terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Cine São Luiz - Um palco de memórias (Fortaleza-CE.)


Seu Natal (1942 – 2017) foi projecionista do São Luiz por 43 anos.
Foi lá que conheceu Dona Liduína (ela trabalhava na bomboniere),
com quem teve três filhos. Ele morreu em fevereiro deste ano 
após sofrer uma parada respiratória em casa.



Fotos Aurélio Alves

Publicado originalmente no site do jornal O Povo, em 03/09/2017

São Luiz - Um palco de memórias

Patrimônio: Em entrevista inédita, a jornalista Ethel de Paula conversa com o projecionista "Seu Natal", morto no início deste ano. Ele destacou causos dos 43 anos em que trabalhou no São Luiz

Tapete vermelho para o velho projecionista passar. Às vésperas de completar 72 anos, com olhos rasos d´água e beca de convidado especial, José Natal Marcelo de Oliveira (1942 - 2017) alcançou, orgulhoso, a noite oficial de reabertura do Cine São Luiz, em 25 de dezembro de 2014. Restaurado em seus minuciosos detalhes cênicos, técnicos e decorativos, à luz de um nada acanhado projeto arquitetônico original, o “xodó” do Grupo Severiano Ribeiro, empresa-símbolo do espetáculo cinematográfico no Brasil, caía-lhe novamente no colo como que embrulhado para presente, em reverência àquele que, ao longo de 43 anos, precisamente entre 1962 e 2005, projetou, solitário da cabine escura, uma lista incontável de filmes para plateias igualmente diversas e sempre tomadas de encantamento diante da suntuosidade e beleza ímpares do maior e único cinema de rua de Fortaleza.

E se o público inaugural do São Luiz tinha que vestir paletó e gravata para adentrar o recinto, além de portar-se civilizadamente, o rigor era o mesmo internamente, com vistas a manter a ordem e a disciplina. Seu Natal, o projecionista, ainda chegou a contar: “Tive contato com o primeiro Ribeiro umas cinco vezes. Ele me recebia muito bem. ‘Como o sr. tá?’. Também com o Ribeiro Jr. Ele vinha todos os anos, se hospedava no hotel. E de noite rodava os cinemas. Uma vez foi barrado pelo porteiro novato. Era muito rigorosa a portaria.

Nesse tempo, não tinha roleta nem nada. Só uma correntezinha e a urna. Aí ele chegou e disse que era Luiz Severiano Ribeiro. Aí o porteiro: ‘um momento, vou chamar o gerente, o sr. não pode entrar’. Quando o gerente desceu as escadas e viu o seu Ribeiro do lado de fora quase caiu lá de cima. Aí disse pro porteiro: ‘olhe, esse é o seu patrão, o proprietário do cinema!’. Sabe o que o seu Ribeiro fez? Chamou o gerente e disse: ‘olhe, o trabalho foi maravilhoso, ele está cumprindo as normas da empresa’. E virou-se pro porteiro: ‘você não me conhece, eu moro no Rio e é isso mesmo, não podia me deixar entrar’. Eles era muito rigorosos como patrões, mas sabiam agradar”.

Entre envergonhado e jocoso, seu Natal narrou ainda o dia em que todos no cinema falharam ao não perceber a entrada clandestina, provavelmente dentro de algum paletó, de uma galinha viva no recinto. Prova inconteste da inoxidável molecagem cearense. “No São Luiz, tinham seis policiais tomando de conta à tarde e seis à noite. As multidões eram grandes. Aí teve a exibição de um filme romano, cedo a fila se formou, passando da Guilherme Rocha. Eu subi, o gerente disse que podia começar a projeção. Com 30 minutos, telefonou lá de baixo pra cima. ‘Pare imediatamente a projeção’. Acenderam as luzes. Veio polícia de todo jeito. ‘Quem foi, quem não foi...’. Só se soube depois: jogaram uma galinha lá de cima do cinema, uma monstra, que foi bater na frente da tela. O gerente mandou botar numa caixa, os lanterninhas correram e levaram. Nunca descobriram quem foi. E no outro dia, o gerente ainda chamou reunião pra dizer que foi a galinha caipira melhor que ele já havia comido”, riu-se.

A Série O Especial Palco Ampliado, série de reportagens sobre os teatros públicos geridos pelo Estado em Fortaleza, encerra hoje destacando o Cineteatro São Luiz. No domingo, 20/8, foi publicada reportagem sobre o Theatro José de Alencar (goo.gl/cQTgGQ). Já no dia 27/8, entrou em cena matéria especial sobre o Teatro Carlos Câmara (goo.gl/3kzBta). 

Fortaleza em Quatro Atos A matéria completa escrita pela jornalista Ethel de Paula pode ser lida no link especiais.opovo.com.br/fortaleza4atos. O conteúdo faz parte do capítulo Memória do especial Fortaleza em 4 atos, que contemplará nas próximas semanas os temas Transpiração, Sabor e Fé. 

OS MOTIVOS DECORATIVOS do São Luiz passaram por processo de douramento, que foi feito com material novo a base de mica e acrílico. A composição dá uma estabilidade a cor, impedido um rápido envelhecimento. Segundo Fausto Nilo, a decoração do Cineteatro tem estilo misto, com forte influência da estética asteca.  

O teto tem composição decorativa de elementos geométricos no estilo art déco, numa mescla movimentos como Construtivismo e Cubismo. Na reforma ocorrida entre 2013 e 2014, as cores originais foram recuperadas após um processo de prospecção

O HALL DE ENTRADA tem piso em mármore carrara e as escadas que levam ao foyer possuem corrimões banhados em bronze. Os lustres de cristal tcheco carregam décadas de histórias. O espaço comporta ainda pequenos detalhes da história como os depósitos para guardar ingressos, que são originais da inauguração do equipamento. 

EM 22 DE DEZEMBRO DE 2014, o Cineteatro foi reinaugurado em noite que remeteu ao ano de 1958. Os carros de época ornamentando a entrada do teatro e o mesmo filme da inauguração, o clássico de 1956 Anastácia, a princesa esquecida (de Anatole Litvak).

NO DIA 25 DE JULHO ÚLTIMO, 2 anos e 2 meses após sua reabertura diária pela Secretaria da Cultura do Ceará, o Cineteatro São Luiz alcançou a marca de 335 mil espectadores em todas as linguagens, incluindo cinema, teatro, música, dança, atividades circenses, cultura popular, entre outros. 

Texto e imagens reproduzidos do site: opovo.com.br

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