Imagem reproduzida do Google e postado pelo blog, para simples ilustração
Texto publicado originalmente no site Jornal União, em 07/04/2012
Cinema Paradiso
Por Adilson Luiz Gonçalves*
Herdei de meus pais duas grandes paixões: de minha mãe, a
música; de meu pai: o cinema.
Como todas as paixões que se prezem, minha vontade era
respirá-las e esmiuçá-las em cada momento, mas a vida não nos concede, com
raras exceções, a benção de viver do que nos dá prazer.
A “sétima arte” tem um significado especial em minha vida:
Tive bronquite até os seis anos de idade, com crises
frequentes que me impediam de brincar na rua. A alternativa era a televisão.
Eu tinha, então, três anos e me lembro dos filmes de
Chaplin, das séries famosas e até do que teria sido o primeiro filme dublado
exibido na TV: "As Aventuras do Padre Brown".
A paixão iniciada com aquela televisão em preto e branco
ganhou cores e dimensões colossais graças a um dos empregos de meu pai:
projecionista de cinema.
Pela sua mão conheci algumas das dezenas salas que existiam
em minha cidade, nos anos 1960 e 70.
Frequentei os "Pullmen" vazios das seções
vespertinas e comi todas as jujubas, pastilhas coloridas e balas de framboesa
que tinha direito. Mas era na sala de projeção que o sonho ganhava a força do
fascínio:
Para meu pai não bastava projetar um filme: ele captava seu
“espírito”, brincava com o volume para aumentar o impacto de um susto e
orgulhava-se de não perder o tempo da transição dos projetores.
Eu tinha o mesmo prazer do menino do filme “Cinema Paradiso”
(Nuovo Cinema Paradiso, Itália 1988) ao vê-lo colar a película das cópias
usadas ou rebobinar a novinha "em folha" do lançamento. A intensa luz
do arco do carvão, de então, iluminava os labirintos que a película percorria
até que, polarizada nas lentes, transformava os vinte e quatro fotogramas por
segundo em ilusão de movimento. Colocar os discos da música ambiente e acionar
o tradicional sinal de início da projeção era o máximo! Eu também fiz parte dos
sonhos de muitas pessoas sem saber!
Com o tempo, a TV a cabo, o "home theater" e a
especulação imobiliária fecharam quase todas as salas que eu frequentei
naqueles tempos.
Hoje, meu pai não projeta mais filmes, mas eu ainda lembro
aqueles domingos.
As salas dos shoppings são modernas, mas não têm a mágica
das de outrora. Também não tenho mais a liberdade de entrar na sala de projeção
e nem meu pai está lá. Tenho que simplesmente me sentar na poltrona, como o
adulto em que o menino do filme se transformou, e aguardar que as luzes se
apaguem, como sempre, mas sem o inesquecível som dos carrilhões e a emoção das
cortinas se abrindo.
No entanto a nostalgia se vai quando a tela se ilumina e
surgem as imagens!
Nesse breve lapso de tempo, os medos, neuroses e injustiças
da vida se esvaem em benfazeja alienação, redobrando o ânimo para enfrentá-las,
depois.
Transporto-me em irresistível arrebatamento para o universo
dos cenários, das tramas e dos personagens.
Nesse momento retomo em plenitude a consciência dessa paixão
sem medidas que meu pai me transmitiu e entendo que podemos ser eternamente
jovens e bons enquanto cultivarmos e transmitirmos nossos sonhos e paixões:
também o fiz para meu filho!
-----------------------------------------------
* Adilson Luiz Gonçalves - Eleito para a Academia Santista de Letras
- Mestre em Educação - Escritor, Engenheiro, Professor Universitário e
Compositor
Texto reproduzido do site: jornaluniao.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário