Publicado originalmente no site somosVÓS, em 16 de novembro de 2015.
O homem escondido.
Com José Natal • Por Flávia Oliveira, Igor de Melo, Michele
Boroh.
A primeira película que projetou, ele nem lembra mais. É que
foram 45 anos de tantos filmes assistidos pela janelinha da sala de projeção,
tantos dramas, bangue-bangues e romances, que o tempo se encarregou sozinho de
enrolar os rolos de memória na máquina da cabeça. Seu José Natal chegou ao Cine
São Luiz em 1960, dois anos depois da inauguração, e lembra com altivez da
época em que, para colocar os pés no cinema, era preciso estar de paletó e
gravata. Aos quase 73 anos (a serem completados no dia 25 de dezembro, é
claro), seu Natal tem a vida marcada pelo cinema no centro da cidade. Foi lá
onde o moço loiro e de olhos azuis arrumou o primeiro emprego, conheceu o amor
da vida inteira – a dona Liduína, que trabalhava na bomboniere – tirou o
sustento da família de três filhos e comprou a primeira Rural.
“Eu lembro mesmo é da primeira vez que a película prendeu na
roda dentada do projetor. Fiquei agoniado demais. Mas todo mundo que ia ao
cinema na época já sabia que isso acontecia durante a exibição do filme, então
no máximo gritavam um ‘ó o rolo aí!’, não havia muito xingamento. Quer dizer,
sempre tinha um engraçadinho que reclamava colocando a minha mãe no meio”,
brinca. Mais tarde, o projecionista assustado aprendeu a emendar os rolos
rapidamente (um filme de duas horas vinha em cinco ou seis) e virou até
instrutor dos projecionistas mais novos. “Já rodei por tudo o que é sala dessa
cidade. Se algum outro funcionário faltasse, lá estava eu pra cobrir o turno, e
acontecia muito de um dia eu ver filme religioso e no outro, os do Jangada
[antigo cinema no Centro que passava produções eróticas]. Era uma coisa, né?”,
lembra, rindo. “Na verdade, eu passava mais tempo no cinema do que em casa”,
conclui.
Os filmes preferidos, vistos sempre lá de cima, eram os de
bangue-bangue e aventura, como “Ben-Hur” e todos de John Wayne, além das
comédias de Mazzaropi. Para as produções mais novas, torce o nariz, o que faz
as idas ao cinema hoje em dia serem muito raras. Quando saiu do Cine em 2005,
época que o grupo Severiano Ribeiro anunciou o fechamento e o Sistema
Fecomércio arrendou a sala, seu Natal foi para a portaria do Emiliano Queiroz,
Teatro do Sesc Fortaleza. Diante das poltronas agora há um palco e não mais a
tela do cinema, e o desenrolar das estórias acontecem ali, ao vivo, com
personagens de carne e osso. De vez em quando, pela janela da bilheteria do
teatro, algum espectador o reconhece ainda dos tempos do São Luiz. “Eu sempre
fico surpreso com isso, porque eu ficava mais numa salinha, como hoje estou
aqui, mas acho que eu fiz parte dessa história e teve alguém que viu, né? Agora
eu sou do teatro, e quem sabe, alguém vai lembrar de mim por aqui também”, diz.
(Flávia Oliveira).
Texto e imagem reproduzidos do site: somosvos.com.br
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