Fotos de Bruno Pires
Publicado originalmente no site "Preguiça Magazine", em 3 de Outubro de 2013.
Em Busca do Cinema Paraíso.
Por Carina Correia.
Com o filme “Cinema Paraíso” a preencher todo o nosso
imaginário, fomos ter com um dos últimos projecionistas no activo na cidade.
Chama-se João Silva e trabalha no Teatro Académico de Gil Vicente (TAGV) há
mais de 30 anos.
Entramos na sala de projecção e é mesmo aquilo que
esperamos. Centenas de caixas, bobines, rolos, fitas e claro, as máquinas
apontadas para aquelas janelinhas pequenas por onde sai a luz que se transforma
em imagem no grande ecrã.
Tal como Alfredo, no filme, João tem uma história para contar.
“Comecei a trabalhar no Teatro Sousa Bastos com 12 anos. Fazia várias coisas:
publicidade, bilheteira e ia buscar e levar os filmes à estação”. A sua
permanência neste Teatro foi de seis meses, até ter um convite que mudou a sua
vida. “O Sr. Emílio, que trabalhava aqui no TAGV, via-me a passar com 12 anos
todo atarefado e um dia convidou-me para vir trabalhar com ele. Assim foi. Vim
para cá em 1978, com 13 anos, e por aqui fiquei”. Numa altura complicada, pós
25 de Abril, João confessa que “esse convite foi a melhor coisa que me
aconteceu.”
No entanto, ainda não foi nessa altura que João ficou
definitivamente por Coimbra. “Era muito difícil ficar nos quadros da
Universidade. Entretanto fui para a tropa, onde tirei o curso de projecionista
e onde trabalhei como tal”. Mas o destino quis que fosse João a dar-nos cinema
e acaba por voltar à cidade, ao TAGV e a ficar efectivo.
E o que faz um projecionista? Ou melhor, como se constrói
todo o processo de projecção de um filme? A resposta não é simples, pelo menos
para quem não estiver minimamente dentro do assunto. São várias as etapas
envolvidas: “Primeiro temos de montar o filme. O filme vem em caixas, entre
cinco a oito. Começamos com a primeira bobine, e vemos se ela está no princípio
ou no fim. Se estiver no princípio [rebobinada], começa-se do princípio, se
estiver no fim, começa-se do fim.
Temos então de fazer as várias colagens entre
as várias bobines. Se estiver no princípio, viro a bobine 1 para o rolo, depois
viro a 2 em cima da 1, depois a 3 e coloco um pedaço de filme que anuncia o
intervalo. Automaticamente fico com as 3 partes já arranjadas e assim
sucessivamente”. Contudo, outras tarefas existem. “Passo a fita toda à mão,
para sentir se há algum corte ou alguma colagem grossa que possa partir na
máquina”.
Todo o processo de montagem acontece antes da hora de
projectar o filme e demora, para João, “de 45 minutos a 1 hora porque já tenho
bastante prática”. Após o filme começar, o trabalho continua. “Quando começa
temos de ver se está desfocado e se estiver, focar. E depois temos de estar
sempre atentos durante a projecção porque a fita pode saltar e desenquadrar”.
Ora assim se percebe que a atenção dada ao filme nem sempre é a melhor.
“Consigo ver o filme mas a concentração está na máquina. E com o tempo, vamos
percebendo os truques desta profissão. Pelo barulho da máquina a trabalhar, por
exemplo. Percebo logo quando se passa algo de errado”.
Arriscámos perguntar a João se este é um trabalho solitário.
E a resposta foi afirmativa. Antes, João não estava sozinho, mas agora está,
exceptuando “os festivais de cinema em que tenho uma pessoa a ajudar-me porque
senão teria de estar aqui todo o dia”. Fala-nos ainda de uma outra vertente
sua, a de ensinar. “Já ensinei, e ainda ensino, muita gente a trabalhar com
esta máquina”. Para além disso, dá alguns workshops no Centro de Estudos
Cinematográficos da Universidade de Coimbra.
Mas é ao mesmo tempo um João triste que se sente quando se
fala em ensinar. “Acho que já não devo ensinar mais ninguém, esta profissão
está em risco de acabar”. Hoje em dia, a maioria das projecções é feita de
forma digital e claro, “a qualidade e a imagem não são as mesmas, nada como uma
máquina de projectar”, desabafa.
João é um consumidor de cinema. “Mesmo em casa fico muitas
vezes colado à televisão a ver filmes”. Para além do clássico Cinema Paraíso,
um filme que o toca especialmente, gosta um pouco de todos os géneros. “Amo a
minha profissão e só tenho mesmo é pena que o filme em fita esteja a acabar, prevejo
isso mais dia, menos dia”.
Quanto a nós, resta-nos agradecer a experiência enquanto
esse fim anunciado não se revelar.
Texto e imagens reproduzidos do site: coimbra.preguicamagazine.com
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