Publicado originalmente no site do Jornal do Sudoeste, em 24-10-2016
195 Anos para o Cines S
Por: Redação
Se pedirem a paraisenses de algumas gerações que conheceram
o Cine São Sebastião, para que resumam o que ele foi e representou no contexto
histórico de suas vidas e na de Paraíso, não faltarão adjetivações elogiosas,
saudosas de uma época boa, da qual a simples lembrança já remete a uma das
melhores salas de espetáculo da sétima arte do interior brasileiro, e nada
devia às das capitais.
Sebastião Mateus da Silva trabalhou praticamente metade de
seus 78 anos, em cinemas de São Sebastião do Paraíso. Começou vendendo balas no
Cine Recreio, colocadas em um tabuleiro por Dona Regina Fressatti Leão.
Com o tempo, Augusto Fressatti que era um dos proprietários
do cinema o levou para trabalhar na cabine de projeção. Tornou-se o Tião do
Cinema.
O Cine Recreio foi colocado à venda, e uma sociedade formada
por trinta e quatro sócios, dentre outros, José Soares Amaral (Zezé), Dr.
Jabur, Dr. Joaquim Alves Pinto (Quinzinho), Dr. Álvaro Pinto Vilela, Dr. Joinha
Garcia de Figueiredo, comprou a empresa.
Com o passar do tempo, o Cine São Sebastião que era da
Empresa São Paulo e Minas, de Hilton Figueiredo, de Passos, também foi
adquirida pelos trinta e quatro sócios paraisenses. Compraram também o imóvel
que era alugado. Neste período o Cine Recreio foi reformado, e o antigo prédio
do Cine São Sebastião, demolido, para ser reinaugurado em 1958 exibindo o
filme, A Lenda da Estátua Nua, protagonizado por Sophia Loren, Allan Ladd,
Clifton Webb, Alexis Minotis.
“Fomos eu e o Agostinho trabalhar no Cine São Sebastião”, conta
Sebastião, dizendo de “boas lembranças” que guarda dos filmes que projetou,
ofício prazeroso que lhe oportunizou assistir os grandes clássicos do cinema,
épicos campeões de bilheteria que ficavam em cartaz por alguns dias, de casa
cheia.
“Era uma das melhores salas de projeção. Nem em Ribeirão
havia igual. Equipamento de primeira linha, poltronas estofadas, ambiente
requintado. Para ingressar para a sala, frequentadores deveriam estar de paletó
e gravata”, enfatiza Sebastião. E esse traje até mesmo funcionários do cinema
deveriam usar. “Eu tinha paletó e gravata na cabine e, se por algum motivo
precisasse ir ao interior do cinema, tinha que usar”, conta.
Os filmes chegavam a Paraíso de ônibus, enviados por uma
distribuidora em Ribeirão Preto. Eram retirados na rodoviária, à época na Praça
João Batista Teixeira, onde hoje é a Biblioteca Municipal Professor Alencar
Assis. Se houvesse algum extravio, ou por outro motivo não chegassem, não raras
vezes era o diretor do cinema, Gilberto de Carvalho quem com seu DKW-Vemag, sem
pestanejar se dispunha a ir a Ribeirão buscar o filme.
Ao chegarem, as películas eram examinas quadro por quadro
por Sebastião, para se constatar, não estavam arrebentadas. Todo o cuidado era
pouco.
Naquele ambiente glamou-roso onde nasceram e terminaram
muitos namoros e se registraram histórias de amor perpetuadas até os dias de
hoje, também não faltaram casos pitorescos que nos foram narrados por Sebastião
Mateus. Conta ele, que quando o saudoso Tonicão Lanzoni ia assistir duas vezes
o mesmo filme, algo estava para acontecer saindo de sua forte imaginação. Foi
assim, quando estava em cartaz o clássico “E o vento levou”. Em uma das cenas,
Scarlett protagonizada pela atriz Viven Leigh subiu uma escadaria. Quando no
último degrau, ia virar-se olhando para trás, Tonicão encheu os pulmões, e com
seu rompante a chamou: “Scarlett”! O resultado foi uma crise generalizada de
risos.
E não ficou somente nesta. Tonicão em filmes de cow-boy
alertava à “mocinha” que havia índios atrás da pedra, em seriados quando o
Super Homem saia de escombros intransponíveis, gritava ser “marmelada”, e daí
por diante, tudo fruto de imaginação fértil, sadia.
Algumas brincadeiras, no entanto, eram de mau gosto, como a
de estudantes no início da década de 60. Curiosos em experimentos houve quem
aprendeu reação química capaz de exalar cheiro insuportável, semelhante a
enxofre, acondicionados em pequenos frascos. Antecedendo a grande tela do Cine
São Sebastião havia um palco, meia fonte luminosa, e, em posições estratégicas,
grandes ventiladores pensados para promover a circulação do ar na sala, sendo
auxiliados por exaustores no lado oposto, na entrada. Ardilosamente, estudantes
destampavam e colocavam os “vidrinhos catingudos” bem na frente dos
ventiladores. A princípio, frequentadores começavam a olhar de lado, com
desconfiança, depois aquilo se alastrava cinema afora. “Tivemos que interromper
a projeção em algumas sessões”, lembra Sebastião Mateus.
Entremeio a músicas do LP de Billy Vaughn que rodava da
primeira à última faixa, culminando com Love is a many splendored thing,
característica assinalando o apagar das luzes, e início da sessão, havia algo a
mais no ar que os perfumes da época,, o Lancaster dos rapazes e Hora Íntima das
jovens e senhoras, e os bombons e balas compradas na bombo-niere da antessala,
das simpáticas irmãs Rezende, da Luzia na bilheteria e a Gê, eterna porteira,
dos lanterninhas solícitos a conseguir um lugar para os retardatários, e para
dar um sinal quando alguns jovens, mais afoitos e entusiasmados se excediam às
“boas normas “ da época.
E esse filme, certamente hoje passa na memória de um
incontável número de paraisen-ses e frequentadores da região, que, com
justificada razão, se emocionam e viajam no tempo e espaço, ao rememorarem o
Cine São Sebastião.
Quando perguntei ao Sebastião, qual filme foi o mais
marcante nos seus mais de 40 anos como encarregado de, do alto da cabine cuidar
das máquinas para levar emoções aos afeiçoados cinéfilos, ele disse ter sido o
filme nacional “Estrada da Vida” que lotou o cinema durante toda a semana, e
somente não mais ficou em cartaz, porque havia data certa para ser lançado em
Mococa.
A Sétima Arte é envolvente, e cada qual tem sempre, alguns
filmes inesquecíveis.
Texto e imagens reproduzidos do site: jornaldosudoeste.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário