sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Paixão pelo cinema compartilhada


Publicado originalmente no site MULTIRIO, EM 30 DE OUTUBRO DE 2013

Paixão pelo cinema compartilhada

Por Luís Alberto Prado

Hernani300Carioca do bairro boêmio do Estácio, Hernani Heffner tornou-se referência máxima quando o assunto é história do cinema brasileiro. Formado em Cinema pelo Instituto de Arte e Comunicação Social (IACS) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Hernani atualmente trabalha como conservador-chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), professor da PUC-Rio e curador dos festivais Cine Música e CineOP (temática da preservação audiovisual).

MULTIRIO – Como você descobriu sua vocação para o cinema?

Hernani Heffner – Não sei se descobri uma vocação. Apenas gostava mais intensamente de cinema, na adolescência, e quis me aproximar desse mundo. Na faculdade, descobri que a realização não me interessava, e sim a história e a preservação do meio.

MULTIRIO – Quais são suas influências, sua inspiração?

HH – A grande inspiração veio do universo da Cinemateca do MAM e de sua equipe, em particular o Francisco Sérgio Moreira (montador, pesquisador, restaurador, editor e técnico de preservação de filmes), que compartilhava o interesse pela tecnologia de cinema, a origem “uffiana” e o desejo de salvar os filmes.

MULTIRIO – Fale um pouco sobre a Cinemateca do MAM e o trabalho que vocês vêm desenvolvendo para preservar a memória do cinema nacional.

HH – A Cinemateca foi fundada em 1955 e já passou por muitas fases, umas mais gloriosas, outras bastante difíceis, o que não é incomum no mundo da preservação, dentro e fora do Brasil. É um trabalho difícil, porque envolve altos custos e, principalmente, uma mentalidade de preservação que começa junto aos agentes da cadeia produtiva do meio e se atualiza cotidianamente nos arquivos de filmes. A Cinemateca tem uma equipe pequena (16 técnicos), um acervo mediano (80 mil rolos) e realiza, sobretudo, a conservação física dos materiais, fazendo copiagens ou restaurações fora de suas instalações.

 Temos filmes brasileiros de todas as épocas, começando com o mais antigo existente (Reminiscências, 1909), chegando aos atuais DCPs (uma tecnologia do cinema digital), que começamos a incorporar há dois anos. No total, temos cerca de 2 mil títulos brasileiros – um terço de tudo que sobreviveu de nossa memória fílmica. Temos, ainda, o maior centro de documentação sobre cinema da América do Sul, com uma coleção integrada por, aproximadamente, 2 milhões de itens documentais (cartazes, fotos, roteiros, dossiês de imprensa e de publicidade etc.), dedicados ao cinema brasileiro e internacional.

MULTIRIO – Como anda o cinema brasileiro? O que você tem assistido em relação às novas produções? Há algum destaque?

HH – Esta é uma pergunta muito abrangente. Posso dizer que o cinema brasileiro vive sua melhor fase do ponto de vista financeiro e de volume de produção. Mas, contraditoriamente, uma de suas épocas menos interessantes do ponto de vista artístico. É a primeira vez que tantas gerações diferentes convivem, e o cenário deveria ser dos mais estimulantes, mas não é. Há exceções, como sempre: Nelson Pereira dos Santos, do rigoroso A Música Segundo Tom Jobim; Ricardo Miranda, do belíssimo Djalioh; Paulo César Saraceni, que ainda nos deixou o surpreendente O Gerente; Joel Pizzini, com a obra-prima Dormente; Lírio Ferreira, com o esfuziante e tocante O Homem que Engarrafava Nuvens; João Moreira Salles, com o corajoso Santiago; a máquina de filmes ímpares e reveladores do Brasil e do cinema atual chamada Eduardo Coutinho; e o grupo mais jovem, no qual despontam obras como Estrada para Ythaca, Girimunho, Eles Voltam, Desassossego – O Filme das Maravilhas e alguns outros. Há, ainda, bons diretores, porém com carreira irregular, como Walter Salles, Breno Silveira, Guel Arraes, Fernando Meirelles e algumas promessas.

É um cinema envolvido em várias transições – a de um país pobre para um país de classe média; de um cinema em película para um cinema digital; de um mercado de salas para a diversidade da internet; de um modelo de produção concentrado e concentrador para a pluralidade das pequenas produtoras, pontos de cultura e iniciativas individuais; do longa-metragem para a produção seriada sob vários modelos. Enfim, do século XX para o XXI.

MULTIRIO – Como foi voltar ao IACS no “papel” de professor?

HH – Foi surpreendente ao longo dos oito anos em que permaneci dando aulas de História e Preservação. Surpreendente porque ainda encontrei um modelo de universidade libertário, em quase todos os sentidos. Pude fazer o que quis, porque peguei algumas gerações de enorme vigor na realização de ações culturais e artísticas de grande monte – e neste sentido, a troca com os alunos foi intensa e atualizadora, porque confirmei que não conseguiria ser um professor na acepção da palavra, mas que posso conversar e dar uns toques importantes, aqui e ali.

MULTIRIO – Como está a crítica de cinema nos dias de hoje?

HH – Eu nunca fui crítico, talvez um bom leitor de críticas. Em relação aos anos 80 e 90, que foi a época do ocaso da crítica tradicional de jornal diário, melhorou muito, sobretudo com as revistas eletrônicas. Por exemplo, Contracampo, Cinética, Paisà, Filmes Polvo e muitas outras mais. Este movimento está arrefecendo agora, mas foi o mais bem-resolvido em termos de transição de um tempo que se encerrava para outro que precisava se organizar e existir.

MULTIRIO – Você tem dimensão de sua importância na formação de várias gerações de apaixonados pelo cinema nacional?

HH – O que fiz foi compartilhar minha paixão pelo cinema, sabendo que quase sempre havia igual ou maior em meu (minha) interlocutor(a). É como no futebol: uma vez no gramado, todos se entendem e formam uma confraria, sem hierarquias...

Texto e imagem reproduzidos do site: multirio.rj.gov.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário