Publicado originalmente no site OUTROLADO, em 18 de outubro de 2019
A memória do cinema nos periódicos antigos
Por Paulo Roberto Elias
Vale a pena visitar
no site da Biblioteca Nacional os periódicos antigos sobre cinema. Destaque
para a revista Cine Repórter, com informações históricas dos fornecedores de
material para salas de exibição e cabines.
É profundamente lamentável, mas um número enorme de dados
sobre os antigos cinemas está há décadas difíceis de achar, até mesmo em livros
sobre o assunto. Uma das mais significativas decepções que eu tive foi quando
eu comecei a pesquisar sobre as cabines dos cinemas.
Um grande exibidor carioca, como, por exemplo, Severiano
Ribeiro, não guardou um inventário de projetores, segundo eu fui informado
quando estive em visita à sede da empresa. Depois, conversando com dois de seus
ex-funcionários, eu percebi que a situação era pior do que eu pensava. Isso sem
falar que o acesso ao próprio sindicato dos operadores se mostrou infrutífero.
Sem acesso a uma biblioteca especializada em algum assunto é
impossível fazer pesquisa bibliográfica. E foi assim que eu quase não consegui
fazer trabalho satisfatório nesta área. Por sorte, eu conheci o Ivo Raposo, que
corajosamente edificou uma réplica do Metro-Tijuca e até hoje eu o considero
uma das pessoas com o melhor volume de conhecimento sobre cabines em geral e
sobre as instalações dos cinemas daqui do bairro.
E em um dado momento eu tive o privilégio de conhecer e
fazer amizade com Orion Jardim de Faria, um dos mais importantes realizadores
da área de cinema no Brasil. Orion sabia tudo de cinema, de produção à
exibição. E foi com essas pessoas, junto com o Milton Leal, ex-presidente do
sindicato dos operadores, que eu aprendi o que sei até hoje sobre o assunto.
Em anos recentes, o meu leitor João Carlos Reis Pinto me faz
um contato via in70MM, e me manda uma generosa contribuição, que ele havia
achado: o acervo digitalizado do jornal Última Hora. Através dele eu fiz uma
penosa pesquisa, coletando anúncios e datas de filmes projetados em 70 mm no
Rio de Janeiro, e no final publiquei esses meus resultados. De certa forma, eu
fiquei aliviado nesta pesquisa, porque os meus tempos de 70 mm já se vão muito
longe, em grande parte dele eu estava afundado nos estudos e depois na família
e no trabalho, ficando assim a memória de qualquer um mais do que falha nos
detalhes e datas. O parque de exibição de filmes em 70 mm no Brasil foi enorme,
particularmente no eixo Rio – São Paulo.
A digitalização do periódico Cine Repórter
Embora existam indícios de que estariam digitalizadas várias
publicações sobre cinema, o fato é que muito pouco deste acervo pode ser
achado.
A Biblioteca Nacional Digital (clique em Hemeroteca Digital)
possui um acervo considerável do periódico Cine Repórter, abrangendo os números
entre 1946 até o início de 1962 (deste ponto até 1966 com poucos números
digitalizados).
O leitor pode ter uma ideia da estrutura da revista, que era
dedicada principalmente ao mercado exibidor, lendo um número publicado em 1958.
O número mostra, por exemplo, que o fabricante de poltronas da marca Kastrup
foi o fornecedor de todos os cinemas da cadeia Metro, 3 no Rio e 1 em São
Paulo. Algumas dessas poltronas foram salvaguardadas em Conservatória, pelo Ivo
Raposo.
A Hemeroteca da Biblioteca Nacional também mostra os números
da revista Cinearte, entre 1926 e 1942, mas estes são mais dirigidos aos fãs de
cinema do que para a montagem das cabines e salas de exibição. A propósito,
entre os anúncios da Cinearte eu achei um sobre o Leite de Colônia, produto de
limpeza de pele que é vendido até hoje. A fábrica ficava aqui perto, na Rua
Félix da Cunha, Tijuca, e pertencia à família Studart. Na minha época de
menino, ao passar por lá, sentia-se o cheiro forte do produto se espalhar pela
rua toda. A fábrica ficou longo tempo fechada, e depois cedeu lugar a um
edifício qualquer.
Foi muito mais em Cine Repórter que os artigos e anúncios
mostravam o movimento nas salas exibidoras.
Na década de 1950 as primeiras aparelhagens com leitor
magnético de 4 pistas começaram a ser instaladas nos cinemas, para exibir
filmes em CinemaScope com este tipo de trilha. Foi nesta época que a marca americana
Simplex teve nos modelos X-L o seu grande momento no mercado exibidor carioca,
particularmente nas instalações do grupo Severiano Ribeiro.
O Simplex X-L continuou sendo a base dos projetores montados
pela Strong, com o nome de PR-1014 (ou Simplex 35), largamente usado nas salas
tipo cineplex stadium.
Os projetores Simplex originais foram usados nas instalações
dos cinemas da cadeia Metro, com cabeças magnéticas Westrex R10. Dois desses
projetores estão devidamente preservados na réplica do Metro-Tijuca, em
Conservatória. Segundo especialistas, o Simplex era um projetor “feito para
durar”. E foi mesmo!
Na revista Cine Repórter aparecem também anúncios de
diversos fabricantes brasileiros, entre eles os projetores Triumpho, empresa
criada por Rocco Canteruccio, associado a Cosmo Lamanna, em São Paulo:
Pode-se ver também o anúncio dos projetores Incol, bem antes
do modelo 70/35, usado para Super Cinerama e 70 mm plano:
Triumpho e Incol competiram durante anos pela instalação em
cabines de cinema, com capacidade de enfrentamento das melhoras marcas
norte-americanas, como Simplex, Century, ou dos projetores ingleses Gaumont-Kalee.
Recomendada para estudiosos e fãs de cinema
Se não fosse pelas pessoas acima mencionadas neste artigo,
eu estaria a ver navios, literalmente, sem ter noção da herança cinematográfica
que foi deixada para trás. A ausência constrangedora de um museu de cinema foi
decisiva neste processo.
A iniciativa de Conservatória fez o Ivo Raposo se preocupar
em mostrar aos visitantes uma série de projetores, dois dos quais da marca
Prevost para 35 e 70 mm, os quais eu tive a chance de ver funcionando, quando
estavam instalados em uma das cabines do Ivo.
Em duas ocasiões distintas eu vi projetores em exposição, um
deles na entrada lateral do supermercado Extra e outros dois no UCI da Barra da
Tijuca, que eu pretendo mostrar em artigo próximo. O do Extra eu não cheguei a
me aproximar para ver que projetor era aquele e/ou porque ele foi colocado ali.
Só isso não basta, no que me concerne a ideia de exibição de
projetores deveria estar inserida no contexto de um museu com esta finalidade.
Enquanto isso, eu recomendaria a todos os interessados em
pesquisa de cinema a vasculhar a hemeroteca do site da Biblioteca Nacional. É
bom lembrar que acervos similares são pagos e de difícil acesso a quem precisa.
Portanto, aproveitem. Outrolado_
Texto e imagens reproduzidos do site: outrolado.com.br
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