quinta-feira, 25 de julho de 2013

Orion Jardim de Faria




Publicado por webinsider, em  de junho de 2010.

O Pioneirismo do 70mm no Brasil tem um nome: 
Por Paulo Roberto Elias

A exibição de filmes em 70 mm no Brasil foi feita com projetores brasileiros, em vários cinemas. Conhecer quem os fez e a sua trajetória foi um grande privilégio.

Mesmo depois de duas décadas freqüentando cinemas com sistemas estado da arte para projeção em 70 mm, e de ter tido uma vivência prévia em cabines de projeção, 35 e 16 mm, com algum conhecimento neste assunto, eu jamais imaginaria que os maiores espetáculos de cinema que eu vi, incluindo o Cinerama 70, no antigo Roxy do Rio de Janeiro, se deveram a uma única pessoa: Orion Jardim de Faria, designer e fabricante do Incol modelo 70/35.

E esta descoberta aconteceu um tempo depois de começar a pesquisar que tipos de equipamentos eram usados pelos exibidores, nos cinemas do Rio de Janeiro. Na realidade, muito antes de falar com qualquer pessoa do ramo, eu descobri uma página no site “in70mm.com”, do dinamarquês e expert em 70 mm Thomas Hauerslev, falando sobre o Incol. O que acontecera é que o autor do artigo, Richard Fowler, conhecia Alysson de Faria, filho de Orion que trabalhou na Dolby, e soube por ele dos projetores, tendo depois a chance de vê-los e fotografá-los, na cabine de projeção do Senado Federal, em Brasília.

Algumas outras fotos, dos mesmos projetores, vieram parar eventualmente em minhas mãos, por gentileza e cortesia de Charles Torres, gerente comercial da Projecine. São poucas, infelizmente, as referências que sobraram dos Incol 70/35, mesmo nos escritórios do principal exibidor que os usara, Luiz Severiano Ribeiro. Para agravar esta situação toda, quando a fábrica do Incol foi fechada, um dos funcionários jogou toda a papelada fora, achando que ela não tinha mais serventia. E lá estavam a maior parte dos designs e das documentações que hoje nos teriam sido de imensa valia para um estudo.

Não sobrando quase nada, é quase que impossível se fazer qualquer tipo de pesquisa. E é por isso, em última análise, que vários países mantêm museus especializados ou bibliotecas separadas por áreas, nas instituições acadêmicas. E este é um aspecto, o do cinema, onde, a meu ver, estas iniciativas andam por demais negligenciadas.

Entretanto, eu dei a sorte e tive o imenso privilégio de receber uma ligação de São Paulo, do engenheiro que tornou o 70 mm possível na maioria dos cinemas que eu freqüentei: o próprio Orion de Faria. Então eu me propus a visitá-lo, mesmo não morando em São Paulo, onde ele reside. Para isto, eu tive que ir preparado, e um grande amigo logo me sugeriu carregar no bolso um desses gravadores digitais, que acabou me salvando a vida, pois é impossível guardar ou anotar tudo, depois de umas três horas de conversação.

A VISITA

Eu me encontrei com Orion de Faria no dia 15 de maio deste ano, às 09h00min, e este encontro foi especialmente registrado numa página escrita para o in70mm, site especializado e dedicado a todas as atividades relativas ao formato.

Chegando lá, eu me deparei com uma pessoa extremamente afável, e com uma enorme paixão pelo cinema, e só isso me deixou totalmente à vontade. E quando falo em cinema, eu preciso incluir tudo, desde o projeto original no estúdio, até a projeção do filme. Orion conhece tudo e fala com proficiência sobre isso, uma coisa rara, mesmo entre os vários experts e scholars que eu tive a chance de conhecer na minha vida de cinéfilo.

É claro que a gente quando encontra alguém nesta estatura de conhecimento quer logo saber como isso foi possível. Orion é filho de engenheiro diplomado, Alysson de Faria, com largo background em mecânica e eletrônica, e que se tornou empresário de uma firma fornecedora e instaladora de equipamentos de cinemas, atravessando alguns períodos de transição no processo de exibição, como por exemplo, o início do cinema falado. E foi através da firma do pai e da curiosidade que lhe é natural, sobre a parte técnica que o cercava, que ele deu os seus primeiros passos para conhecer o que seria depois a peça mais importante da sua indústria: o projetor de cinema profissional sonoro!

Mas, foi depois de ter feito um curso técnico na Western Electric, que os seus passos mais importantes foram dados. Aliando teoria e prática, Orion se tornou auto-suficiente para, em 1959, montar a sua própria indústria: aIndústria Cinematográfica Orion Limitada, ou simplesmente INCOL.

O APARECIMENTO DO FORMATO DE FILME EM 70 MM NO PAÍS

Segundo seu relato, em 1958, Orion de Faria viajou para os Estados Unidos, para estudar o projetor Philips DP-70. Alguns anos antes, o produtor Michael Todd, proponente do Cinerama de uma só câmera e projetor, processo conhecido depois como Todd-AO, encomendou à Philips holandesa a construção de um projetor para este sistema. Fruto de um trabalho inovador nesta área, nasceu o Philips DP-70.

O DP-70 é considerado até hoje um projetor revolucionário, no que tange à exibição de filmes, porque ele contempla todas as possibilidades da época: a máquina pode projetar 70 mm e também 35 mm, e faz isso com cadência de 30 ou 24 quadros por segundo. Os visionários do Todd-AO achavam, e com razão, que com 30 qps uma série de artefatos de movimento era totalmente eliminada. O formato só não foi adiante por causa do custo, tendo sido usado nos dois primeiros filmes em Todd-AO, e em alguns poucos documentários, e nos projetos seguintes voltou-se à cadência padrão de 25 qps do cinema convencional.

Orion me contou que ficou entusiasmado com o projeto do Philips e do Todd-AO. Até então, a produção americana para 70 mm tinha se restringido ao projetor Simplex para o formato Grandeur, na década de 1930, e que acabou não dando certo. O DP-70 traz modificações principalmente ao nível da janela de projeção, com um design das guias curvo, terminando de vez com o estresse da passagem do filme diante do obturador, em qualquer das duas bitolas.

Além disso, Orion me chama a atenção que, bem em frente à janela, foi usado um par de molas, cujo objetivo é manter a película de cinema totalmente plana, evitando assim a chamada “canoagem” (deformidade em forma de canoa), e otimizando a passagem do filme, com um reflexo imediato na estabilização do foco do mesmo na tela. Esta melhoria é tão importante, que foram feitas molas separadas para 35 mm também.

A parte superior do projetor, a partir das cabeças magnéticas e principalmente o conjunto janela e lente, foram parcialmente copiadas, no projeto do Incol 70/35. Alguns detalhes foram mantidos, e outros extensamente modificados.

No que tange às cabeças magnéticas, por exemplo, Orion preferiu usar pick-ups magnéticos separados, para 70 e 35 mm, e então invés de usar um conjunto de cabeças fixas, como o DP-70, ele as encapsulou uma de costas para a outra, num invólucro rotativo. Com isso, o processo de alinhamento se tornou mais flexível e os ajustes de zênite e azimute mais finos, e específicos para cada bitola. Neste ponto, eu posso afirmar que sou testemunha da qualidade do som que eu ouvi nos cinemas, e desnecessário dizer, fiquei encantado em saber como ele foi possível com tanta fidelidade e dinâmica.

O Philips DP-70 é dotado de uma mecânica invejável, o que não quer dizer que para o Incol ela tenha sido transposta integralmente. Na verdade, todo o design mecânico do Incol 70/35 foi feito a partir do zero, e Orion se orgulha, com toda a razão, do projetor ter sido um dos únicos no mundo dotado de apenas três conjuntos de catracas, banhados em óleo, e em constante lubrificação, praticamente dispensando manutenção por anos a fio.

Este mesmo transporte foi desenhado de modo a contemplar o formato de 70 mm com 30 quadros por segundo. Orion me contou que, sendo um grande amigo de um alto executivo da Fox de então, ele foi presenteado com um documentário feito com esta cadência, e que ele usou várias vezes, para mostrar a capacidade e as virtudes técnicas do seu projetor. Muito justo!

