quarta-feira, 13 de maio de 2020

Você já viu este filme, só não viu o projecionista


Publicado originalmente no site MEDIUM, em 10 de junho de 2018

Você já viu este filme, só não viu o projecionista
Por Ayrina N. Pelegrino Bastos Maués

Na tela, um mundo de sonhos. Na plateia, um mundo de gente que ri ou que chora, se emociona diante de tantas cenas que só o cinema pode mostrar. Ninguém vê um dos principais personagens dessa arte. Ele fica lá em cima, escondido em uma cabine e é quem joga vida a todas as cenas na tela. Ele é o projecionista, o artista invisível.

Ninguém conhece, por exemplo, o Ademir Roberto Rosa, que tem 53 anos e é projecionista há 29. “Sou eu quem opera os aparelhos de projeção. Sou eu quem coloca o filme no projetor e dou início à exibição do filme. Acompanho para que tudo dê certo. Sou eu, também, quem cuida da manutenção de carretéis, do equipamento, dos filmes e das lentes”, orgulha-se. E nunca se queixa por ser um ilustre desconhecido apesar da importância do seu trabalho.

“Estamos de frente para a tela, refletidos na luz, mas os espectadores estão de costas, por isso não nos vêem”, define Ademir, defendendo seu emprego. Ele não sente falta do reconhecimento do público pelo seu trabalho. “Já me acostumei. A gente trabalha para divertir as pessoas. O cinema é a grande arte que emociona”, conta.

Ademir começou a trabalhar no Espaço Unibanco, na Rua Augusta, em 1993, por indicação de um amigo, e ficou até 1998, quando decidiu parar. “Não é que seja tão trabalhoso, o problema é que é cansativo, só fechamos no Natal e no Ano-Novo. Mas é coisa que entra no sangue. Quem sai do setor fica longe, mas sempre volta”, conta. Ele voltou em 2007, quando retomou seu trabalho no Espaço Unibanco, onde trabalha todos os dias das 14h às 19h. Por lei, o projecionista só pode trabalhar 5 horas por dia. Mais que isso, são consideradas horas extras.

Cuidando da projeção de duas salas ao mesmo tempo, Ademir inicia um filme em um cinema e corre para dar início ao outro filme em outro cinema. E vai alternando o seu zelo entre as duas cabines. “Como os dois cinemas ainda funcionam com películas 35 mm, é preciso uma dedicação maior. Carrega-se o equipamento, verifica-se o estado da peça e se dá inicio à projeção. A gente tem que zelar pelo seu funcionamento por ser um equipamento mais antigo e mais suscetível a danos”, explica.

“Antigamente, o projecionista era obrigado a ficar na cabine durante a exibição do filme. Hoje existe maior liberdade”, diz Ademir. “E a coisa era séria, pois o diretor ligava a cada 5 minutos para saber se o projecionista estava lá”, ri ao lembrar-se da situação.

José Edimar Ferreira Silva, colega de Ademir, está no ramo há 34 anos. Ao contrário do amigo, ele gosta de permanecer na cabine durante a projeção. “É, mas ele não fica vendo o filme, não! Ele gosta mesmo é de ler. Lê o jornal inteirinho, de frente para trás, durante o filme”, brinca Ademir. José diz que fica na cabine o tempo todo por precaução “Já tive que correr quando deu problema. Nunca se sabe quando vai acontecer”, retruca José Edimar.

Por incrível que pareça, nem um nem outro se enquadra naquela figura do “amante do cinema”. Para os dois, antes de tudo o cinema é um trabalho. “Volto pra casa e não quero nem saber e nem ouvir falar de filme. Filme me lembra trabalho”, conta Ademir aos risos.

Com o advento do sistema digital, a profissão vem perdendo o valor. Hoje, quem trabalha é o computador. Ele é programado para tudo. O projecionista apenas inicia a projeção e vigia o andamento do processo. Invisíveis ou não, o trabalho de projecionista já virou até filme. O filme italiano “Cinema Paradiso” projetou a imagem de um projecionista que amava o que fazia. O personagem foi vivido pelo ator Philippe Noiret, em 1988. Um grito de amor pelo cinema.

Publicado na versão impressa do Jornal Novo Momento da UniFiamFaam (FMU) — Ano 34 — abril de 2012 — nº 147

Texto e imagem reproduzidos do site: medium.com

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