segunda-feira, 16 de maio de 2022

Projeto ‘Máquina de Sonhos', em Ceará-Mirim, resgata história do cinema


Texto publicado originalmente no site TRIBINA DO NORTE, em 29 de novembro de 2020

Projeto ‘Máquina de Sonhos', em Ceará-Mirim, resgata história do cinema

Por Tádzio França

Na primeira vez em que foi ao cinema quando era criança, o produtor cultural e restaurador Waldeck Moura não quis saber do filme. Ele estava mais interessado em tocar na tela, ir à sala da projeção, e saber de onde vinha aquela magia. Esse fascínio não o deixou até hoje, aos 58 anos.  Waldeck se tornou um colecionador engajado de peças e objetos antigos de produção cinematográfica, e fez disso o projeto Máquina de Sonhos, um misto de exposição itinerante e museu fixo que está sendo montado em Ceará-Mirim. O acervo já é uma história cinematográfica.

Há 40 anos Waldeck se dedica a pesquisar, resgatar e restaurar o maquinário histórico de cinema. “Eu senti a necessidade da preservação. Vi muitas máquinas incríveis serem mandadas ao ferro-velho para desmanchar e vender. Aquilo pra mim era uma aberração e eu sofria só de saber. Então decidi que precisava conservar essa história de alguma forma”, explica. De 2010 em diante ele passou a organizar seu material para expor. O acervo atualmente tem cerca de 300 peças, além de cartazes antigos de filmes.

Alex Régis

As máquinas de sonho de Waldeck Moura são de várias épocas, modelos e nacionalidades. Ele finaliza a montagem de seu museu em Ceará-Mirim. Será em sua própria casa, no centro da cidade

As máquinas de sonho de Waldeck Moura são de várias épocas, modelos e nacionalidades. Ele finaliza a montagem de seu museu em Ceará-Mirim. Será em sua própria casa, no centro da cidade

As máquinas de sonho de Waldeck são de várias épocas, modelos e nacionalidades. E detalhe: todas funcionam. “Não é só para olhar, as máquinas são todas funcionais. A graça está nisto. Quando as coloco pra funcionar, as pessoas reparam mais no objeto do que no que está sendo projetado”, diz. O próprio colecionador também conserta e faz a manutenção das peças, já que os especialistas nesse tipo de objeto estão sumindo do mercado. Waldeck teve que aprender a cuidar de suas máquinas.

Lanternas mágicas

O acervo do colecionador potiguar conta a história do cinema desde os seus primórdios. A parte pré-cinematográfica da exposição tem peças como a lanterna mágica, a “bisavó” dos projetores, uma câmera de vidro escura com jogo de lentes que gerava luz e imagens em movimento diante de uma lamparina; é um objeto do século 18. Há ainda o fenacistoscópio, peça redonda precursora das animações, que gira e faz seus desenhos repetidos parecerem em movimento; e o cinematógrafo, uma máquina a manivela que permitia captar imagens, revelar o filme e depois projetar em telas. É o instrumento que os irmãos Lumière desenvolveram em 1895 e iniciou a revolução cinematográfica.

A cronologia do mundo cinematográfico segue adiante no acervo de Waldeck Moura. No século XX começam a aparecer os primeiros projetores: os de 35 milímetros ainda eram à manivela, já que não se podia contar ainda com a energia elétrica; vieram depois os de 9,5 mm, os de 16 mm, de várias nacionalidades (alemã, francesa, etc.), e os projetos de 8 mm, os mais usados em casa pelas famílias abastados dos anos 70. Há também os imensos projetos de cinema de 35 mm, máquinas que chegam a pesar 800 quilos. Foram gradativamente sumindo das salas de cinema no início desta década.

Além do maquinário, a coleção de Waldeck também entra por outras áreas do cinema. A série de cartazes de filmes antigos deve fazer os arqueólogos de cinema e cinéfilos em geral suspirarem. Waldeck juntou cerca de cinco mil, todos originais. “São do tempo que a produção de papel não era em larga escala, daí o mesmo cartaz era aproveitado em vários cinemas. Eles eram pregados com tachinhas, e todos têm esse sinal de desgaste”, explica.

Alguns cartazes são raríssimos, como o do filme “As duas lágrimas de Nossa Senhora Aparecida” (1972), de Nelson Teixeira; “O ébrio”, de 1946, com Vicente Celestino; diversos filmes de Mazzaropi, o comediante que dominou o cinema nacional durante 30 anos, entre outros clássicos brasileiros. A coleção também traz pôsteres dos únicos filmes que foram gravados em película no Rio Grande do Norte: “Jesuíno Brilhante” (1972) e “Boi de Prata” (1981), dois clássicos do cinema potiguar.

Garimpagem

A garimpagem de Waldeck passa por variadas fontes. Ele participa de vários grupos de colecionadores que trocam informações entre si. “Sempre há alguém querendo se livrar de uma máquina que não usa mais há anos, que está mofando e ocupando espaço. São as melhores oportunidades”, diz. Alguns chegam a doar peças para ele. Mas, na hora da compra, os preços não costumam ser os menores. “Quanto mais antiga a peça, mais cara”, diz o colecionador.

Segundo ele, há também amigos seus que trabalharam em companhias cinematográficas históricas, como Atlântida e Cinédia, que indicam peças e objetos.  Waldeck conseguiu até resgatar algumas peças curiosas, como o gramofone que foi usado no filme “O Cangaceiro” (1953), de Lima Barreto; uma das cadeiras que Mazzaropi usou para dirigir filmes; e até peças que a atriz Marcélia Cartaxo usou em algumas produções.

Waldeck está finalizando a montagem de seu museu em Ceará-Mirim. Será em sua própria casa, no centro da cidade, que ele desocupou para abrigar o sonho de dividir as máquinas com outras pessoas. Há dez anos o produtor cultural começou a exibir seu acervo, primeiramente, na forma de exposições itinerárias. Com suas máquinas, já expôs na Paraíba, Ceará, Pernambuco, e Bahia. Em Natal, expôs num shopping durante a programação do Cine Fest RN 2018, e em 12 dias atraiu quatro mil pessoas.

O problema das exposições itinerárias é a dificuldade logística, já que durante a movimentação não é raro alguma peça ser danificada.”A necessidade de um espaço fixo para expor era grande, por isso resolvi usar minha casa. Não é o ideal, claro”, diz. O colecionador afirma que gostaria de ter um espaço em Natal, em alguns dos prédios antigos do centro histórico, para abrigar seu museu cinematográfico. “Seria incrível para a cultura, para o turismo da cidade. Mas, infelizmente, ainda sinto a falta de sensibilidade e visão dos gestores públicos do estado”, lamenta.

Além de entretenimento, o museu de cinema também acrescentaria conhecimento. Waldeck acompanha o crescimento do atual cenário audiovisual potiguar, e vê que apesar do empenho criativo da nova geração, ainda falta uma base histórica. “Eu via como era difícil produzir na época da película. Era mais caro de fazer e mais caro de exibir. A digitalização veio para facilitar o processo. Agora tem muita gente fazendo cinema no RN, mas sinto uma certa banalização. Falta um lugar que conte a história para quem está chegando agora”, afirma.

 O sonho que o produtor projeta agora é que sua coleção seja exposta futuramente em nível estadual, com o destaque e a estrutura que merece. “Esse é um projeto de vida. Gastei muito tempo e dinheiro meus mantendo esses equipamentos perfeitos e funcionando. Já que gastei todo esse tempo nesse processo, nada mais justo que ser remunerado pra expor isso em público”, conclui.

Texto reproduzido do site: tribunadonorte.com.br

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