terça-feira, 1 de novembro de 2016

O homem que projeta o mundo nos principais cinemas da cidade

Imagem para simples ilustração.

Publicado originalmente no Jornal do Comércio de Recife, em 18 de junho de 1998

O homem que projeta o mundo nos principais cinemas da cidade.

Se você vai ao cinema e a projeção pára, de quem é a culpa? Do projecionista. Se o filme fica mudo ou dá pulos de um quadro para outro, para quem vão as vaias? Para o projecionista. O problema nunca é da máquina, mas daquele que a opera. O "seu" Alexandre, por exemplo, viu muito disso acontecer, mas não como expectador. Ele é um dos projecionistas mais antigos do Brasil: 72 anos, 50 deles dedicados à profissão.

Alexandre de Moura tinha 22 anos quando começou a alimentar a sua paixão pelo ofício. Trabalhava numa sorveteria vizinha ao extinto Cine Boa Vista (hoje uma papelaria). Aproveitava a distração do patrão para distribuir sorvetes a quem ia ao cinema. Um boa praça. Assim, ele conquistou não só as moças, mas a primeira chance de entrar numa cabine de projeção. Foi convidado para ser assistente de projecionista, no Boa Vista.

Gente para ajudar o rapaz, que tinha fama de ordeiro e organizado, não faltou. Fez logo amizade com outros profissionais, como o sr. Manuelzinho, do São Luiz. Foi ele quem emprestou o primeiro e único livro sobre técnicas de projeção que Alexandre leu.

MEMÓRIA - Os segredos mesmo ele aprendeu no Art Palácio, onde trabalhou durante 40 anos, depois de passar pelas cabines do Boa Vista, Moderno e Parque, como folguista. "Só saí do Palácio porque fechou. Era o mais moderno quando entrei (1952). Era o único com ar-condicionado. Agora, só o que eu tenho de lá são lembranças do tempo em que o gongo tocava antes começar as sessões, da cortina que se abria e das mulheres de chapéis e luvas", recorda.

Dos filmes que assistiu, seu Alexandre aponta três: A Filha do Comandante, Ben-Hur e Cada Coração Um Pecado. "Cada Coração... foi o que mais me fez chorar. Ficava sozinho na cabine, ouvindo a música e chorando, enquanto lá embaixo (refere-se às cadeiras) estava todo mundo junto. Além dessa, senti a solidão várias vezes".

PRESENTE - Antes de colocar o cineatro do Arraial para funcionar com as máquinas que usou no Art Palácio e a tela do extinto Art Boa Viagem, seu Alexandre foi trabalhar no Ribeira, de 1993 a 1997. "O filme que abriu foi Asas do Desejo (de Win Wenders). Muito bonito. Aliás, eu gostava muitos do filmes de arte que passavam lá". E talvez tenham sido estes os últimos que o seu Alexandre assistiu. "Hoje vejo porque tenho que saber a qualidade da cópia antes de projetar. Mas eu mesmo não tenho mais paciência para sentar numa cadeira e passar mais de uma hora parado. Videocassete eu nem conheço. Minhas filhas me levaram uma vez para ver um filme com aquela (reticente, pede ajuda para lembrar do nome). Não sei. Só sei que era a história de uma mulher que virava homem", resume.

Seu Alexandre, que tem a sua história resumida no vídeo Homem de Projeção, do videomaker e repórter do JC, Kléber Mendonça Filho, hoje presta serviço para a Secretaria de Cultura de Pernambuco, como projecionista do cineatro do Arraial. Talvez a menor e mais precária cabine onde trabalhou. Mas agora ele conta com um companheiro: o neto de 11 anos. "Meu neto é curioso como eu. Mas digo a ele para não mexer porque não quero que ele passe as dificuldades que eu passei".

 Texto reproduzido do site: uol.com.br/JC

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