Foto: Alex Mita/JCNet
Município de Botucatu já foi chamada de a ‘terra do Cinema’
Cidade concentrou a distribuição de filmes do Interior
Paulista nos anos 50 e 60, graças à ousadia e empreendedorismo do empresário
Emílio Peduti
Na década de 50, a cidade de Botucatu (100 quilômetros de
Bauru) foi batizada de “Cidade do Cinema”. O título fazia jus ao município do
Estado de São Paulo que concentrava a distribuição de filmes do Interior
Paulista, graças a ousadia e empreendedorismo de Emílio Peduti. O empresário e
político, que marcou época, levou até as distribuidoras de filmes
internacionais a se instalarem em Botucatu. Os escritórios geravam empregos
para os jovens e levava o nome da cidade para o mundo.
Quem lembra muito dessa fase é o cinéfilo Benedito José
Gamito. Ele conheceu Peduti ainda criança e foi trabalhar nos cinemas da
cidade. “Eu tinha 12 anos e ia todos os dias ao cinema. Meu pai não aguentava
mais pagar e então falou para eu procurar emprego no cinema. Trabalhava em
troca de assistir os filmes. Não ganhava dinheiro. Trabalhei de vendedor de
bala, bilheteiro, porteiro e lanterninha. No final exibia filmes.”
Segundo ele, Emilio Peduti foi uma era na década de 50. “Era
uma verdadeira indústria cinematográfica para a época. O cinema, se não a
única, a maior atração de lazer para o povo. Não só em Botucatu, mas em todas
as cidades. Ele tinha cerca de 70 cinemas espalhados pelo Estado de São Paulo,
Norte do Paraná e Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul. Era uma rede de
cinemas. Ele montou uma empresa, a Empresa Teatral Peduti.”
Como um dos maiores exibidores do Estado de São Paulo,
Peduti só tinha um concorrente em Ribeirão Preto. “Não me lembro o nome. Ele
exigiu que todas as empresas distribuidoras de cinema viessem se instalar em
Botucatu. Ele conseguiu porque o prestígio dele era muito grande como empresário
e político, era prefeito na época” , recorda Gamito.
Empresas como a Paramount, Metro Goldwyn-Mayer, Columbia
Picture e Warner dentre outras instalaram seus escritórios na cidade. “Tanto
companhias nacionais como as estrangeiras, elas tinham uma agência de filmes.
Tinha a parte administrativa e o acervo. Os filmes eram locados em Botucatu.
Qualquer cidade do estado que quisesse locar um filme tinha que recorrer à
agência de Botucatu. Os filmes (em latas) eram despachados pelo trem da
ferrovia que vinha de São Paulo e na estação de Botucatu estavam as latas de
filmes esperando para vários destinos.”
O objetivo do Peduti de divulgar o nome da cidade e gerar
empregos aos mais jovens foi atingido na opinião do cinéfilo. “Peduti foi
agropecuarista, tinha duas ou três fazendas, a empresa cinematográfica e foi
político. Para ganhar votos nas campanhas, especialmente de 58, ele fazia
cineminha de rua. Não cobrava nada. Ele montava numa praça espaçosa, tipo um
telão e o projetor de 16 milímetros onde exibia filmes de cowboy . O povão ia e
lotava a praça. Ele falava cinco minutos de política, o resto era filme. Esse
cineminha ficou conhecido como Pedutão.”
Emilio Peduti morreu aos 59 anos vítima de um infarto. Sua
família não deu continuidade na cinematografia.
Ir ao cinema era um evento social
Na década de 50, o principal divertimento nos finais de
semana era assistir aos filmes e o divertimento não era caro, conta Benedito
Gamito
Quem viveu na década de 50 vai se lembrar do que o
cinema e os filmes representaram para essa geração, enfatiza o cinéfilo
Benedito José Gamito. “Naquele tempo as moças não saiam de casa a não ser para
ir ao cinema. Os pais não deixavam elas saírem para a rua como é hoje. Não
tinha balada. As moças iam para o cinema na primeira sessão no sábado e
domingo. Os filmes começavam às 19h15 e terminavam pouco antes das 21h. Depois
tinha o footing na rua Amando de Barros que é rua principal.”