É importante ressaltar que o projeto do Incol 70/35 não estaria completo, se não fosse contemplada uma solução moderna para a amplificação do áudio. Orion de Faria desenhou e fabricou seis amplificadores transistorizados, com potência musical contínua de 200 watts RMS cada um.

A Incol também importou alto-falantes para design e fabricação própria de caixas acústicas pelo princípio de cornetas, usadas com sucesso nos grandes cinemas. Em algumas instalações, disse-me ele, o exibidor preferia manter as caixas originais previamente instaladas, quando então apenas as partes de amplificação eram instaladas.

Orion enfatiza, e com toda a razão, que a potência alta não é necessária para este tipo de instalação, já que o sistema de cornetas favorece a uma pressão sonora elevada em potência baixa. Porém, e mais uma vez acertadamente, ele diz que potências mais altas, aliadas à maneira como o circuito amplificador é feito, ajudam a manter o som linear nas faixas de freqüência onde há maior necessidade de se manter a dinâmica do programa original.

Para completar, e tratando-se de projeção em bitola de filme mais larga, os Incol 70/35 foram providos de lanterna dotadas de arco voltaico a carvão capazes de sustentar até 140 ampères de carga. No caso de um cinema como o Roxy, que projetava Cinerama, as lanternas operavam com corrente de 130 ampères, dando à imagem uma clareza extraordinária.

Entretanto, Orion orgulha-se de ter sido também o pioneiro do uso de lâmpadas Xenon de alta potência, que eventualmente acabaram por substituir o arco voltaico nas lanternas.

AS INSTALAÇÕES NOS CINEMAS

A Incol, em toda a sua existência, fabricou cerca de 1000 projetores para uso profissional, sendo 178 do modelo 70/35, instalados no Brasil e exportados para outros países. A fabricação do Incol 70/35 começou em 1968. O primeiro deles foi instalado no cine Scala, em São Paulo. O cinema abriu a exibição em 70 mm com a cópia ampliada de “O Vento Levou”, da M-G-M.

Eu perguntei a ele como os seus projetores vieram parar no Rio, e a história que ele me contou é a seguinte:

O grupo Luiz Severiano Ribeiro se interessou em instalar o formato de 70 mm em vários de seus cinemas. Mas, a empresa enfrentava problemas financeiros, e por consequência impedida de importar equipamento cinematográfico. Acabou então por comprar um par de Philips DP-70 de um exibidor em Porto Alegre e os instalou no Vitória, que abriu com a exibição de “My Fair Lady”, em 1965. Depois, sabendo da existência dos Incol, a empresa mandou o seu técnico sênior a São Paulo, para ver os Incol.

Depois de um acordo de financiamento feito diretamente com a Incol, o grupo instalou os 70/35 no cinema Roxy, que abriu com o filme “Uma batalha no Inferno” (“Battle of the Bulge”), em Cinerama 70. Em seguida, como é de seu feitio, o grupo Severiano Ribeiro resolvera padronizar a instalação do formato nos outros cinemas, e assim foram instalados mais projetores nos cinemas Palácio, Rian, Madrid (retirados após o incêndio), Tijuca, Leblon e Veneza, sendo que no próprio Vitória os Philips DP-70 foram retirados pela Incol e substituídos por suas unidades, abrindo as exibições com “Sweet Charity”, filme de Bob Fosse anteriormente mostrado na tela de Cinerama do Roxy.

DECLÍNIO DO FORMATO 70 MM E FECHAMENTO DA FÁBRICA

A chamada loucura da moda do formato 70 mm (referida pelos americanos como “70 mm craze”) foi repetida no Brasil e durou enquanto as cópias podiam ser distribuídas regularmente. Durante esta época, muitos filmes em 35 mm foram ampliados, para exibição neste formato, e isto ajudou a manter os cinemas com 70 mm funcionando a pleno vapor.

Depois, com o declínio das salas maiores de exibição, a ausência de cópias e principalmente o fechamento das grandes salas, o 70 mm desapareceu por completo.

