Na projeção. Alípio José Ferreira, 78, admirador dos clássicos que viu da cabine.
Publicado originalmente no site O Tempo Magazine, em 11/10/2008.
Cine Humberto Mauro - 30 anos.
Resistência e memória
Por Marcelo Miranda.
O Cine Humberto Mauro sempre se caracterizou tanto pela
ousadia de suas programações - com mostras e retrospectivas de cinemas vindo
dos países mais inusitados, como Rússia, Hungria, Suécia e, nos anos 80, até
mesmo da Alemanha Oriental - quanto por formar diversas gerações de cinéfilos.
O pesquisador e professor Ataídes Braga está ligado às duas vertentes. Ele
freqüenta o Cine Humberto Mauro desde o final dos anos 70, quando tinha 16
anos, e guarda todos os folhetos de programação desde aquela época. O objetivo
é publicar o livro "Cachoeiras e Filmes", em processo bastante
adiantado. Ataídes pretende registrar todas as mostras que já passaram pela
sala em suas três décadas - e mesmo antes. "Já tenho muito material do
período pré-inauguração do cinema", conta ele. O título da publicação
homenageia o patrono da sala - Humberto Mauro dizia que "cinema é
cachoeira". "Era um espaço de formação política, que insistia em
exibir filmes e gerar variadas discussões", afirma o pesquisador.
"Hoje, ainda mantém a resistência de não se render a filmes comerciais e
seguir com debates", avalia.
A PROGRAMADORA. Herdeira de um cargo que já passou por
dezenas de nomes - Helvécio Ratton, Rafael Conde, Mônica Cerqueira, José Zuba
Jr e Daniel Queiroz, entre outros -, a jornalista Ana Siqueira é a diretora de
programação da sala desde janeiro deste ano. "O contexto de um trabalho
como este mudou muito. O Cine Humberto Mauro surgiu numa época em que os
cinemas de rua estavam no auge, não havia DVD nem internet e os cineclubes
funcionavam com toda a força. Atualmente, a existência de uma sala como a nossa
tem ainda mais diferencial", diz Ana, que enxerga o cine como "um
abrigo" para o que não teria vez em outros lugares e, ainda assim, é
relevante de ser exibido. A vida de Ana literalmente é paralela ao Cine
Humberto Mauro. Ela nasceu apenas um mês depois da inauguração da sala.
Obviamente, desde cedo passou a freqüentá-la. Soa uma bela coincidência,
portanto, que Ana esteja grávida - quando o filho (ou filha) tiver a sua idade,
o Cine Humberto Mauro vai estar completando 60 anos.
O PROJECIONISTA. Aos 78 anos, Alípio José Ferreira se
orgulha de ser o mais longevo projecionista ainda em atividade em Belo
Horizonte. Nascido em Conselheiro Lafaiete, Alípio está no ofício há 51 anos.
"Comecei ainda como ajudante, mexendo nos rolos de filme", relembra
ele. Impressiona a quantidade de cinemas onde trabalhou. Alípio faz questão de
tentar seguir a cronologia, mas se perde quando percebe ter deixado algum local
para trás. No saldo, entram, por exemplo, os extintos Cine Rosário, Cine
Tamoios, Roxy, Guarani, Havaí, Pompéia, Serrador, Astória e Salgado Filho. Ele
entrou para o Cine Humberto Mauro em 1987. "O que me faz permanecer na
profissão é simplesmente porque eu gosto", resume. De filmes, claro,
também é fã. Seus favoritos - vistos da cabine de projeção dezenas de vezes -
são todos clássicos: "... E o Vento Levou", "O Morro dos Ventos
Uivantes", "O Mágico de Oz" e "Cidadão Kane".
O PORTEIRO. Outro funcionário antigo na casa, curiosamente
José Horta de Oliveira, 65, entrou no mesmo ano de Alípio. Nasceu também no
interior, em Bom Jesus do Galho, e está na capital há 33 anos. Antes do Cine
Humberto Mauro, Horta trabalhava no Cine Nazaré e no Cine Regina - sempre como
recepcionista. "É um serviço muito bom, mas que exige um pouco de
paciência porque cada pessoa é de um jeito", comenta ele. "Hoje está
mais complicado, os jovens são muito desobedientes." A função de José
Horta consiste em estar à disposição dos freqüentadores da sala no que ele
puder ajudar - "tento não deixar fazer barulho na sala e também controlo o
ar-condicionado". Entre um momento de folga e outro, consegue dar uma
espiadinha nos filmes em exibição. "Aqui é interessante porque passa filme
de arte, né? E de tudo quanto é país." Dos que se lembra, conta gostar
muito de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e assume ser fã dos
franceses Gérard Depardieu (ator) e François Truffaut (diretor).
A MOSTRA. Nas celebrações dos 30 anos do Cine Humberto
Mauro, a sala exibe, de 15 de outubro (próxima quarta-feira) ao dia 26, 12
filmes escolhidos por 12 dos antigos programadores do lugar. "Foi uma
idéia que a gente teve de ir atrás dessas pessoas e mostrar como elas fazem
parte dessa história que está sendo formada", explica Ana Siqueira. Cada
ex-curador teve liberdade de escolher um título a ser exibido na mostra (veja
quadro). "Com as escolhas particulares de todos eles, conseguimos formar
um retrato bastante diversificado e condizente ao perfil do Cine Humberto
Mauro!, conclui.
Texto e imagem reproduzidos do site: otempo.com.br
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