Paixão pelo cinema compartilhada
Por Luís Alberto Prado
Hernani300Carioca do bairro boêmio do Estácio, Hernani
Heffner tornou-se referência máxima quando o assunto é história do cinema
brasileiro. Formado em Cinema pelo Instituto de Arte e Comunicação Social
(IACS) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Hernani atualmente trabalha
como conservador-chefe da Cinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), professor
da PUC-Rio e curador dos festivais Cine Música e CineOP (temática da
preservação audiovisual).
MULTIRIO – Como você descobriu sua vocação para o cinema?
Hernani Heffner – Não sei se descobri uma vocação. Apenas gostava mais intensamente de cinema, na adolescência, e quis me aproximar desse mundo. Na faculdade, descobri que a realização não me interessava, e sim a história e a preservação do meio.
MULTIRIO – Quais são suas influências, sua inspiração?
HH – A grande inspiração veio do universo da Cinemateca do MAM e de sua equipe, em particular o Francisco Sérgio Moreira (montador, pesquisador, restaurador, editor e técnico de preservação de filmes), que compartilhava o interesse pela tecnologia de cinema, a origem “uffiana” e o desejo de salvar os filmes.
MULTIRIO – Fale um pouco sobre a Cinemateca do MAM e o trabalho que vocês vêm desenvolvendo para preservar a memória do cinema nacional.
HH – A Cinemateca foi fundada em 1955 e já passou por muitas fases, umas mais gloriosas, outras bastante difíceis, o que não é incomum no mundo da preservação, dentro e fora do Brasil. É um trabalho difícil, porque envolve altos custos e, principalmente, uma mentalidade de preservação que começa junto aos agentes da cadeia produtiva do meio e se atualiza cotidianamente nos arquivos de filmes. A Cinemateca tem uma equipe pequena (16 técnicos), um acervo mediano (80 mil rolos) e realiza, sobretudo, a conservação física dos materiais, fazendo copiagens ou restaurações fora de suas instalações.
MULTIRIO – Como anda o cinema brasileiro? O que você tem assistido em relação às novas produções? Há algum destaque?
HH – Esta é uma pergunta muito abrangente. Posso dizer que o cinema brasileiro vive sua melhor fase do ponto de vista financeiro e de volume de produção. Mas, contraditoriamente, uma de suas épocas menos interessantes do ponto de vista artístico. É a primeira vez que tantas gerações diferentes convivem, e o cenário deveria ser dos mais estimulantes, mas não é. Há exceções, como sempre: Nelson Pereira dos Santos, do rigoroso A Música Segundo Tom Jobim; Ricardo Miranda, do belíssimo Djalioh; Paulo César Saraceni, que ainda nos deixou o surpreendente O Gerente; Joel Pizzini, com a obra-prima Dormente; Lírio Ferreira, com o esfuziante e tocante O Homem que Engarrafava Nuvens; João Moreira Salles, com o corajoso Santiago; a máquina de filmes ímpares e reveladores do Brasil e do cinema atual chamada Eduardo Coutinho; e o grupo mais jovem, no qual despontam obras como Estrada para Ythaca, Girimunho, Eles Voltam, Desassossego – O Filme das Maravilhas e alguns outros. Há, ainda, bons diretores, porém com carreira irregular, como Walter Salles, Breno Silveira, Guel Arraes, Fernando Meirelles e algumas promessas.
É um cinema envolvido em várias transições – a de um país pobre para um país de classe média; de um cinema em película para um cinema digital; de um mercado de salas para a diversidade da internet; de um modelo de produção concentrado e concentrador para a pluralidade das pequenas produtoras, pontos de cultura e iniciativas individuais; do longa-metragem para a produção seriada sob vários modelos. Enfim, do século XX para o XXI.
MULTIRIO – Como foi voltar ao IACS no “papel” de professor?
HH – Foi surpreendente ao longo dos oito anos em que permaneci dando aulas de História e Preservação. Surpreendente porque ainda encontrei um modelo de universidade libertário, em quase todos os sentidos. Pude fazer o que quis, porque peguei algumas gerações de enorme vigor na realização de ações culturais e artísticas de grande monte – e neste sentido, a troca com os alunos foi intensa e atualizadora, porque confirmei que não conseguiria ser um professor na acepção da palavra, mas que posso conversar e dar uns toques importantes, aqui e ali.
MULTIRIO – Como está a crítica de cinema nos dias de hoje?
HH – Eu nunca fui crítico, talvez um bom leitor de críticas. Em relação aos anos 80 e 90, que foi a época do ocaso da crítica tradicional de jornal diário, melhorou muito, sobretudo com as revistas eletrônicas. Por exemplo, Contracampo, Cinética, Paisà, Filmes Polvo e muitas outras mais. Este movimento está arrefecendo agora, mas foi o mais bem-resolvido em termos de transição de um tempo que se encerrava para outro que precisava se organizar e existir.
MULTIRIO – Você tem dimensão de sua importância na formação de várias gerações de apaixonados pelo cinema nacional?
HH – O que fiz foi compartilhar minha paixão pelo cinema, sabendo que quase sempre havia igual ou maior em meu (minha) interlocutor(a). É como no futebol: uma vez no gramado, todos se entendem e formam uma confraria, sem hierarquias...
Texto e imagem reproduzidos do site: multirio.rj.gov.br
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