosso Rio Cuiabá, parece até estar amaldiçoado, pois
não basta o seu desprezo, nem mesmo pode ser visto da praça Luis Albuquerque, a
visão da sua paisagem está totalmente obstruída por um matagal sujo e mal
cheiroso.
O acesso à beira do rio já não existe, nem mesmo para
lavagem dos santos, fato tradicional no período junino cuiabano.
A carga de detritos “in natura” despejados pelos imensos
esgotos são constantes.
Esgotos (canais) estes, que num passado não muito distante
pertenciam à bacia hidrográfica de águas cristalinas onde se via até pequenos
peixes como Lambari a exemplo citamos os córregos da Prainha, Barbado, Mané
Pinto, Ribeirão da Ponte, dentre outros.
A cada eleição municipal e estadual, se ouvem promessas de
certos políticos comprometendo-se no tratamento dos esgotos lançados no Rio
Cuiabá. São promessas que nunca se concretizam.
O nosso generoso Rio Cuiabá está condenado à morte, vez que
se continuarem as constantes agressões com os depósitos de resíduos poluentes,
lixo, bem como o assoreamento do leito em decorrência do desmatamento de suas
margens, poderá ocorrer uma “lixiviação”. Aos moldes do que está acontecendo
nas nascentes de Rosário Oeste. Será que as autoridades constituídas do nosso
Estado não estão vendo essas barbaridades?!
DC Ilustrado: Viver em Cuiabá hoje está pior que antigamente?
PROF. ANÍBAL: Relembrando Ataulfo Alves, embalado nos
versinhos de “Meus Tempos de Criança”. Quando dizia: “Eu daria tudo que eu
tivesse, pra voltar aos tempos de criança, eu não sei pra que, que a gente
cresce se não sai da gente, essa lembrança... Eu era feliz e não sabia...”
Estes singelos versinhos nos retratam a velha Cuiabá da
nossa infância, da nossa juventude, da tranqüilidade das nossas serenatas e das
nossas amizades, dos namoricos, do respeito aos mais velhos, saudade da
professorinha que nos ensinou o BE – A – BA.
Enfim esta era a nossa Cuiabá do passado, mesmo sem
estrutura básica de apoio, como: energia, saneamento, entre outros. Mas, havia
o que hoje se busca incansavelmente a ... tranqüilidade! Hoje se fala em
“qualidade de vida”, baseando-se em tecnologia moderna, mas tudo isso não passa
de efeitos especiais como no cinema, pois, a qualidade de vida está na nossa
paz e tranqüilidade!
Conclusão:
Aníbal Alencastro é prova incontestável da verdade que
encerra o velho ditado: ”Deus ajuda a quem se ajuda”. E ajuda mesmo.
Oriundo de família humilde, trabalhou muito,
incansavelmente, para chegar até onde chegou.
É um guerreiro que serve de vivo exemplo para a criançada
que está surgindo.
Curta a nossa querida Chapada Prof. Aníbal, mas não se
esqueça da Capital eterna de todos os mato-grossenses.
Texto reproduzido do site: diariodecuiaba.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário