José de Oliveira posando com sua Keystone em 1961.
Publicado originalmente na Revista Universitária do
Audiovisual (RUA),
em 07 de Dezembro de 2012.
em 07 de Dezembro de 2012.
Emtrevista com Zé Pintor e Carlos Eduardo Magalhães,
sobre o filme “Delírios de um Cinemaníaco”.
sobre o filme “Delírios de um Cinemaníaco”.
(...) “Delírios de um Cinemaníaco”, longa inteiramente
filmado na própria cidade de São Carlos. A ficção é baseada na vida de José de
Oliveira, mais conhecido por Zé Pintor, um dos pioneiros na realização de
filmes amadores na cidade. O projeto do filme nasceu em 2007, após a Mostra
Sanca, na qual Carlos Eduardo Magalhães e Felipe Leal Barquete, entre outros
realizadores, tiveram a oportunidade de conhecer e se admirarem com o trabalho
de Zé, tal como por sua trajetória de vida.
(...) Conversamos com Carlos Eduardo (um dos diretores) e
com Zé Pintor sobre as motivações que os levaram à construção do filme, assim
como as dificuldades encontradas durante seu processo de produção, que foi todo
baseado em um sistema de trabalho colaborativo. Os dois também relataram um
pouco sobre o início de suas carreiras no cinema e suas expectativas para a
estreia do longa.
Entrevista por Mauricio Iwaoka*
Captação e transcrição por Fernanda Sales **
Rua: Primeiramente, gostaríamos de saber um pouco da
trajetória de vocês no Audiovisual, que fator, ou fatores, motivaram vocês a
começar uma carreira nessa área?
Carlos Eduardo Magalhães: Eu comecei porque gostava muito de
ver filmes no cinema, era uma programação muito comum entre minha família e
entre amigos. Quando escolhi o que queria fazer, decidi que queria fazer isso.
Daí eu vim pra São Carlos, fazer o curso de Imagem e Som (UFSCar). Eu sempre
tive foco no cinema, não no audiovisual ou em outras vertentes. Comecei
trabalhando em curtas e minhas formação principalmente foi em cineclubes, no
Cine São Roque e CineUfscar (ambos em São Carlos) como programador e produtor.
No primeiro festival CONTATO eu tive a oportunidade de conhecer o Zé (José de
Oliveira, Zé Pintor), quando fizemos uma mostra, chamada Mostra Sanca (2007) e
aí homenageamos o filme do Zé. No ano seguinte conseguimos recursos para
sonorizar o Testemunha Oculta (média-metragem e 1968 de José de Oliveira). Eu
já tinha feito mais de dez curtas, nas diferentes áreas, eram exercícios de
universidade e eu tinha a perspectiva de passar por todas as áreas para
entender melhor cada uma; fiz montagem, produção, foto, roteiro, direção.
Depois de formado percebi que eu queria isso mesmo e o Zé trouxe essa
oportunidade de fazer o filme, ele já tinha escrito algumas cenas e assim eu me
foquei nesse trabalho.
José de Oliveira: Eu trabalhava no cinema como pintor de
cartazes, depois, aos poucos, eu comecei a gostar de cinematografia. Depois de
uns tempos eu comprei uma câmera, reuni uns amigos e fui começando. Gastei
bastante filme, mas não me arrependi, me diverti bastante.
Rua: Vocês poderiam detalhar como funcionou o processo de
produção colaborativa empregada no filme, inspirada na forma como o Zé Pintor
realizava seus filmes? Quais as maiores limitações que vocês encontraram nesse
tipo de produção?
CM: As maiores limitações são orçamentárias. A gente não
teve recurso para pagar atores, para pagar todos os técnicos que participaram
do filme. Tivemos recursos para pagar o mínimo da produção. As pessoas que se
envolviam, se envolviam por que queriam estar fazendo um filme. Elas tinham
esse sonho, esse desejo de fazer cinema – tanto os atores quanto a equipe
técnica. O filme para essas pessoas era uma oportunidade de viver essa
experiência, de se aprofundar na obra do Zé e de estar fazendo esse filme junto
com o Zé. Os filmes que o Zé fez foi uma influência para a gente no sentido de
ver que é possível fazer: é só você querer fazer mesmo. É possível fazer quando
há pessoas que amam o que estão fazendo. Por isso que se fala que esse nosso
trabalho é um cinema amador, pois ele é realizado por pessoas que fazem com
amor seu trabalho. Esse amor foi a força que uniu todo mundo e a consciência de
que o filme pronto, com uma história boa, pode gerar frutos para todos da
equipe. O modo colaborativo se desenhou como estratégia de sobrevivência para o
filme. Quando a gente ia precisando, as pessoas apareciam, e até agora está
sendo assim.
Rua: E na sua época Zé, como você aproximava as pessoas para
te ajudarem nos seus filmes?
JO: Eu saia na rua com a câmera na mão e a mostrava para, a
maioria, crianças, jovens. Eu mostrava a câmera e eles perguntavam “Câmera do
quê?” e eu respondia “De fazer cinema”, aí ficavam interessados. “Eu vou
precisar de uns meninos, de umas meninas..” – dizia eu. Eles ficavam numa
alegria. Um deles, o Luizinho chegou, colocou a mão do meu lado e perguntou:
“Não tem uma beiradinha para mim no seu filme?” E ele é quem se saiu melhor.
Ele não era ator, ninguém era ator. Mas a gente vai conversando, explicando e
quase hipnotiza as pessoas. Eles ficavam com os olhinhos brilhando de alegria e
eu consegui, assim, fazer um pouco de cinema. Você fica meio louco e quando vê
está que nem macaco no meio das árvores e reúne outros loucos também, porque é
uma loucura maravilhosa trabalhar com cinema. Desde que seja um cinema sadio,
decente.
RUA: Aliás, no Delírios de um Cinemaníaco vocês utilizaram
não atores, assim como o Zé Pintor fazia em seus filmes. Como foi essa
experiência? Houve muitas dificuldades? Essas pessoas recebiam algum tipo de
preparação?
CM: Foi uma oportunidade ótima, conversávamos com o Zé sobre
isso. Ontem a gente contou quantos personagens tem no elenco, tem noventa e
seis, é muito elenco para produzir. Noventa por cento do elenco eram de não atores.
A gente fazia muito parecido com o que o Zé falou, saíamos na rua e víamos quem
topava fazer o filme. Alguns pediam para fazer, outros tínhamos que seduzir até
hipnotizar. O filme teve quatro sets, o primeiro set era só o Zé atuando, então
os outros atores não tiveram muita preparação. No segundo set a gente percebeu
que valia a pena fazer uma preparação, então teve uma oficina com alguns
atores. Nos outros sets houve um trabalho de ensaio. A gente filmava sem som
direto, nas cenas íamos falando “Vai… vai para a direita.. Agora fala tal
coisa”. O fato de não termos som direto foi muito bom nesse sentido. Teve uma
história legal [quanto ao uso de não-atores]: a gente não tinha uma avó e
estávamos a quinze minutos de começar o set. Ligamos para o Zé e falamos “Zé,
não tem avó” e ele disse “Não fala para a pessoa que ela vai morrer no filme”,
aí a gente conseguiu a vó de um ator. O ator foi lá e pediu para ela atuar, os
atores ajudavam a gente a conseguir outros atores. Ela topou dez minutos antes
do set. Ela não sabia que ia morrer na cena, então deu alguns problemas, ela
abria o olho, mexia a boca na cena.
JO: Eu dava algum palpitizinho, mas ele e o Felipe (Felipe
Leal Barquete, também diretor do filme) que dirigiram. Eu era um palpiteiro. Eu
não entendo o cinema fora do que eu fazia. E eles fazem a moda deles, dirigem a
moda deles. Então, eles vão fazer o melhor, certo?
RUA: E como vocês fizeram a construção do personagem “Zé
Pintor”?
JO: Eles seguiram a história. Procuraram os interpretes de
acordo (eu aos treze anos e aos vinte e dois). Eles transformaram o que estava
no papel em imagem. E ficou muito bom, os garotos interpretaram bem. E a
dificuldade de conseguir intérprete é muito grande. É preciso ser um cineasta
muito profissional, com ajuda financeira muito grande, porque não é fácil
conseguir um intérprete de acordo com o gosto ou com o enredo.
RUA: Vocês conheceram o trabalho do Zé Pintor na Mostra
Sanca em 2007. Gostaria de saber o que chamou mais atenção a vocês, o grupo de
realizadores, no trabalho do Zé para surgir essa ideia de fazer um filme
baseado na vida dele?
CM: Durante a preparação da Mostra Sanca, tive a
oportunidade de assistir umas sessenta horas de filmes feitos em São Carlos e
conheci o Eduardo Sá, que tinha feito um documentário sobre o Zé – “Zé Pintor,
Um olhar sobre São Carlos” – Ele tinha os filmes em dvd. O que mais me chamou
atenção era a direção dos filmes do Zé, e a montagem também. Achava muito bem
dirigido, os atores bons, os enquadramentos criativos, as soluções de técnica
de linguagem de letreiro, de repetição de imagens, de maquetes, cenários,
figurinos, tudo estava muito bem feito e foi o filme em si que me chamou
atenção. Aí eu conheci o Zé e aos poucos fui conhecendo a pessoa Zé. O que
chamou muita atenção no começo foi a qualidade dos filmes mesmo. Quando vi os
filmes do zé, como ele sózinho, uma pessoa só, fazendo tudo, percebi que era
muito mais interessante do que outros filmes que vi na mostra, com equipes grandes,
vários técnicos. Por isso tivemos a ideia de homenagear o Zé na mostra.
RUA: Como você caracteriza a importância do Zé Pintor para o
cinema de São Carlos?
CM: Ele é quem começou mesmo… Não, já tinham feito o
Fugitivos da vida na década de 50, filmaram algumas cenas de um cangaceiro da
região por aqui também naquela época, mas o Zé é o pioneiro mesmo. E é um
pioneiro que não se conhece, não se conhece no curso de Imagem e Som (curso de
Audiovisual da UFSCar), pelo menos eu nunca tinha ouvido falar. Tínhamos a fita
VHS com o documentário e só. E ali eu percebi que tínhamos um grande mestre do
cinema.
JO: Hitchcock veio uma vez aqui em São Carlos escondido e
copiou os meus filmes. Só que quando começou a realizar, deu um enfarte e caiu
morto. Na verdade é uma brincadeira, porque um professor disse uma vez que eu
via os filmes do Hitchcock e copiava.
CM: Ele é um percursor mesmo da cidade, não só no campo da
realização, mas também do desejo de fazer cinema. É um inspirador de sonhos
para outras gerações.
RUA: O filme será lançado aqui na cidade de São Carlos,
lugar onde Zé Pintor trabalhou durante toda sua vida, e consequentemente onde
se passa a história do filme. Como analisam a importância deste fato? Qual
impacto positivo (tipo de motivação) desejam transmitir àqueles que são
naturais da cidade de São Carlos e também àqueles que estudam e realizam cinema
aqui?
JO: Só na hora, e depois que todos assistirem para vermos a
reação. Mas vai ser coisa simples, o povo daqui é bom e educado. Eles vêem aqui
tudo o que é de novo, foram preparados para ver coisas como essas, não vai ter
problema nenhum. É um filme simples, não é um drama forte, não tem violência.
Não são muitos que me conhecem, os poucos que estão me conhecendo um pouco mais
é devido a propaganda que está saindo no jornal, na televisão. Mas o povo daqui
é respeitoso, todos gostam de cinema e a exibição desse filme é uma novidade na
cidade. Eu gosto de São Carlos, eu nasci aqui, quem bebe água de São Carlos não
vai embora, a água daqui é boa.
A cultura de cinema agora vai surgindo na cabeça de cada um,
mas eu aconselho a quem vai começar a fazer cinema, que veja primeiro se tem
condições de começar e fazer, e fazer direito, com tudo que é preciso. Por que
senão, não comece. Não entre nessa de cinema se não tiver a força e a
categoria, e também a condição artística, o talento… Por que às vezes você está
fazendo uma coisa que o espectador não vai gostar. Cinema é cultura, pode ser
feito documentário sobre tanta coisa, filmes educativos, agora filme com
estórias está muito difícil, porque as histórias já foram muito exploradas e
estão sendo muito repetidas no cinema. Depois que o filme está na metade vem o
cansaço, os problemas que surgem. Tem que ver se dá pra começar uma coisa e
terminar e com muita qualidade. Se o filme não agradar, o trabalho fica
perdido. Cinema é brincadeira em parte só, noutra não é brincadeira não, às
vezes resulta em mal resultado, prejuízo financeiro. Eu sou amador, todos os
filmes que eu fiz foram de brincadeira, eram sonhos. Vários deles ficaram pela
metade e nunca consegui terminar, não tinha condição de sonorização.
RUA: Como o senhor vê a existência do curso de Imagem e Som
aqui na cidade? Porque é um curso que está promovendo a produção de novos
filmes, como o senhor avalia?
JO: Desde que os filmes sejam bem feitos, com consciência,
educação, decoro. Deve ser feito imagens com nível intelectual e moral bem
acentuado. Senão é desperdício, é gastar material. Tem que fazer com
consciência. O curso tem valor pra quem gosta de cinema, fotografia, ainda mais
hoje com a facilidade das câmeras digitais.
RUA: Eu queria saber um pouco sobre a relação do senhor com
a morte, já que o filme aborda essa temática.
JO: Por enquanto eu vejo a morte nos outros, porque a minha
não veio. Eu quero morrer de susto e bem rápido. (risos)
RUA: Considerações finais?
CM: Para aqueles que forem assistir Delíirios de um
Cinemaníaco, eu espero que vocês gostem tanto do filme quanto a gente gostou de
fazer, o filme é dedicado a você que ama o cinema.
JO: Esse filme é um
filme para quem gosta de cinema e para quem gostar da história. Espero que
agrade a todo mundo, todos fizeram o máximo que puderam, com muito sacrifício e
muito trabalho. Eles lutaram muito para conseguir, espero que tenham apoio e
apreciação. O melhor mesmo é assistir ao filme para ter uma opinião.
* Mauricio Iwaoka é graduando do curso de Imagem e Som da
Universidade Federal de São Carlos (USFCar) e editor da seção Entrevistas da
Revista Universitária do Audiovisual (RUA).
** Fernanda Sales é graduanda do curso de Imagem e Som da
Universidade Federal de São Carlos (USFCar) e Editora Geral da Revista
Universitária do Audiovisual (RUA).
Foto e texto reproduzido do site: http://www.rua.ufscar.br/site/?p=14581
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