Sergio Poroger fotografa Cine Nazaré para o projeto Cine Mu(n)do.
Publicado originalmente no site do jornal O POVO, em fevereiro de 2019
A sessão de cinema das cinco
Memória - Com o projeto Cine Mu(n)do, fotógrafo paulista
Sergio Poroger registra cinemas de rua no Brasil e no exterior para valorizar a
influência histórica da sétima arte na sociedade
Por Bruna Forte
O escritor colombiano Gabriel García Márquez comentou, certa
feita, que "um cinema à hora da matinê se parece a um museu. Ambos têm um
ar gelado, uma quietude funerária. E, entretanto, é a hora preferida dos
verdadeiros cinéfilos. O verdadeiro cinéfilo vai ao cinema sempre sozinho".
As sessões às três e cinco da tarde, desenroladas preguiçosamente no cair da
tarde, eram características comuns em Fortaleza entre 1908 e 1959. Salas como
Amerikan Kinema, Polytheama, Cinematógrafo Di Maio ou Art-Nouveau, Riche, Cine
Diogo e Majestic-Palace se espalhavam pelas praças e avenidas da Capital,
levando projeções aos olhares curiosos de quem descobria então o prazer da
sétima arte. Atualmente enclausurados em shoppings, os cinemas de rua
praticamente desapareceram ao longo da história - mas, na contramão do
esquecimento, o fotógrafo paulista Sérgio Poroger percorre cidades ao redor do
mundo fotografando "aqueles cinemas que resistem de forma heroica".
Jornalista graduado pela Universidade de São Paulo nos anos
1980, Sérgio começou a fotografar há 10 anos. "A coisa audiovisual sempre
foi muito presente dentro de mim e a fotografia foi uma forma de manifestar as
minhas emoções", explica. No flerte com as imagens, conheceu o trabalho de
outros jornalistas e fotógrafos como William Eggleston e Robert Frank - o
último, um suíço radicado nos Estados Unidos nos anos 1940 e autor do livro The
Americans. Inspirado pela contemplação atenta aos detalhes simples e cotidianos
de Frank, Sérgio lançou-se a uma viagem de carro por locais como Geórgia,
Tennessee e Mississippi para registrar o percurso sonoro do sul
norte-americano. Da experiência quase beatnik, o paulista lançou o livro de
fotos Cold Hot. Agora, volta-se aos cinemas para explorar a influência
histórica da experiência cinematográfica na sociedade. O novo projeto chama-se
Cine Mu(n)do.
Em Fortaleza para lançar Cold Hot no Museu da Fotografia no
fim de fevereiro, Sérgio dedicou-se a descobrir os cinemas de rua ainda
resistentes na Cidade - como o Cineteatro São Luiz e o Cine Nazaré. "Ao
contrário do Cold Hot, que eu fotografei só os Estados Unidos, eu resolvei
ampliar e fotografar os personagens que habitam na magia de alguns lugares do
mundo. Minha ideia é ampliar para mais cidades do Ceará em breve",
adianta. Sérgio pretende registrar ainda salas de projeção antigas no Rio de
Janeiro, em São Paulo e em Pernambuco.
"Procuro fotografar o bilheteiro, o projetista, essas
figuras marcantes dos cines de rua. A minha ideia é resgatar essa arte
pulsante, já que a tendência mundial é que esses cinemas sejam engolidos. Em
Fortaleza, fotografei sessões do Cineteatro São Luiz e a incrível troca do
letreiro", explica Sérgio. Inaugurado em 1958 e tombado como patrimônio histórico
em 1991, o Cine São Luiz resiste no Centro da Cidade com uma programação
diversa em filmes, espetáculos, peças de teatro e festivais.
Sérgio também percorreu as ruas do Parque Araxá para
conhecer o Cine Nazaré, que descobriu por meio de uma reportagem do
Vida&Arte no início de 2018. Cuidado com atenção pelo aposentado Raimundo
Carneiro de Araújo, o conhecido Seu Vavá, o cinema das cadeiras vermelhas
inaugurado em 1941 é o último cinema de bairro ativo em Fortaleza. "O Seu
Vavá é um cara incrível e me contou toda a história do Cine Nazaré.
Sinceramente, eu vou manter isso daqui para sempre", emociona-se o
fotógrafo. "Ele recebe os espectadores, organiza algumas sessões especiais
em 35 milímetros, convida os amigos... É interessante porque ele recebeu do
Cine São Luiz as poltronas antigas, sucatas que ele aproveita e são as cadeiras
do Cine Nazaré hoje. Minha visita foi incrível, ele projetou o filme em rolo
mesmo, foi lindo", complementa.
Entre capitais nacionais e pequenas localidades ao redor do
globo, Sérgio conheceu mais da história dos povos a partir do que vemos e
preservamos. "Na região leste dos Estados Unidos, há cinemas mais
atípicos. No exterior, é perceptível que sempre havia muita riqueza relacionada
ao cinema. No Brasil, o pensamento é outro, é uma coisa bem diferente. Existiam
grandes redes que investem em cinemas antigos de rua, mas agora é fundamental
não deixar essa realidade se perder", pontua. Com curadoria do renomado
fotógrafo Bob Wolfenson, Cine Mu(n)do estreará no Metrô de São Paulo neste mês
de março, onde permanecerá por três meses em diferentes estações. O fotógrafo
deve voltar ao Ceará ainda no segundo semestre deste ano para continuar os
registros no Estado. Até lá, é possível adquirir o livro Cold Hot na livraria
do Museu da Fotografia por R$120.
Texto e imagem reproduzidos do site: opovo.com.br
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