Os jovens eram separados pela condição financeira. “As moças
que frequentavam o cine Casino eram aquelas que tinham melhores condições
financeiras. O ingresso era mais caro. A roupa delas era de luxo. Usavam
vestidos longos. Elas desciam pelo lado esquerdo da rua, tomando por base o
sentido de mão dos veículos. Os rapazes iam ao cinema de terno, sapato social.
Pelo mesmo lado, andavam os moços bem cotados, que pertenciam a elite. Se
alguém que não pertencesse a elite tentasse se aproximar, as moças nem olhavam.”
Do lado oposto da rua Amando de Barros desciam o pessoal que
não pertencia a elite. “Os mais pobres eram discriminados mesmo. Os mais ricos
frequentavam o cine Casino que ficava no Bosque e os menos favorecidos, o
Paratodos, no Jardim Paratodos. As moças menos favorecidas conheciam os peões.
O footing naquela via era durante o dia ou a noite. Tinha como ponto de
referência os cinemas. Ambos eram do Peduti.”
Em 1958, Peduti instalou um cinema na Vila dos Lavradores.
“O bairro é separado pela ferrovia, tem um pontilhão. Ali para cima na verdade
é uma minicidade. É um bairro desenvolvido e o povo queria um cinema lá. O
prefeito estava em campanha eleitoral e prometeu que se ganhasse a eleição
instalaria um cinema lá. Ele não construía prédios. Tinha um empresário que
construía e alugava para ele. O único prédio que era dele mesmo é o Casino. O
estabelecimento ocupava um quarteirão.”
No final da década de 60, os cinemas que já não lotavam
mais, lembra o cinéfilo, apelou para os filmes de pornochanchadas. “Eram filmes
eróticos para chamar atenção, nem assim resistiu. Não tinha mais como sustentar
o cinema. Foi caindo. Na década de 70 começaram a fechar os cinemas.”
O primeiro a fechar foi o Paratodos. Depois, o Vitória e na
sequência, o Casino. “A televisão influenciou no fechamento. Na década de 70
veio a TV colorida. O pessoal não frequentava o cinema porque assistia aos
filmes em casa e colorido. Veio o vídeo cassete VHS. Esse aparelho concorreu
mais com o cinema público, conhecido como cinema de rua. Foi tão decadente que
sobrou só o Nely que o Peduti arrendava.”
O cine Casino foi o primeiro cinema, recorda o cinéfilo.
“Era o mais luxuoso. Estava na Praça do Bosque, hoje Praça Emilio Peduti. Tinha
o Paratodos, mais popular, menos luxuoso. O ingresso era mais barato. O público
alvo era o povão. Peduti queria que o pessoal de menos posses tivesse acesso. A
diferença entre as duas salas eram o conforto. Os filmes eram os mesmos.”
Rádios de Peduti
Pouco antes de morrer, segundo o cinéfilo, Peduti comprou uma
emissora de rádio para concorrer com um adversário. O adversário político era o
Plínio Paganini. “O Plínio foi vice dele, mas não era voto vinculado. Ele tinha
criado a Rádio Municipalista em maio de 62. Naquele tempo em Botucatu, era uma
guerra ideológica de duas frentes políticas.
A do lado estava Jânio Quadros e de outro Ademar de Barros.
O Plínio era do ademarismo e o Peduti do janismo. As rádios existem até hoje.
As duas estão bem próximas na praça do Emilio Peduti. Ambas estão arrendadas”,
relata.
Prédio virou farmácia
O cinema da Vila dos Lavradores virou uma farmácia, conta
Benedito Gamito. “A população criticou, mas mesmo assim era murada a fachada e
instalaram a venda de remédios. O Paratodos virou o Teatro Municipal, a
prefeitura comprou o prédio. O Casino se transformou em um restaurante. O Nely
ficou com a empresa Araújo & Passos. Há mais ou menos dois anos o prédio
foi vendido para a prefeitura e se transformou em sala de teatro e eventos.”
Um cinema no meu quintal
Toda semana os amigos de Benedito José Gamito se reúnem no
quintal de sua casa. Eles vão assistir um filme da época deles. “Eu tenho um
cinema no meu quintal. Tenho uma casa num terreno comprido. No final dele
construí uma sala de cinema com 40 lugares para eu passar filme para os amigos
da velha guarda. Toda semana tem cinema antigo e vem os amigos assistir. O Cine
Paiol. Nome inspirado na infância quando eu fazia o cineminha da vela no paiol
de milho.”
Apaixonado pela sétima arte, Gamito tem dois projetos
desenvolvidos no Espaço Cultural da cidade. “Eu tenho um projeto que se chama
Cine Janela. São exibidos filmes gratuitamente, uma vez por semana. Se não
contar com a presença dos estudantes das escolas públicas, não vai ninguém”,
lamenta. Para ele o cinema de rua é uma tragédia grega, pós advento dos cinemas
de shopping.
Um museu móvel acompanhado de palestra é outro trabalho que
o cinéfilo faz. “O meu museu fica guardado. Quando há solicitações, eu pego
tudo e monto na cidade que solicitou. Exibo as fotos e as latas de filmes.
Temos um filme feito aqui na época que o cinema completou 100 anos. Contamos
tudo. É um material rico.”
Correndo com o filme na mão
Uma das curiosidades lembrada por Benedito Gamito é que
muitas vezes os filmes eram exibidos simultaneamente em cinemas diferentes. “No
Casino e no Paratodos. No Casino começa antes. Quando terminava a primeira
parte, uma pessoa pegava a lata de filme e corria para o Paratodos. Depois ia
buscar a segunda.
O trajeto era feito a pé, correndo. Quando o filme era
exibido no Paratodos e no bairro, o filme ‘viajava’ de carro. “Tinha uma pessoa
incumbida do serviço. Contratava um táxi para fazer o trajeto.”
No intervalo tinha diversão no cinema
Empresário de Botucatu começou a partir dos anos 30 e com a
expansão dos negócios chegou a ter 70 salas de exibição de filmes em três
estados.
O historiador João Carlos Figueroa de Botucatu ressalta que
dos anos 30 aos 50 a cidade viveu os anos dourados da indústria
cinematográfica. “Peduti começou no ramo de cinema a partir dos anos 30 com a
expansão das unidades exibidoras. E chega a ter 70 cinemas esparramados pelo
estado. Ele tinha cinemas nas linhas ferroviárias. Na Sorocabana, Noroeste,
Paulista e uma rede que avançava pelo Paraná e Mato Grosso, hoje Mato Grosso do
Sul.
O período dos anos dourados do cinema, na opinião dele,
coincidiu com a economia brasileira pós-guerra. “A exibição de filmes foi o
principal divertimento das pessoas. Não existia a televisão. Tinha o circo, mas
não era todos os dias. O cinema foi eleito como a grande diversão das famílias.
É nesse período que o Peduti se afirma como grande exibidor brasileiro. Ele
contratava artistas para entreter as pessoas antes e nos intervalos dos filmes.
Mágicos e apresentações do rádio faziam parte da programação. Como ele tinha
uma rede de cinemas, os artistas viajavam para todas as salas. Era uma forma de
dourar a noite.”
cimema03A televisão não existia e a exibição de filmes era a
principal atração para a população. “Os cinemas tinham grandes salas.
Trabalhavam com 800 lugares. O Casino de Botucatu tinha 650 lugares e bancos de
couro. Os cinemas de São Paulo tinham 800 lugares, caso do Pomodoro, Metro etc.
Quanto mais poltronas, mais faturamento.”
