terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O fim de carreira dos projetores 35 mm



Publicado por Webinsider, em 21 dezembro de 2013.

O fim de carreira dos projetores 35 mm


A retirada por completo dos projetores 35 mm das cabines de cinema deveria ter acontecido este ano, mas tudo indica que não passa de 2014. Entenda o significado desta perda para os usuários e técnicos.

Por Paulo Roberto Elias.

Encerramento previsto, se não me engano, para o fim do ano passado, 2013 viu ainda a presença maciça de projetores de película 35 mm nos cinemas cariocas. Mas, tudo faz crer que os dias desses projetores estão, infelizmente, contados. E com o fim destes, ainda é possível que vários profissionais deste segmento percam o emprego novamente (isto já ocorreu depois da automação das salas multiplex), ou sejam remanejados para outras atividades dentro da cadeia exibidora.

Com o fim da presença do filme 35 mm encerra-se uma das últimas fases do cinema convencional. Antes dele, sumiram as películas em 70 mm, que ficaram restritas a um nicho em algumas partes do planeta. Eu aposto que irá acontecer o mesmo com os filmes 35 mm.

O impacto maior deste desaparecimento se localiza nas mentes e lembranças dos usuários da minha geração, dos sobreviventes das gerações que me precederam e possivelmente de pessoas abaixo da faixa etária de 40 anos.

Na minha infância, se os leitores me permitem contar, eu projetei filmes 16 mm mudos (com perfuração na película dos dois lados) e sonoros (perfuração de um lado e banda ótica do outro). Na casa de um vizinho, eu tive chance de projetar 16 mm com o lendário RCA 400, que usava a base dos telecines da marca, e instalados nas emissoras brasileiras. Nos tempos de cineclubista, eu projetei somente em máquinas Bell & Howell Filmosound, sendo que no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas da Praia Vermelha, eu tive acesso a um Bell & Howell moderno, com cabeça ótica e magnética.

Aprendi a operar 35 mm por causa de um tio meu do interior de São Paulo, o qual, aliás, ficou uma fera quando soube que eu andava fazendo isso escondido, na cabine do cinema dele. No entanto, fora isso, eu nunca frequentei cabines de cinema algum do Rio. Uma certa feita, a cabine do antigo Bruni Tijuca, cuja porta dava para a saída da sala, estava aberta e eu vi de perto os dois enormes projetores e rolos de 70 mm. Soube, bem mais tarde, tratar-se de dois Incol 70/35, cujo dono, o Sr. Roberto Darze, eu conheci recentemente em um dos festivais de Conservatória.

A verdade é que, depois de décadas afastado de projetores, ainda tive a chance de aprender muito com pessoas que militaram na profissão. Tempos atrás, eu fiz uma visita ao Planetário do Rio de Janeiro, por indicação da bibliotecária da Funarte, e ali conheci o Milton Leal, egresso desta área. O Milton é um profissional experimentado, que lutou pela classe na época em que militava no circuito comercial. Foi estagiário e depois operador dos cinemas da cadeia Severiano Ribeiro, tendo aprendido trabalhando, inclusive com os Incol de 70 mm, que ficavam no Roxy.

Durante a minha visita à cabine do Planetário, eu fiz esta foto com o Milton próximo dos pratos que estavam, na época, alimentando um curta-metragem em 70 mm, exibido para estudantes e visitantes. Ao fundo da foto pode-se ver o projetor Kinoton 70/35.

 O Simplex X-L.

Depois de conversar com várias pessoas do métier, soube que a linha Simplex de projetores 35 mm foi uma das escolhidas para as salas do Rio de Janeiro.

Projetores Simplex povoaram praticamente todas as salas do grupo Severiano Ribeiro e os três cinemas Metro (Passeio, Tijuca e Copacabana). Quando o Metro-Passeio foi substituído pelo Metro-Boavista, com projeção 70 mm no processo Dimensão 150, os Simplex foram retirados e substituídos por projetores Cinemecannica Victoria 8.

A instalação dos Simplex, segundo especialistas, se deu por conta da robustez e confiabilidade, a partir do Super Simplex, depois o Simplex E-8, e finalmente o modelo X-L, introduzido por volta da exibição dos primeiros filmes em Cinemascope. Abaixo, o leitor poderá ver um Simplex X-L recuperado aberto, e no topo do corpo do projetor uma cabeça de leitura magnética Westrex R-10, para 4 canais.

