Publicado originalmente no blog Flavio Gomes Grande Prêmio, em 27/09/2010
Filme Triste.
Por Flávio Gomes.
São Paulo (tudo acaba) – Não seria honesto dizer que
fecharam meu cinema. Tenho um escritorinho neste prédio há 14 anos e fui uma
única vez ao Gemini nesse tempo todo. Nem lembro o que fui ver. Mas antes, bem
antes, costumava, sim, assistir a uma fita ou outra numa das duas salas.
Confortáveis, grandes, com cheiro de pipoca. Gemini. É um ótimo nome para um
cinema. Na porta do prédio na Paulista e na outra entrada da galeria, pela
Joaquim Eugênio de Lima, havia sempre um letreiro com as atrações em cartaz. Sempre
dois filmes. Foi assim desde 1975, quando o edifício Sir Winston Churchill foi
entregue à cidade, com sua fachada de mármore e aparelhos de ar-condicionado
espetados nas janelas. Um belo prédio, que atravessa o quarteirão e tem uma
terceira entrada, pela alameda Santos. No coração da metrópole. No centro do
universo, bem no meio da Paulista, onde tudo acontece. Onde se comemoram
títulos de futebol, onde Lula fez seu primeiro discurso, nas escadarias da
Gazeta, depois de eleito em 2002. Onde acontecem manifestações, passeatas,
carreatas, quebra-quebras. O centro do universo.
Não, não seria honesto dizer que fecharam meu cinema. Eu não
era um habitué. Mas sempre foi reconfortante chegar todos os dias para
trabalhar e observar os cartazes na porta, para prometer a mim mesmo que aquele
filme eu veria amanhã, ou depois, e nunca via, mas eles estavam sempre lá. Era
reconfortante ver na bilheteria as meninas quase sempre mal-humoradas esperando
pela plateia que também nunca chegava. Era reconfortante ver, no meio da tarde,
casais clandestinos esgueirando-se pelo saguão e subindo as escadas rápido para
sessões quase particulares ao cheiro da pipoca e com gosto de drops Dulcora.
Existem ainda os drops Dulcora?
Foi ontem, não sei bem com quantas pessoas em suas poltronas
já puídas, assim como o carpete colorido, anos 70 na veia, psicodélico,
moderno, que o Gemini fechou. Eram duas salas para 379 pessoas cada. Um
sobrevivente da era em que os cinemas ficavam nas ruas. Na verdade, de uma
segunda leva, já. O Gemini não era propriamente um cinema de rua. Ficava na
galeria comercial de um prédio, assim como havia alguns outros em shoppings da
Paulista, assim como ainda sobrevivem algumas salas no Conjunto Nacional.
Quando foi inaugurado, os cinemas de rua do centro da cidade já viviam seu
ocaso. Hoje, os cinemas estão nos shoppings monumentais com seus sistemas de
som Dolby, imagens em 3D e combos de pipoca e refrigerante que custam mais que
a entrada. Veja o filme e compre a calça jeans na saída.
Parece que havia anos que os donos das salas não pagavam
aluguel, ou contestavam valores na Justiça, ou tentavam expulsá-los do prédio,
queriam fazer uma igreja, uma dessas brigas sem fim. E enquanto os tribunais
não resolviam as questões, o cinema permanecia aberto para quase ninguém, e uma
hora a conta não fecha, mesmo. E se a conta não fecha, que se feche o cinema.
Vão-se as moças da bilheteria, o cara da pipoca, a menina que vendia drops
Dulcora, o operador dos projetores. Cinema Paradiso.
Passei por lá agora. Há um cartaz feito numa impressora de
computador. ATIVIDADES ENCERRADAS, diz o papel fixado pelo lado de dentro do
vidro fumê da bilheteria, com um endereço de e-mail embaixo para quem quiser
alguma informação.
Desconfio que ninguém vai querer informação nenhuma. Desconfio
que só eu me importo com essas coisas.
Texto e imagem reproduzidos do blog: flaviogomes.grandepremio.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário