Publicado originalmente no blog Sobre Cinema Revista
Casa de Imagem (1992); Homem de Projeção (1992)
Por Camila Vieira
Em tempos de expansão e consolidação dos cinemas de shopping
nas capitais brasileiras, é revigorante assistir aos curtas Casa de Imagem e
Homem de Projeção, documentários que versam sobre o fechamento dos principais
cinemas de bairro de Recife. Realizados por Kleber Mendonça Filho em co-direção
com a jornalista Elissama Cantalice no início dos anos 1990, os curtas são
projetos de conclusão do curso de jornalismo da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
Ao partir de uma proposta de pesquisa universitária captada
em formato VHS, U-Matic e Super-8, os curtas se servem de uma série de
estratégias fílmicas próprias do documentário tradicional – entrevistas em
padrão talking heads, fotografias antigas, recortes de jornal, trechos de
filmes de arquivo e de programas radiofônicos – para dar voz a quem fez parte
desta história e para resgatar a memória de alguns cinemas de rua de Recife.
Nos depoimentos de Casa de Imagem, é constante a reflexão
sobre a mudança do comportamento do público que consome cinema. “Hoje se vai
ver um filme. Antigamente se ia ao cinema para cumprir um ritual, criava-se um
estado de espírito”, compara a primeira voz-off. O portuário Fernando Tenório
recorda uma época em que o cinema era frequentado como ponto de encontro e
opção barata de entretenimento. O jornalista Ivan Soares explica o
desaparecimento dos cinemas de bairro, como fruto da exigência de um público
por salas mais confortáveis e melhor equipadas.
No entanto, mais interessante que o tom nostálgico e
comparativo de boa parte das falas, Casa de Imagem deixa de ser burocrático
quando se aproxima das relações afetivas de seus entrevistados com as salas de
cinema, como é o caso do projecionista Alexandre Moura, que revela estar
prestes a fechar o Art Palácio com “chave de lágrimas”. Alexandre é o
personagem principal de Homem de Projeção. Neste curta, ele conta a experiência
de assistir ao Poderoso Chefão durante quatro meses em sua cabine – tempo em
que o longa ficou em cartaz – e de ter a liberdade de cortar cenas de nudez dos
filmes diretamente dos rolos das películas.
Embora pontuais e breves, os relatos inusitados de seu
Alexandre são o substrato mais afetivo de Homem de Projeção, além das tomadas
em travelling pelos corredores e dependências do Art Palácio. Este mesmo tipo
de plano aparece em Casa de Imagem, quando a câmera passeia por interiores de
novos estabelecimentos antes ocupados por cinemas de bairro. Às imagens
flutuantes de igrejas, supermercados e galpões abandonados, sobrepõe-se a
locução de antigos programas de rádio que anunciam a programação de filmes da
época em que ali funcionavam os cinemas. É quando a memória pode exercer
evidente e necessário posicionamento político.
Texto e imagem reproduzidos do blog: sobrecinemarevista.blogspot.com
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