Este projetor (foto 1) está, felizmente, cuidadosamente preservado no seu original, na cabine da réplica do Metro-Tijuca em Conservatória. Apenas as lanternas de arco voltaico tiveram que ser adaptadas para lâmpadas Xenon, já que os carvões são importados, caros e raros no mercado.

 As consequências da mudança de um mais de um século de permanência
Desde o final do século 19 que projetores de 35 mm estão em atividade, passando pelo cinema com formato de academia, pelo Cinerama, pelo CinemaScope e Panavision. E mesmo depois do virtual desaparecimento das projeções em 70 mm, continuaram com o progresso na trilha digital de áudio, até os dias de hoje. Portanto, ninguém, em sã consciência, pode dizer que o 35 mm não é um formato de apresentação de cinema vencedor!

Atualmente e nos próximos derradeiros meses não só imagem como o som são agora substituídos por codecs mais adequados ao novo formato. Sob alguns aspectos, a melhoria técnica é para melhor, pois o projetor digital faz uso de intermediário digital (DI) com scanning de alta resolução, e neste processo a imagem habitualmente trêmula ou com judder da película termina em uma imagem sem nenhum artefato, a não ser aquele introduzido por um sistema de projeção inadequado. Além disso, é possível alterar a cadência sem troca do projetor, e este talvez seja o maior avanço conquistado. Por outro lado, perde-se o apelo da imagem “real” da película, favorecida pela grande maioria dos fãs de cinema.

A imagem da projeção digital pode também ser vítima de lanternas adequadas. No cinema tradicional, usavam-se lanternas de arco voltaico, alimentadas com correntes que podiam chegar aos 130 amperes, nas salas de grande porte e principalmente na projeção em 70 mm, que carece de luz de maior intensidade. Quando estas lanternas foram substituídas por lâmpadas Xenon de arco, que variam em wattagem, a imagem inicialmente mudou para pior. Até hoje, se percebe o efeito de lâmpadas de baixa wattagem, perpetuado na imagem digital. Em muitos casos, a imagem da sala de cinema acaba se tornando inferior em luminosidade àquela que qualquer um pode obter de sua TV, se devidamente calibrada.

Impasse profissional.

A projeção digital traz inúmeras vantagens operacionais, no que concerne ao exibidor: imagem e som não sofrem desgastes como na película, e a projeção propriamente dita pode ser programada, já que o sistema em si é similar a algum computador qualquer. Em termos de proteção e segurança, há um aumento na inviolabilidade bastante significativo.

Mas, neste progresso todo há um preço caro a ser pago:

O pior aspecto de todos na mudança da película para o filme digital é a perda de mercado de trabalho de uma profissão condenada à extinção desde a introdução dos processos de automação nos cinemas de salas múltiplas: a do operador de cinema. Nas antigas cabines era comum a presença de mais de dois projetores e de mais de um operador, sem falar no chamado “foguista”, que operava nas emergências das grandes cadeias exibidoras.

Na minha percepção e na de outras pessoas com quem conversei nos últimos anos, a extinção desta profissão é preocupante. Talvez por isso mesmo, a editora canadense Caboose, dedicada ao cinema, tenha feito um esforço recente no sentido de preservar a memória de muitos operadores, com o auxílio dos seus depoimentos na profissão.

O projeto, intitulado “Planetary Projection”, tem a participação de ex-operadores do mundo inteiro. O Brasil está sendo representado até o momento pelo depoimento do advogado Ivo Raposo, que construiu a réplica do Metro-Tijuca acima citada.

Ainda no mesmo projeto pode ser encontrado o depoimento de Thomas Hauerslev, representando o momento do filme 70 mm na Dinamarca. Thomas, para quem eventualmente colaborei com alguns textos, fundou o site in70mm, que é hoje a principal referência na área. Todos os eventos recentes e toda a memória do formato são descritas por ele e por terceiros.

São meritórias todas as iniciativas de preservar o cinema, os seus projetores e os seus técnicos e projecionistas. Sem estes últimos, nós do público jamais teríamos sido brindados com os grandes espetáculos, que tanto nos encantaram ao longo das nossas muitas idas aos cinemas.

Nós passamos por uma época onde havia magia na apresentação dos filmes, cortina se abrindo e luzes se apagando lentamente, música de abertura em grandes espetáculos, e presença maciça de público. As novas salas são tecnicamente modernas, mas a magia se foi, e com ela o público, que prefere hoje assistir filmes dentro de casa. Progresso? Tenho cá as minhas dúvidas. 

Fotos e texto reproduzidos do site: webinsider.com.br/

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