O projecionista exibe com orgulho registros de admissão em
cinemas nas décadas de 50 e 60. (Foto: Dinaldo dos Santos)
Publicado originalmente no site Aratu Online, em 05/11/2017
SESSÃO NOSTALGIA
Em dia de homenagem à Sétima Arte, um
apelo ao retorno dos cines de rua
Fonte: Dinaldo dos Santos
Hoje é dia de homenagear o cinema nacional! A data – 5 de
novembro – é lembrada pelo aniversário do passamento de Humberto Mauro, um dos
cineastas pioneiros do Brasil.
Nascido em 1897, ele se tornou o maior diretor brasileiro
dos primeiros tempos do nosso cinema. Foi homenageado no Festival de Cannes, em
1983, seu último ano de vida, e serviu de inspiração para uma geração que
incluiu Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos.
Dos idos de sua existência, ficaram sua obra e o legado para
nossa cultura, que foram importantes para a evolução da Sétima Arte no país.
Porém, uma realidade do seu tempo, muitos dos que conheceram lamentam ter sido
extirpada pelo processo de desenvolvimento: o velho cinema de rua.
Quem tem, pelo menos, 40 anos de idade, sabe como aqueles
espaços foram, por muito tempo, não só um local de lazer, mas um ambiente
extremamente popular, onde o acesso à arte acontecia sem qualquer tipo de exclusão,
tanto pelos preços dos ingressos, quanto por suas localizações.
Em Salvador, existiram dezenas de cinemas de rua. Espalhados
pela cidade, a maioria funcionava no centro histórico. No entanto, moradores de
alguns bairros de diferentes pontos da capital baiana, também, tiveram o
privilégio de serem vizinhos desses templos da arte.
Ao longo das últimas décadas, infelizmente, eles foram
desaparecendo, dando lugar às modernas salas de exibição que começaram a se
instalar nos requintados shopping centers. A mudança é uma realidade inevitável
que contrariou muita gente.
Entre os soteropolitanos, um desses inconformados tem uma
relação muito estreita com o cinema de rua. O projecionista Hamilton
Espinheira, 87 anos, aposentou-se em 1990, depois de ter passado toda a vida
profissional, ajudando a proporcionar diversão e cultura para os frequentadores
desses antigos espaços.
A virada de página para os pontos de exibição de filmes deu
um tom nostálgico a sua vida. “Vejo com muita tristeza o fim dos cinemas de
rua. Eu trabalhei quase em todos de Salvador e foi uma época muito boa”,
lembrou.
Filho de um eletricista e operador de projeção que trabalhou
no Cine Jandaia, na Baixa dos Sapateiros, Espinheira revelou que aos oito anos
de idade começou a acompanhar o pai em seu ofício e se encantou pela profissão
que veio a exercer, quando completou a maioridade.
Além do Jandaia, os cines Capri, Excelsior, Bristol, Amparo,
Brasil, São Jorge e Bahia conheceram o trabalho de Hamilton. Em sua vasta
experiência ele relata que acompanhou o lançamento de obras que faziam lotar os
cinemas da cidade.
“Naquela época, o gigante da Baixa dos Sapateiros era o
Jandaia, onde podia assistir grandes produções”, disse, citando: Quo Vadis,
Joana D’Arc, As Minas do Rei Salomão e Mogambo. Na mesma linha, segundo ele,
depois veio o Cine Tupy que exibiu As Chuvas de Ranchipur, Os Dez Mandamentos e
Lawrence da Arábia, além de outros grandes filmes.
Apesar da época glamourosa, Hamilton relatou que, no fim dos
anos 80, o Jandaia trocou de proprietário e começou a investir em produções de
artes marciais. “Se tornou uma verdadeira academia”, ironizou. “Depois vieram
os filmes pornôs e a coisa ficou pior”, completou.
Com o passar dos tempos, as inviabilidades da manutenção dos
espaços fizeram com que, praticamente, todos fechassem e alguns passaram a
acolher instituições religiosas, entre outras atividades. O Tupy, porém, tenta
resistir à nova era, atendendo a um público que consome produções
pornográficas.
Especialista
Em entrevista ao Aratu Online, o crítico e pesquisador de
cinema, André Dib, esclareceu que o desaparecimento dos cines de rua é uma
realidade mundial. Segundo ele, o Brasil, em particular, na década de 70,
possuía seis mil salas de exibição e hoje deve ter pouco mais de três mil,
concentradas nos shoppings das capitais e grandes cidades.
“Antigamente, toda cidade tinha, no mínimo, um ou dois
cinemas. Hoje eles são aves raras”, definiu dessa forma, o pesquisador. Para
Dib, uma combinação de vários fatores levou ao fim dos cinemas.
“Começa o primeiro declínio nos anos 70 com a popularização
da TV. Depois, nos anos 80, vieram o videocassete com as videolocadoras e as
pessoas passaram a assistir filmes em casa, por ser mais cômodo”, explicou,
acrescentando que, mesmo assim, os cinemas ainda se mantiveram algum tempo por
conta das estreias, que aconteciam sempre naqueles espaços.
De acordo com o especialista, outro motivo se relaciona ao
novo desenho urbano das grandes cidades, onde ocorreu uma forte migração das
ruas para os shoppings, principalmente, pelo crescimento desenfreado da
violência. “Como é que se pode imaginar, hoje em dia, três cinemas de rua em
uma praça abandonada?”, questionou Dib.
Novo perfil de público
As mudanças não se resumem, apenas, aos locais de exibição
com seus requintes e modernidades tecnológicas. O valor dos ingresso é bem mais
elevado e a pipoca custa o ‘olho da cara’. Neste contexto, o pesquisador
salienta que o perfil do público também sofre alteração.
Apesar disso, André Dib acredita que a nova realidade não
colabora para um empobrecimento cultural. “Eu não vejo dessa forma tão
esquemática, acho que a cultura de um modo geral empobreceu, não tanto por
conta dessa mudança. Existe algo maior, no qual os cinemas de rua foram
prejudicados”, ressaltou.
Na observação de Dib, essa mesma cultura que proporcionou
mudanças, hoje permite a revalorização desses espaços, a ponto de alguns deles
retornarem à atividade. O pesquisador destacou, neste cenário, uma iniciativa
tomada pelo governo pernambucano. Ele fez referência ao cinema de rua ‘São
Luís’, em Recife, que é mantido pelo poder público. “A meia-entrada custa cinco
reais e no local passa filmes do mundo inteiro. É um exemplo que poderia ser
seguido em todo o país”, sugeriu.
Espaço Itaú Glauber Rocha, no centro de Salvador
Em Salvador, uma opção se aproxima dessa ideia, mas, ao
contrário do ‘São Luís’, o empreendimento é da iniciativa privada e pratica
preços um pouco mais elevados nas bilheterias. O espaço Itaú Glauber Rocha é um
local aconchegante que disponibiliza quatro salas de exibição, na Praça Castro
Alves, centro da cidade.
O acesso à região é favorecido por algumas linhas de ônibus
para quem necessita do transporte público e há, também, no entorno, um
estacionamento para veículos com tarifas de R$ 20 em um período de 3 horas. O
local é onde funcionava, desde as primeiras décadas do século XX, o Cine
Guarani, rebatizado, posteriormente, para Glauber Rocha, após a morte do
cineasta baiano.
Texto e imagem reproduzidos do site: aratuonline.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário