Na profissão há 48 anos, Linhares nunca danificou um filme
Foto: Henry Milleo/Gazeta
do Povo
Publicado originalmente no site Gazeta do Povo, em 02/11/2012
Igual ao Cinema Paradiso
Mudança na projeção de filmes, do rolo para o digital,
provocou também uma transformação na relação das pessoas com o cinema
Por Fernanda Trisotto
Resistência - Jovem vira projecionista para unir os sistemas analógico e
digital
Engana-se quem pensa que apenas senhores seguem na profissão
de projecionista: há jovens atraídos pela magia do cinema. Daniel Silveira
Souza, 34 anos, trabalha há 2 anos na Cinemateca Brasileira em São Paulo.
"Vi na profissão uma oportunidade, uma necessidade de fazer parte de uma
resistência já que está desaparecendo, mas ao mesmo tempo tentando ser uma
espécie de visionário, como quem quer provar ao mundo que existe alguma cabeça
que vê a co-existência dos sistemas analógico e digital."
Responsável pelas projeções da cinemateca, Souza ministra
cursos. A convite da Fundação Cultural, falou em Curitiba sobre esse período de
transição, o funcionamento dos sistemas analógico e digital e discutindo o
futuro da profissão. "A ideia é mostrar para projecionistas da velha
guarda que bits não são perigosos quando sabemos manipulá-los e que não adianta
problematizá-los quando dependemos desse conhecimento para prosseguir."
(FT)
Desde que Cid Linhares começou a trabalhar, em 1966, muita
coisa mudou nas salas de projeção de cinema. Os projetores não são mais de
carvão, os rolos de filme estão dando espaço para a reprodução digital, o
espaço encolheu, a quantidade de pessoas envolvidas na atividade diminui e é
proibido fumar em ambientes fechados. "Quem trabalha aqui é um solitário.
Os melhores amigos do projecionista eram o café e o cigarro", resume
Linhares, de 61 anos.
Atualmente, ele trabalha no Cine Guarani, espaço mantido
pela Fundação Cultural de Curitiba, e deve se despedir da profissão em fevereiro,
quando planeja se aposentar. Parar de trabalhar, no entanto, não está nos
planos: já foi convidado para supervisionar a projeção de uma rede de cinema de
shopping.
Linhares rodou o Brasil e, mais do que as mudanças
tecnológicas, também assistiu a uma transformação cultural. "A coisa mais
gostosa do meu tempo de cinema era ver a pessoa ter reação, sentir o cheiro de
cinema. Hoje não existe mais. Está se perdendo a essência", diz.
Foi numa projeção, inclusive, que conheceu sua mulher. Era
uma matinada e
a sala tinha um cheiro gostoso, de perfume. Em um intervalo, ele desceu, olhou
para a mulher e começaram a conversar. Foi um pulo
para virar um namoro e, por fim, um casamento. Os dois estão juntos há 43 anos.
Amor
Linhares se orgulha de nunca ter danificado um só rolo de
filme. "Os filmes eram muito fracos e pegavam fogo", explica. Segundo
ele, o ritual da projeção é simples. Cada filme vem em cerca de cinco rolos de
película fotográfica. É o operador que monta e revisa todas as produções antes
de colocar no projetor e passar para o público.
Às vezes, as coisas não saíam como o esperado. Entre 1969 e
1970, época que ele chama de epidemia de faroeste, o cinema em que trabalhava
tinha três projetores, que recebiam os rolos individualmente. Três passaram sem
problema, mas o quarto tinha uma sequência de luta de espadas, sem qualquer
relação com o filme. "Foi um griteiro no cinema. Subiu gerente para
reclamar, mas a culpa não era minha. O rolo veio trocado de outro cinema,
porque eles traziam de bicicleta. Era uma confusão."
Por suas mãos passaram as projeções de clássicos do cinema,
como Ben-Hur, e sucessos de bilheteria, como Ghost. O primeiro é um de seus
filmes preferidos, junto com outros épicos, como Os Dez Mandamentos e O Rei dos
Reis. Já o blockbuster... "Foi um saco. Ghost ficou um ano e meio
passando. Eu não aguentava mais."
Embora tenha amor pelo cinema, Linhares revela
que não gosta de assistir filmes nas horas de folga. No salão então, nem
pensar. "É porque se eu vejo algum defeito, comento", conta rindo ao
lembrar que isso de falar mal de filmes é uma das coisas que foi ensinado a
nunca fazer
Texto e imagem reproduzidos do site: gazetadopovo.com.br
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