sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Memórias de um projecionista do Metro Passeio

Foto | Isabella Raposo.

Publicado originalmente no site do jornal O Globo, em 05/09/2013.

Memórias de um projecionista do Metro Passeio
Por Jorge Antônio Barroso. 

Em 1938, aos 26 anos, ele conheceu de perto a atriz e cantora americana Jeanette Mac Donald (1903-1965), uma estrela de Hollywood de passagem pelo Rio de Janeiro. Silvério Dias Ribeiro era o projecionista do famoso cinema Metro Passeio, inaugurado no Centro do Rio em 1936. O Metro pertencia à poderosa Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) no auge do cinema. Jeanette havia sido convidada para uma pré-estreia na cidade. Tomou uns drinques a mais e foi parar no confortável sofá da cabine dirigida por Silvério. Ali mesmo embarcou nos braços de Morfeu. Só restou a Silvério, ao final da sessão, levar a soprano para o não menos glamouroso Hotel Serrador, que ainda está de pé na Praça Mahatma Gandhi 14, e hoje é sede da empresa EBX, de Eike Batista.

O episódio com a cantora americana é apenas uma das tantas histórias que Silvério Dias Ribeiro (na foto com a filha, Sônia) guarda na memória, nos 101 anos de vida. A exemplo de Alfredo, o projecionista de "Cinema Paradiso", Silvério é um arquivo vivo de um tempo que não existe mais. Ele é um dos mais antigos projecionistas de cinema do país e por isso será homenageado no Festival CineMúsica que começa hoje em Conservatória, a capital da seresta, distrito de Valença, a 142 quilômetros do Rio. Em Conservatória há uma réplica do cinema Metro Tijuca, o Centímetro, feita por Ivo Raposo.

Nascido em São Fidélis em 29 de fevereiro de 1912, Silvério cresceu na fazenda de café do pai que quebrou com a Crack da Bolsa de Nova York, em 1929.

-- Uma das lembranças da minha adolescência foi ver as pessoas queimando café na fazenda -- contou Silvério em vídeo gravado por Hernani Heffner, professor de História do Cinema, da PUC, coordenador da Cinemateca do MAM e curador do Festival CineMúsica.

Com a crise econômica, a família de Silvério se muda para o Rio e ele vai morar em Bangu, na Zona Oeste. No bairro que se tornou célebre por causa da fábrica de tecidos e do bicheiro Castor de Andrade, Silvério começou a trabalhar como projecionista do Cinema Bangu. A atividade era um bico depois do expediente dado numa farmácia. Silvério também jogou futebol no Bangu, onde foi campeão em 1933. Três anos depois começou no emprego que marcou sua vida -- o de projecionista noturno do Metro Passeio, da inauguração em 1936 até 1964. Depois foi para o Metro Copacabana, onde ficou até se aposentar aos 70 anos, no início da década de 80.

Silvério foi testemunha ocular da época de ouro do cinema no Rio, nos anos 30. Foi quando o espanhol Francisco Serrador (1872-1941) criou a Cinelândia, inspirado na Times Square, em Nova York. Era um tempo em que as estreias provocavam filas nas portas de cinemas como os da Metro. O do Passeio -- cujo prédio no estilo art deco foi demolido e em seu lugar construído o Metro Boavista -- havia simplesmente o melhor ar condicionado de cinema da cidade ("ar de montanha", anunciava o cartaz na porta) e moderníssimos sistemas de acústica. O tapete vermelho era alto e dava ao espectador a senação de que estava nas nuvens. As pessoas iam ao cinema com a melhor roupa, mesmo que a amassassem um pouco. Uma época em que existiam os lanterninhas, que, sob o pretexto de ajudar as pessoas a acharem o lugar, acabavam denunciando animados casais de namorados.

Seu Silvério lembra com alegria da estreia de "E o vento levou", de 1939. A fila dava volta nos quarteirões para ver o dramalhão de quatro horas. O projecionista aposentado guarda também uma prova do orgulho de ter sido funcionário da MGM, numa época em que os patrões americanos faziam questão de garantir direitos trabalhistas que ainda não haviam no Brasil: a face do leão da Metro esculpida no anel de ouro que ele ganhou por 25 anos de trabalho. Ao todo foram 46 anos de serviços prestados à cultura.

O período mais difícil, lembra Silvério, foi quando, após a implantação do regime militar, ele era obrigado a projetar filmes para uma audiência muito exigente: os funcionários da Divisão de Censura da Polícia Federal, que tinham direito a sessões exclusivas para decidir o que o público poderia ou não ver. Um tipo de gente que não dava a mínima para o assustador rugido do leão da Metro. Eles eram o próprio leão.

Texto e imagem reproduzidos do site: blogs.oglobo.globo.com/ancelmo

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