Por volta de 1980, a Incol havia comprado parte e depois o total da Empresa Cinematográfica Triumpho, fabricante dos projetores de 35 mm do mesmo nome, e antes, quando a Inbelsa (Philips) fechou, Orion ficou com todos os moldes para projetores e os maquinários, usados nos Philips FP-5 e outros modelos, montados no Brasil. Orion me contou que vários desses moldes desapareceram, quando a Incol se transferiu para São Paulo, e acredita-se terem sido roubados. As dificuldades de mercado, entretanto, fizeram a Incol fechar as portas da Triumpho e depois a sua própria, no início dos anos 90.

O SHOW DE TV E O LIVRO

Orion Jardim de Faria escreveu um livro chamado “Cinema, escalada pela existência, das sombras à realidade”, e o levou para a apresentação no “talk show” da TV Globo “Programa do Jô”, com o popular escritor/ator/comediante Jô Soares. Curiosamente, o livro fala pouco sobre os Incol, preferindo se concentrar na paixão do autor pelo cinema.

Orion de Faria, junto com o apresentador Jô Soares.
Durante o show, o projetor Incol 70/35 foi exibido para a platéia:

Um técnico da Incol mostrou aos espectadores detalhes do mesmo. Começou abrindo a lanterna, para mostrar detalhes da modificação para lâmpada Xenon, do qual Orion havia sido um dos pioneiros:
  
Lâmpada Xenon instalada em frente ao seu espelho refletor, na lanterna do Incol 70/35.
Em seguida a uma explicação de como o filme é iluminado para a projeção, e a troca do arco voltaico pelas novas lâmpadas, o técnico mostra detalhes de como o filme é colocado no corpo do projetor:

O livro mostrado por Orion no show ainda vai sofrer uma nova revisão, segundo ele mesmo me prometeu. Eu, por outro lado, espero que a nova edição esteja ao alcance do público e com a divulgação adequada, quando ela for lançada.

UMA VIDA TODA DEDICADA AO CINEMA

Apesar do relativo pequeno número de contatos que eu tive recentemente com pessoas ligadas ao cinema, em vários dos seus segmentos, me parece patente que muito pouco se tem feito para se preservar a memória.

Orion Jardim de Faria, do alto de sua idade biológica, conhecimento e experiência de vida, poderia ser olhado como um ícone do nosso despreparo em tratar com a preservação de valores culturais, sejam eles quais forem.

Eu não sei bem quanto à situação em outros estados e cidades, mas não é possível que em pleno século XXI, uma cidade como o Rio de Janeiro não seja capaz de achar um espaço para um museu de cinema, tanto do lado técnico quanto artístico. Aqui se produziram muitos filmes, e o número de salas era um dos maiores do país, isso sem falar na presença das cinematecas e cineclubes, durante décadas.

Neste lugar, poderiam ser exibidos, por exemplo, todos os projetores de cinema fabricados no Brasil. Com isso facilitar-se-ia o acesso ao público do conhecimento da vida desses pioneiros.

Como ainda não existe nada disso, para mim foi uma honra imensa ser recebido por um deles. E que se trata de uma pessoa com a qual eu poderia facilmente me identificar, quando o assunto é cinema e projetores, sobre os quais ele me falou com grande entusiasmo.

Orion Jardim de Faria é, com toda a justiça, o personagem que nos liga ao formato de 70 mm no país. Com ele e por causa dele foi possível que várias gerações de espectadores e cinéfilos descobrissem as grandes produções do gênero, em salas dotadas do melhor equipamento técnico possível. A nós nos resta lhe agradecer por isso, e esperar que o seu nome seja sempre lembrado junto com o do cinema pelo qual nos apaixonamos. [Webinsider].

Sobre o autor

Paulo Roberto Elias é bioquímico em ciências médicas, cientista e professor aposentado da UFRJ. É também Mestre em Ciências (M.Sc.), pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica pela Cardiff University, País de Gales, no Reino Unido.

Fotos e texto reproduzidos do site:

2 comentários:

  1. Parabéns pelo post! Cheguei a conhecer o sr. Orion e seu filho no festival cinemúsica de Conservatória e trabalhei fazendo folga em cinemas da Baixada Fluminense com os projetores Incol 70x35, tenho um blog: "Cine fechado para reforma" la publiquei uma cabine com os 70 mm.

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    1. Caro Renato, obrigado pela visita e parabéns pelo seu blog de memórias cinéfilas. Um abraço, Armando.

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