segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

O Cinema na Vila de Cerva (Portugal)

Joaquim Azevedo. 

 Bobina de Instruções. 

Legenda da Foto: Projetor de Cinema de 16 mm "Elmo". 


Publicado originalmente no blog VILA DE CERVA, em 12 de fevereiro de 2020 


O Cinema na Vila de Cerva 


      O Cinema em Portugal apareceu nos finais do Séc. XIX, como forma de cultura nessa altura era só para os intelectuais. Mais tarde a partir dos anos trinta e quarenta do Séc. XX é que se tornou como um entretenimento preferencial de todos os portugueses. 


      Entre anos setenta e oitenta aparece em Cerva o cinema que andava de terra em terra. apresentado pela “Empresa Apolo Cine - Odéon” da Trofa, de Joaquim Azevedo, filmes em bobinas de fita de cinema de 16 mm, colocadas num projetor portátil “Elmo”. Cada sessão era apresentada por duas bobinas, em que entre a primeira e segunda partes se realizava um intervalo de cerca de 15 minutos,. tempo necessário para voltar a rebobinar, mais rapidamente, a fita para a bobina inicial. 


      Relembro que se realizava aos sábados, iniciava às vinte e uma horas e terminava entre a meia noite ou meia hora, no salão da Casa do Povo de Cerva. 


      Antes, durante a tarde o furgão do apresentador munido de um altifalante percorria toda a Freguesia de Cerva e Limões, divulgando o filme, a hora e o local onde ia ser apresentado nessa noite. 


      A bilheteira, abria uma hora mais cedo, situava-se na porta principal do átrio que hoje dá acesso ao Posto de Turismo e Museu, e a entrada do público para assistir era feita pela porta lateral do mesmo, ficava o salão cheio, o bilhete custava cerca de 20$00 e quem os vendia era António Mendes juntamente comigo.
 
      António Mendes como representante da Casa do Povo e eu estávamos ali até à meia hora ou uma da manhã até finalizar a sessão e assistir a contabilidade da receita efetuada. Do valor apurado era retirado 20% para a Casa do Povo, para despesas de luz e limpeza do espaço, o restante 80% era entregue ao proprietário da empresa de projeção Joaquim Azevedo. 


      No final era encerrado o salão e deixados dois cartazes publicitários ao próximo filme, um na Barbearia de António Mendes e outro no Café Central. 
 

      Cheguei a apresentar algumas sessões de cinema, com ensinamento dado pelo Sr Joaquim, e ajuda de uma bobina de instruções do Projetor "Elmo" de 16 mm, por ele a mim gentilmente oferecida. 


      Aqui passaram centenas de filmes, alguns  sucesso de bilheteira, como o "Godzilla - O Monstro do Oceano Pacifico" com estreia em Portugal em 1957 e muitos outros. 


      Segundo uma entrevista do Jornal "Notícias da Trofa" em 2010, Joaquim Azevedo com 83 anos de idade ainda se dedicava à apresentação de filmes, mas só da "Lusomundo", sendo considerado um dos mais antigos projecionistas vivos em Portugal. A empresa ainda continua em funcionamento e com página no Facebook "Joaquim Azevedo (Apolo Cine)". 


Texto e imagens reproduzidos do blog: viladecerva.blogs.sapo.pt 

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Publicado originalmente no site O NOTÍCIAS DA TROFA, em 27 de dezembro de 2020 


Morreu o Maior* 

Por José Calheiros 


Desde que tenho memória de mim lembro-me do Maior sempre presente, mesmo quando estava ausente (estava marcado no coração)! 


Os domingos na casa do Maior eram cheios, onde ele reunia a família, e pelo topo da mesa, lugar onde se sentava, todos os olhares e todas as conversas passavam por lá…era bem-disposto e gostava de conversas animadas, e para completar este quadro de desordem feliz, lá estava a Pantera, a cadela da casa! 


A meio da tarde rumávamos ao Cine-Teatro Alves da Cunha, com balcão e onde a primeira fila da plateia eram cinco cadeiras, propositadamente lá instaladas para mim, para o meu irmão e para os meus primos. Estávamos tão próximos da tela que éramos engolidos por ela e sentíamo-nos personagens dos filmes! 


O Cine-Teatro Alves da Cunha foi mandado construir pelo pai do Maior, que além da sala de espectáculos, tinha outros negócios, que lhe valiam respeito, mulheres e alguns filhos bastardos. Tudo isto associado ao fervor republicano, e os fervores não são bons conselheiros (digo eu), o pai do Maior deixou-lhe de herança, não dinheiro, mas o gosto pelas mulheres e uma vontade férrea para fazer o seu caminho! 


Já aqui vos mostro que o Maior não é Deus, não quero desumaniza-lo, o Maior era gente! 


Gente com a certeza de que o caminho para ter as coisas era o trabalho, e quando adolescente, trabalhava numa fábrica e no final fazia uns biscates de electricista. Um desses biscates, num final de tarde, foi na fábrica de chapéus do seu tio. Imagino-o a passar os olhos pelas empregadas, e ao ver uma, em particular, os olhos param e não avançam. Ela chama-se Maria e o Maior ficou encantado! 


Ficando a saber que a Maria tinha vários pretendentes, o Maior tinha a seu favor o facto de ser sobrinho do patrão, mas não queria usar essa “arma”. Um dia chegou à fala com ela…oferecendo-lhe um quilo de figos. 

Começaram a namorar, casaram e tiveram duas filhas. E desde que ofereceu esse quilo de figos à Maria, a mulher mais admirável e das mais bonitas que alguma vez conheci, a vontade férrea do Maior em busca de trabalho, para garantir o bem estar da família, levou-os por vários sítios. Para a Maria, na altura, apesar das dificuldades, o mundo perfeito era quando estavam os quatro, juntos! 

Novamente na Trofa e já definitivamente instalados, uma empresa com duas áreas de negócios começa a crescer, fruto do trabalho do Maior. Uma de electricidade, que lhe valeu instalar a rede eléctrica em Trás-Os-Montes (para quem estiver a ler este texto e estiver nesta região, é provável que todos os postes que ainda existam de madeira, tenham sido instalados por ele), e outra, fruto de um encanto de menino, o CINEMA! 


Tenho bem presente, quando ainda pré-adolescente, o Maior me tirava a um dia de brincadeira e punha-me a levantar postes com os empregados. Desde cedo sempre quis mostrar, a mim, ao meu irmão e aos meus primos, que sem trabalho não se consegue nada…esse é o segredo…nós não entendíamos! 

Com o passar dos anos, a parte eléctrica foi dando lugar ao cinema, e o Maior na década de 80 do século passado era o maior empresário cinematográfico do país, não contando com a Lusomundo, que além de exibidores, também eram (e ainda são) distribuidores, de quem o Maior era o melhor cliente. 

Depois veio o vídeo e mais tarde os Multiplex e já ninguém ia aos Cine-Teatros ver cinema. O que ganhou foi-se perdendo, tendo o Maior vendido a sua “última casa”, o Cine-Teatro de Anadia, à Câmara local. 

Apesar do que ele construiu, e perdeu, via nele sempre uma inocência de criança, que eu não entendia, e que o prejudicava. O Maior acreditava nas pessoas, acreditava na palavra dada e no aperto de mão. Desiludiu-se imensas vezes e mesmo assim não deixava de acreditar nas pessoas!!! 

Após a “queda”, e já mais velho, a vontade de continuar a ganhar mundo e de trabalhar eram injecções de rejuvenescimento…e em vez de descansar “carregou o cinema às costas”! 


Se em excursões, as pessoas do interior do país vinham ver o mar, o Maior e o seu cinema itinerante levaram a sétima arte às pessoas do interior. Tive a felicidade de, nas minhas férias da escola, fazer milhares de quilómetros com o Maior. Não raras vezes, quando chegávamos ao fim do mundo, eu perguntava: 


– Já chegámos? 

E ele respondia: 

– Não! Ainda falta um bocadinho. 

Quase sempre, quando parávamos para além do fim do mundo, a surpresa acontecia! Com o Maior fiquei a saber o quanto Portugal é bonito e a perceber as suas gentes…e a ele também! 

Ele afinal era como aquelas pessoas do interior, gente de palavra e o aperto de mão valia o mesmo que uma assinatura…confiavam uns nos outros! Por isso ele se sentia tão bem…por lá! 

Foram milhares de quilómetros, milhares de discussões, milhares de pontos de vista diferentes…e milhares de abraços que não te dei! Pensei que tinha todo o tempo do mundo, afinal eras o Maior…e dou por mim a pensar cada vez mais como Tu! 


Em março de 2007, a mulher sempre presente, a Micas, como o Maior gostava de a tratar, devido a doença prolongada morreu numa madrugada de sábado, às quatro horas. O Maior passou o resto da noite a falar com a Micas, o seu Amor, e tenho a certeza que também lhe pediu desculpa de algumas coisas…afinal o Maior é humano! 


A morte da Maria, a pessoa mais admirável que conheci, foi uma grande perda! 


O Maior sentiu-a (muito), mas continuou a trabalhar, voltou a casar e a divorciar-se vinte dias depois (é mesmo o Maior), e eu, o meu irmão e o nosso primo Miguel, continuávamos a ir com ele, por vezes, a uma tasca em Vizela, comer e beber, que alimentava acesas discussões, muitos pontos de vista diferentes…e quem estivesse a observar, facilmente se apercebia o quanto aquelas pessoas se gostavam! 

Aos oitenta e quatro anos o corpo do Maior começa a fraquejar e sinais de senilidade começaram a aparecer. Quando a boa vontade já não era suficiente para cuidar bem dele, foi para um lar, na Trofa. “Arrebitou” com a presença das meninas que cuidavam dele e mesmo na doença, levou-nos para um mundo que já existiu e no qual “mergulhávamos” com ele! 

Os nossos encontros eram viagens no tempo, ao estilo “Good bye Lenin”, onde na cabeça do Maior estávamos ainda na década de oitenta, e falávamos da programação para os cinemas, se tinha ido buscar o amplificador à oficina e enviado a publicidade para a Régua,…e de repente, num lampejo de realidade e de saudade, perguntava: 

– A Micas? 

A saúde continuou a degradar-se e começou a fazer umas “visitas” ao hospital, cada vez mais prolongadas. Na última ida não iria regressar, e na última visita que lhe fiz, encontrei o corpo do Maior, que só respirava, mas ele já não lá estavamas os olhos brilharam e captaram a minha atenção! 

Estávamos sozinhos. Debrucei-me ao nível da cabeça dele e “espreitei” para dentro do seu olhar. No fundo dos olhos do Maior, via-o sentado no escritório a preparar a programação para o mês de dezembro nos seus cinemas…e sorri! Dois dias depois, morreu. 

21 de dezembro de 2013, o Maior foi enterrado depois de décadas a “comer terra” como diria Miguel Torga e pela primeira vez vi um padre no final da celebração da missa a falar do defunto com um sorriso na cara e da alegria que foi ter conhecido tamanha figura, há muitos anos atrás, em Rio de Moinhos! 

O Maior, pela sua actividade única (sem nunca ter pedido ou recebido subsídios), teve cartas de elogios de governantes, foi notícia em tudo o que é jornais, revistas e canais de televisão. 

O Maior chama-se Joaquim da Costa Azevedo e é meu AVÔ! 

Não me dêem os pêsames, dêem-me os parabéns por ser neto do Maior!  

* Texto escrito em 2013, dedicado a alguém especial e único. 


Texto reproduzido do site: onoticiasdatrofa.pt 

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