Os cinemas trabalhavam com estoque cheio. “Não se trabalhava
com sala pela metade e nem com salas pequenas, aliás não tinha sala pequena de
cinema. Aqui em Botucatu tinha uma considerada pequena. O cineteatro Nely tinha
346 lugares. Hoje não é mais assim. As salas possuem 300 poltronas nos cinemas
de shopping. Peduti trabalhou só como exibidor. Para a época ele era grande.
Hoje, só um exibidor da cidade tem o dobro do que ele tinha.
A Araújo que já foi Araújo & Passos, tem 140 cinemas de
exibição. A Passos tem 103 salas. Não podemos esquecer que estamos falando de
60 anos atrás.” Figueroa ressalta que as grandes empresas distribuidoras de
filmes se instalaram em Botucatu. “No entorno das agências nacionais e internacionais
se formou uma classe de cinematografistas. O Peduti tinha um departamento de
revisão dos filmes. Quando a máquina exibidora picotava o filme, ele mandava
para revisão. Os funcionários cortavam e faziam uma emenda. O filme ficava bom
para ser levado á exibição novamente.”
No período áureo do cinema, lembra o historiador, a produção
de filmes brasileiros não era acanhada. “Eram muito consumidos. Haviam estúdios
famosos como a Vera Cruz, o estúdio do Mazzaropi que produzia muito. Ele fazia
o filme e o controle pessoal da exibição. Vinha a Botucatu incluía os filmes
dele na programação e ainda aparecia para fazer a fiscalização da contagem das
entradas no cinema. Ele não tinha uma grande equipe. Então fazia isso
pessoalmente.”
O historiador desconfia que a contagem da bilheteria
garantia o preço cobrado pelo filme. “Desconfio que as negociações dos filmes
eram feitas encima da expectativa de expectadores prevista. As distribuidoras
de filmes tinham fiscais para isso. Todos os bilhetes de entrada eram rasgados,
mas tinham que ficar arquivados em um saquinho, caso houvesse dúvida. Os
fiscais ficavam com uma maquininha que era apertada a cada entrada. Eles
fiscalizavam para saber se não estavam sendo ludibriados.”
Na opinião do historiador, Peduti foi considerado um grande
empresário na área de entretenimento. “Uma pessoa ousada, empreendedora. Eu
acho que as crises econômicas que se sucederam fizeram o negócio minguar. Um
palpite meu; foi a maxidesvalorização de 74 quando as dívidas em dólar subiram
30% que acabaram com o negócio. Eles tinham dívidas em dólar, isso aconteceu
quando o Delfim Neto era Ministro da Fazenda.”
Peduti foi prefeito de Botucatu
peduttiO município de Botucatu estava num descompasso com o
desenvolvimento do estado quando Emílio Peduti assumiu seu primeiro mandato, em
1951. Época em que as indústrias paulistas se enveredavam para o interior e os
municípios que fossem escolhidos viveriam um ciclo de crescimento e
prosperidade, comenta o historiador João Carlos Figueroa.
A falta de energia que durante anos fez sofrer a população
foi superada com a instalação da Subestação, eliminando a escassez, uma vez que
o fornecimento era ilimitado. Nessa época começaram as instalações de nível
superior. No setor industrial, as modificações foram sentidas. Surgem as
primeiras empresas como a Sociedade Aeronáutica Neiva Ltda, a Petrac, a
Mcatral, a Omareal e outras.
Quando assumiu seu segundo mandato, em 60, o prefeito
encarou uma agenda que tiraria a cidade da letargia. Concretizou a instalação
da Faculdade de Ciências Medicas e Biológicas de Botucatu e a Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras de Botucatu.
Na década de 70, a abundância de energia incentivou a
instalação da Duratex e a Costa Pinto. Embora criadas e consolidadas em
governos posteriores ao de Emílio Peduti, segundo o historiador, nada disso
seria possível sem a solução anterior do fornecimento de energia elétrica.
Fonte: JCNET/Rita de Cássia Cornélio.
Texto e imagens reproduzidos do site: acontecebotucatu.com.br
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